1. Introdução: O ensino fundamental de nove anos está regulamentado no país através de lei federal para ser implementado pelos Municípios, Estados e o Distrito Federal até 2010. Cada qual deverá até tal data objetivar, seja através de construções ou modificações de espaços físicos bem como, de reprogramação de conteúdos, todo o ensino fundamental que agora deverá abranger também o último ano da pré-escola.
É límpido para todo aquele que fizer a leitura da lei federal que o escopo principal é aumentar o percentual das matrículas na escola, leia-se obrigatoriedade do ensino fundamental para todo brasileiro, sobretudo pela população mais carente e menos instruída tendo em vista que o diagnóstico explicativo da lei ressalta que o mais carente só matricula o seu filho quando de alguma forma compelido e principalmente no ensino fundamental, já que a pré-escola em regra não está a seu alcance seja por razões econômicas, seja por razões culturais. Sobressalta que o objetivo então é fazer com que as crianças carentes que antes ingressavam na escola com sete anos no ensino fundamental, agora ingressem com seis anos.
Para que o objetivo da lei federal seja alcançado qual seja: o de elevar o nível educacional do país como um todo, não é possível que os Municípios, Estados e Distrito Federal estabeleçam regras de implemento que dificultem a matrícula de alunos anteriormente matriculados no ensino da pré-escola e que naturalmente já estariam encaminhados ao ensino fundamental.Para estas crianças deverá ser criada a exceção necessária a não desviá-los da alfabetização tão proclamada pela lei federal. Se assim não for, tal obstáculo criará um entrave social e resultará na redução de matrículas para o ensino fundamental, justamente o inverso do que a lei federal estabelece.
2. A norma federal: O ensino fundamental de nove anos está disposto na Lei Federal 10.172/01, Lei 11.114/05, Lei 11.274/06 e Lei 9.394/96.
As leis acima citadas traduzem a intenção do legislador para o acréscimo do nível escolar no Brasil, bem como, a alteração no prazo do ensino fundamental que até o momento perfaz-se em oito anos.
Desta forma basta a leitura da Lei Federal 10.172/01 tem como objetivo claro a elevação do nível educacional no Brasil.
A referida norma relata apontamento especial para a rede pública de ensino, preocupação esta evidente em todo o contexto da legislação, já que os percentuais objetivos demonstrados no corpo da lei apontam para crianças em fase de pré-escola largadas ao destino quando os pais trabalham e não têm possibilidades de oferecimento estrutural básico de educação, alimento etc.
A Lei Federal 11.274/06 no art. 32 aduz que ?o ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, (negrito acrescentado) terá por objetivo a formação básica do cidadão (…).? Com tal dispositivo a lei pretende assegurar um direito que é constitucional, conforme artigo 208, inciso I da Carta Magna.
O direito constitucional ao ensino fundamental não é dever somente do Estado, mas também dos responsáveis, pois segundo o art. 246 do Código Penal brasileiro traduz-se em crime de abandono intelectual não matricular alguém sob cuja guarda estiver, negando-lhe a instrução.
Além de crime, tal desleixo por parte dos responsáveis também pode ser cobrado civilmente, pois o Código Civil em seu art. 1.694 prevê a possibilidade de cobrança de alimentos para a educação entre parentes, cônjuges ou companheiros.
Tais direitos garantidos pela Lei maior passam agora por uma modificação quando a Lei Federal 11.114/05 (art. 6.º), bem como a Lei 11.274/06 (art. 32), indicam a obrigatoriedade da matrícula para as crianças de seis anos no ensino fundamental de 09 anos.
É preciso entender o ?espírito? da lei federal, motivador de tal alteração. Para tanto necessário esclarecer os objetivos e diretrizes das leis acima referidas.
2.1. Os objetivos e diagnósticos: No item 2, dos Objetivos e Prioridades, a Lei 10.172/01 esclarece: ?Em síntese, o Plano tem como objetivos: a elevação global do nível de escolaridade da população; a melhoria da qualidade do ensino em todos os níveis; a redução das desigualdades sociais e regionais no tocante ao acesso e à permanência, com sucesso, na educação pública e democratização da gestão do ensino público…?
Interessante, que a mesma lei observa já diagnosticando que ?o atendimento maior se dá nas idades mais próximas da escolarização obrigatória…? (II- Níveis de ensino A-1-1.1) Isso ocorre sem dúvida, pelo fato de que famílias carentes têm maior acesso à escolaridade quando compelidas através de medidas coercitivas e de políticas diretas objetivando esclarecer a necessidade da escolaridade.
Infelizmente devido à ignorância aliada à falta de condições econômicas, predominante nas populações mais carentes, aí está a maior necessidade de informar, esclarecer e insistir na propagação da educação ampla a fim de mudar os índices de baixa escolaridade no país.
Ainda no diagnóstico da lei, 1.1 consta ?A Sinopse Estatística da Educação Básica/1999 registra um decréscimo de cerca de 200 mil matrículas na pré-escola, em 1998, persistindo, embora em número menor (159 mil), em 1999. Tem-se atribuído essa redução à implantação do FUNDEF, que contemplou separadamente o ensino fundamental das etapas anterior e posterior da educação básica. Recursos antes aplicados na educação infantil. Na década da educação, terá que ser encontrada uma solução para as diversas demandas, sem prejuízo da prioridade constitucional do ensino fundamental?.
Observo a importância deste parágrafo em que a lei ressalta assegurar o ensino fundamental para todos, já que é direito e dever decorrente da Constituição Federal, lei máxima.
A mesma lei ainda no tópico das diretrizes, 1.2, é certeira: ?A educação infantil é um direito de toda criança e uma obrigação do Estado (art. 208, IV da Constituição Federal) … o atendimento de qualquer criança num estabelecimento de educação infantil é uma das mais sábias estratégias de desenvolvimento humano, de formação da inteligência e da personalidade, com reflexos positivos sobre todo o processo de aprendizagem posterior. Por isso, no mundo inteiro, esse segmento da educação vem crescendo significativamente e vem sendo recomendado por organismos e conferências internacionais?. Parágrafo da lei, no mesmo tópico adverte: ?Considerando, no entanto, as condições concretas de nosso País, sobretudo no que se refere à limitação de meios financeiros e técnicos, este plano propõe que a oferta pública de educação infantil conceda prioridade às crianças das famílias de menor renda, situando as instituições de educação infantil nas áreas de maior necessidade e nelas concentrando o melhor de seus recursos técnicos e pedagógicos?. … ?Essa prioridade não pode, em hipótese alguma, caracterizar a educação infantil pública como uma ação pobre para os pobres. O que este plano recomenda é uma educação de qualidade prioritariamente para as crianças mais sujeitas à exclusão ou vítimas dela. (negrito acrescentado) A expansão que se verifica no atendimento das crianças de 6 e 5 anos de idade, conduzirá invariavelmente à universalização, transcendendo a questão da renda familiar?.
Não resta qualquer dúvida de que o objetivo da lei federal é incentivar o ensino para que o nível de escolaridade aumente, e os índices de ignorância por conseqüência diminuam, sobretudo no ensino público onde a lei dá enfoque total e quase que absoluto à educação básica.
Tanto é verdade que a Constituição Federal citada ainda na mesma lei no campo 2.1 Diagnóstico Ensino Fundamental, apontou: ?De acordo com a Constituição Brasileira, o ensino fundamental é obrigatório e gratuito. O art. 208 preconiza a garantia de sua oferta, inclusive para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria. É básico na formação do cidadão pois, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em seu art. 32, o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo constituem meios para o desenvolvimento da capacidade de aprender e de se relacionar no meio social e político. É prioridade oferecê-lo a toda população brasileira. ( negrito acrescentado)
É notório que a lei visa a assegurar o ensino principalmente àquelas populações mais carentes e desprovidas.
Sendo este o objetivo da lei e ressaltando a questão de que, segundo o senso, os mais carentes só matriculam seus filhos nas escolas mais cedo quando compelidos a isso, uma vez que dão prioridade ao ensino fundamental deixando de lado a pré-escola, por falta de acesso, ignorância ou restrições econômicas, esta é a razão principal para o acréscimo de mais um ano no ensino fundamental prolongando para 9 (nove) anos, que até o momento se desenvolve em 8 (oito) anos.
O Brasil tem urgência na elevação educacional, é o que demonstrou o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) quando o Brasil teve recentemente queda no ranking mundial principalmente por causa do baixo número de matrículas na escola, no ensino fundamental.
3. A deliberação estadual paranaense para a aplicação da lei federal: Na contra mão da lei federal, o Estado do Paraná, através da Deliberação n.º 03/06, Processo n.º 707/06 do Conselho Estadual de Educação aprovada em 09/06/2006, cria normas para a implantação do Ensino Fundamental de 09 (nove) anos estabelecendo regras diferenciadas, principalmente no sentido do ingresso do aluno que deverá ter seis anos completos ou a completar até 1.º de Março de 2007. O critério para a entrada do aluno na escola sempre foi implementado para todas as crianças que aniversariam no decorrer do primeiro ano do ensino fundamental. O Conselho Estadual deve criar exceções, lembrando que é imperioso tratar das desigualdades para criar igualdades e equilíbrio social, e, acima de tudo, observando a maior intenção que é de privilegiar o ensino, na correta interpretação da lei federal. Não é possível estacionar o processo do ensino em andamento porque o escopo da norma federal é elevar o senso matemático do país! É assegurado pela Constituição Federal o ensino para todos! Indiscriminadamente.
A norma estadual discrimina quando aduz que uma criança de 5 (cinco) anos que está na escola desde 01(um) ou 02 (dois) anos de idade, pré-escola que alfabetiza, que ensina escrever, fazer conta, que agora ela deve deixar de aprender, estacionar sua curiosidade, seu interesse até agora estimulado para aguardar que o Conselho Estadual de Educação do Paraná tenha a sensatez de providenciar a implantação mais adequada.
Imprescindível e urgente criar uma exceção para a tão questionada lei estadual que num rompante de agilizar a implantação da lei federal, estabeleceu a polêmica data de corte para as crianças que fizerem 06 (seis) anos até a data de 1.º (primeiro) de março de 2007 cuja deliberação citada no art. 12 dispõe que ?Para matrícula de ingresso no 1.º ano do ensino fundamental de 9 anos de duração o educando deverá ter seis anos completos ou a completar até 1.º de março do ano letivo em curso?. O Conselho Estadual de Educação esqueceu assim da primeira lição, da básica lição, que para toda regra deve haver exceção porque as leis são criadas para atender às necessidades sociais e só nascem para isso, para regulamentar os anseios públicos e para colaborar com o desenvolvimento e progresso não para travá-los.
Segundo a deliberação estadual, as crianças que completam 06 (seis) anos até a data de 1.º/3/2007 deverão estar matriculadas no 1.º ano do ensino de 9 anos, e, ainda, segundo o Processo n.º 940/06 aprovado em 01/09/06 também do Conselho estadual, essas crianças poderão, atenção, estar excepcionalmente matriculadas no 1.º ano do ensino de 8 anos!
A norma estadual é totalmente antagônica quando assegura em casos de transferência de alunos entre sistemas de 08 e de 09 anos de duração: ?Art.14, parágrafo único processo 707/06, deliberação n.º 03/06: – a avaliação seguirá os critérios de adequação idade/ano/série escolar, grau de experiência e desenvolvimento do aluno, realizada na própria instituição de ensino que receber o aluno, apontando o ano/série em que deverá ser matriculado.? E no § 1.º do art. 12. ?o aluno que estiver cursando a educação infantil e completar seis anos de idade no decorrer do ano letivo não poderá ingressar no ensino fundamental nesse mesmo ano?.
4. Conclusão: Impossível será não criar um caos educacional fazendo despencar o senso percentual e o nível escolar do país se o Conselho Estadual de Educação não tiver a sensibilidade de observar com urgência as exceções ou adequações necessárias.
Segundo a norma estadual, absurdamente, qualquer criança que completar 06 (seis) anos no dia 2/3/2007 é diferente, despreparada e menos madura que uma criança que completa seis anos no dia 1.º/3/2007. Para esta, a lei concebeu regra e exceção quando autoriza a matrícula tanto no ensino de 09 anos quanto excepcionalmente no ensino de 08 anos de acordo com sua maturidade e preparo. Aquela estaria condenada a permanecer dois anos repetindo conteúdos, desestimulando assim o aprendizado, ao contrário de todas as garantias constitucionais.
A título de exemplo, uma criança que fará 06 anos até 1/3/2007 tanto poderá em 2007 matricular-se no 1.º ano do ensino de 08 anos quanto no 1.º ano do ensino de 09 anos, por exceção, se tiver maturidade, leia-se também crianças que entraram mais cedo na escola e que em 2006 já cursam o Jardim III.
Se, por hipótese, numa sala de aula de pré-escola, numa turma de Jardim II estudarem 15 crianças desde os 02 anos de idade juntas, num mesmo processo de maturação quase que igualitário, mantendo as devidas proporções, em razão da personalidade e atributos de cada um, e, lá, nesta turma uma criança completa 06 anos antes de 1/3/2007 e todas as demais completam 06 anos após esta data, pensando que uma delas pode completar 6 anos em 2/3/2007, todas elas sem sombra de dúvidas serão prejudicadas.
Aqui, neste ponto o Conselho Estadual de Educação do Paraná tornou-as diferentes quando disse que a de 1/3/2007 é tão madura que até poderia matricular-se no 1.º ano do ensino de 08 anos, mas que as demais, mesmo que aniversariando em 2/3/2007 (um dia depois) sequer podem matricular-se no 1.º ano do ensino de 09 anos. Para estas todas a lei estadual quer atribuir a pena de repetir conteúdo durante dois anos já que teriam que fazer o Jardim III e somente em 2008 o 1.º ano do ensino fundamental de 9 anos.
Nesta turma hipotética (Fato comum em todas as pré-escolas do Paraná, 80% dos alunos não poderiam matricular-se) o que aniversaria completando 06 anos até 1/3/2007 poderá completar o ensino fundamental em 2014 se matriculado no Ensino Fundamental de 08 anos conforme a exceção já posta, enquanto que outro da mesma turma que completa 6 anos após 1/3/2007, um dia depois, por exemplo, terminá-lo-à somente em 2016.
A lei estadual deve observar o perigo de estar criando e, ou, estimulando desigualdades, desequilíbrio social, ao contrário do que preconiza a lei federal cuja intenção é nivelar por cima.
Quando a lei federal estabelece a necessidade da educação para todos, fá-lo indistintamente, sem preconceitos; não pode haver discriminação nem para a rede pública nem para a rede privada. Não é escopo da lei restringir a educação obrigando que as crianças da pré-escola, que já vêm de um processo de alfabetização ?patinem? nos mesmos conteúdos durante dois anos, emburrecendo-as. As crianças precisam ser matriculadas no ensino fundamental com urgência a fim de aumentar o percentual de educação no país, razão esta tão bem relatada e clara no texto da lei federal.
O direito à educação é um direito constitucional, não podendo a lei estadual através de uma regra inibir a matrícula de alunos que já freqüentam as pré-escolas, sejam elas públicas ou privadas, que já estão avançadas no processo de alfabetização. É imprescindível solucionar a lacuna, criando as exceções necessárias. Deve haver total liberdade de matrícula no 1.º ano do E.F. de 09 anos para 2007 para todas as crianças que completarem 06 anos no decorrer de 2007, a exemplo da exceção que foi criada para as crianças que farão 06 anos até 1.º de março de 2007 quando poderão tanto matricular-se no E.F. de 08 quanto no de 09 anos, dependendo do grau de maturidade.
Sob pena de desigualar iguais, é que cada responsável é ?obrigado? a matricular seu filho no ano que casuisticamente a maturidade de cada um permitir, conforme o Processo estadual 707/06; e, para tanto, ninguém melhor que os responsáveis diretos, bem como, a instituição de ensino que o receber, como aliás é o entendimento da lei.
Além do mais, a lei federal tem como escopo principal que toda criança que completar seis anos esteja matriculada no primeiro ano do ensino fundamental de 09 anos. Se os responsáveis assim não o fizerem e o Conselho estadual de educação não criar a exceção necessária, igualando as possibilidades para crianças do ensino público e do privado, sem discriminá-las, as crianças que hoje freqüentam o Jardim II e que farão seis anos no decorrer de 2007 estarão com 7 anos! em 2008 quando tão-somente poderiam matricular-se no primeiro ano?!? Desta forma a norma estadual subtrairia toda intenção da lei federal, e tanto o Estado quanto os responsáveis diretos pelas crianças terão responsabilidade legal assumida com todos os efeitos decorrentes, sejam civis, sejam criminais.
A necessidade pela urgência da exceção ou de alteração da regra estabelecida equivocadamente pelo Conselho Estadual de Educação do Paraná ocorre tendo em vista que, se assim não o fizerem, estarão os responsáveis por discriminar, criar constrangimentos, condenando para o resto da sua vida estudantil essas crianças que estarão um ou até dois anos atrás daquelas outras que se adequarão à regra. Como já exposto, deste descaso advém responsabilidade civil e criminal; matricular as crianças na escola, no ensino fundamental com seis anos de idade é o que determina a lei federal. O Conselho Estadual de Educação há de fazer prevalecer o direito igualitário decorrente da norma federal adotando o critério de sempre, ou seja: o ingresso de todas as crianças que completarem 06 (seis) anos ao longo do ano de 2007 quando será implantado no Paraná o novo sistema.
Por fim, lembre-se que não se deve confundir a obrigatoriedade de matrícula com a sua possibilidade. A educação é direito fundamental, dos pais e dos seus filhos
Májeda D.Mohd Popp é advogada. Mestra em Direito pela UFPR. Professora de Direito Civil das Faculdades Integradas Curitiba. Associada do Instituto Paranaense de Estudos Jurídicos ( IPEJ).