Emerson Gabardo
Vi há pouco tempo a notícia de que o Brasil ocupa uma das últimas posições no quadro dos países em termos de educação secundária. O próprio ministro da Educação deu entrevista afirmando que nosso ensino secundário é insatisfatório e que as políticas de expansão adotadas não trouxeram os resultados esperados. Realmente, a situação é desanimadora e acaba refletindo diretamente na qualidade do ensino superior: falta de recursos, professores despreparados, pais ausentes, desigualdade social, desvalorização total dos docentes na mentalidade brasileira contemporânea. Na Finlândia, o país que ocupa a melhor colocação, um dos pontos de destaque é a grande valorização social da profissão de professor. Há uma quantidade grande de alunos secundaristas que ao serem questionados afirmam desejar a docência como profissão (o que a maioria absoluta não consegue, pois o nível de exigência é alto). O professor é bastante prestigiado, mas por outro lado, é muito exigido.
No Brasil o quadro é inverso. Hoje em dia já há quem tenha até vergonha de dizer que é professor. Salários baixíssimos; precarização do ensino; políticas marginais ou de cunho estético; expansão quantitativa sem real preocupação qualitativa. Vários são os problemas, mas há um em especial que eu gostaria de abordar: a falta de exigência em relação aos alunos e em relação aos professores.
Aparentemente a problemática social que se tornou a péssima condição material do ensino no país acabou vitimizando os agentes do processo: pais, alunos e professores, com foco nos dois últimos grupos. Os professores, atingidos moralmente pelos baixos salários e péssimas condições, além de uma estrutural ausência de respeitabilidade social, acabaram muitas vezes por vivenciar um estrutural desestímulo pela atividade realizada. Os alunos, legitimados pelo baixo nível do ensino, desde o primário, pelas aprovações automáticas e por uma política pedagógica assistencialista, acabaram por requerer cada vez mais facilitações. Ademais, a sociedade contemporânea brasileira vivencia um processo de quebra de autoridade geral e irrestrito, que coloca os professores em uma posição de impotência perante alunos cada vez menos deferentes em relação à docência.
Nesta conjuntura, torna-se cada vez mais difícil ser exigente. Os alunos em regra chegam tão despreparados para o ensino superior, que o que seria um nível de exigência normal (em nível internacional) acaba sendo um exagero absurdo. E, por certo, a tendência é ser cada vez mais condescendente; até porque, sempre há um bom motivo para justificar esta condescendência. Já os professores do ensino superior acabam por vezes lavando as mãos com relação a esta situação, pois além de não se sentirem culpados pela realidade do seu entorno, acabam sentindo ?pena? dos alunos. Como é possível reprovar um aluno que tem enorme dificuldade para pagar a mensalidade, freqüenta todas as aulas, estuda, mas não consegue alcançar os resultados esperados? Por certo não é culpa do aluno, mas do sistema. E nisso estamos de acordo. Todavia, o fato é que as avaliações de justiça e injustiça acabam sendo alocadas para outros setores valorativos, que acabam influenciando as decisões. Ademais, os próprios professores muitas vezes têm dificuldades para dizer não ou para adotar uma política de elevado grau de exigência, pois isso lhes toca diretamente na popularidade. Nestas circunstâncias, o prejuízo no processo de desenvolvimento educacional é certo. Cria-se um sistema em que os alunos acabam sendo enganados, pois efetivamente não estão preparados, mas acabam sendo aprovados e os professores sentem-se acalentados, pois não ?prejudicaram? o aluno com uma reprovação.
Por um motivo ou outro, e até por questões que fogem aos limites deste texto, os professores estão sendo cada vez menos exigentes com os alunos e estão pleiteando cada vez menos exigências com relação a eles próprios. No curso de Direito isso se agrava devido à grande demanda existente e à grande quantidade de cursos. Ademais, no tocante aos docentes, as peculiaridades da área acabam fazendo com que exista uma forte resistência ao cumprimento de atividades administrativas básicas, que em outros países (e em outras áreas mesmo no Brasil) são exigíveis como absolutamente fundamentais e corriqueiras. Aqui, os professores muitas vezes entendem que sua atividade em sala de aula já é mais que suficiente. Além do que, o fato de em geral cumularem outra profissão como principal acaba por tornar a docência uma atividade materialmente secundária. E, ainda, há o problema da rapidez das qualificações acadêmicas, preconizada pelas instituições de fomento à pesquisa em nível de mestrado e doutorado, que são eficientes nas cobranças quantitativas dos programas, mas são ausentes na regulação qualitativa.
Particularmente, não acredito que, nas atuais condições brasileiras, este sistema pouco exigente tenha condições de dar certo. Creio que somente os cursos de Direito que adotarem uma política pedagógica de rigor e exigência tanto quanto aos alunos, como quanto aos professores é que poderão escapar deste círculo vicioso que se inicia no primário, se intensifica no secundário e surte um de seus piores efeitos no ensino superior: a vitimização geral. Esta exigência tem que abranger vários aspectos que afetam os dois grupos: qualidade intelectual, excelente desempenho didático, cumprimento de atividades administrativas e disciplinares, respeito recíproco com claro estabelecimento da hierarquia acadêmica, organização formal, alta exigência avaliativa e internacionalização das atividades. Estas características, para que tragam resultados satisfatórios, precisam ser implantadas dentro de uma perspectiva de exigência que irá implicar seriedade e compromisso.
Este processo de incrementação pedagógica levará tempo para amadurecer e consolidar-se, e é muito difícil de ser levado à frente; mas parece ser inevitável. O percurso a ser trilhado é árduo e propostas desta natureza sofrerão resistências, pois a tendência geral é de flexibilização, facilitação e peculiarização. Ou seja, foca-se o imediato e específico ao invés do mediato e coletivo, com redução nítida dos níveis de exigência. Infelizmente, no quadro geral da educação no país, não vejo como ser alterada a generalidade da situação a ponto de melhorar nossas qualificações internacionais a curto prazo. A tendência atual é, portanto, de existirem poucos cursos de Direito efetivamente comprometidos com esta perspectiva, que se tornarão ilhas de qualidade, inseridas em um contexto totalmente adverso.
Emerson Gabardo é advogado, mestre e doutorando em Direito do Estado pela UFPR, coordenador-geral do Curso de Direito da UniBrasil e da pós-graduação do Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar.