A princípio poderia ser um discurso fácil. Nossa legislação e a maioria esmagadora dos especialistas defende com unhas e dentes a famosa relação indissociável entre ensino, pesquisa e extensão. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação brasileira registra juridicamente um anseio que está presente na teoria e na prática das mais diferentes áreas do conhecimento e, particularmente, é um condicionador da qualidade dos cursos de Direito. São poucos os que têm posição contrária, afirmando que não é absolutamente necessário para a qualidade de uma instituição de ensino superior a consecução de todos estes aspectos da formação do indivíduo. Bastaria, segundo esta ótica, haver uma boa formação em apenas uma delas, em regra, referindo-se apenas ao ensino. Extensão, nem se fale! A relação entre pesquisa e ensino já é por demais complexa e rica em debates.
A primeira questão que se coloca é saber se é possível a formação de um bacharel qualificado, mesmo que ele não faça pesquisa durante sua graduação. Afinal, o grande foco de investimento em pesquisa no Brasil está na pós-graduação. A segunda pergunta que se coloca é: caso seja necessária a pesquisa na graduação, então como é possível financiar tal exigência? Parece um questionamento singelo, mas existem implicações de dificílima resolução. De saída torna-se importante fazer uma distinção entre as instituições públicas e privadas. Em regra, a ?quantidade? de pesquisa que se faz nos cursos de Direito estatais é muito maior que nas instituições privadas (ao menos na pós-graduação). E isso parece coerente com o fato de que o orçamento destas instituições para a área de pesquisa é muito maior que nas instituições privadas que passam, sem dúvida, por uma crise de financiamento. Mas isso não significa que as instituições públicas necessariamente construam uma pesquisa de melhor ?qualidade?. A qualidade depende de distintos fatores que não exclusivamente o financeiro. Ademais, nem todos os programas públicos efetivamente recebem recursos e nem por isso, por princípio, deixam de ser qualificados.
No tocante às instituições particulares, cabe salientar que se por um lado o curso de Direito é muitíssimo procurado, em geral a maioria dos cursos não é. Instituições de pretensão universitária certamente terão cursos sem o mesmo patamar concorrencial e, portanto, sem o mesmo potencial de investimento. Tal fato acarreta de forma clara a necessidade de um equilíbrio institucional geral. Este equilíbrio caminha em sentido inverso ao atendimento da necessidade de investimento em pesquisa nos próprios cursos de Direito, que é alta. Sendo assim, torna-se imprescindível que as instituições de ensino superior garantam em seu projeto pedagógico a indissociabilidade entre ensino e pesquisa. O que não significa que este objetivo será facilmente atingido. É necessário muito planejamento e seriedade, sempre tendo-se em vista o todo.
Mas aqui cabe uma colocação. Durante muito tempo acreditou-se que a pesquisa tinha caráter complementar ao ensino e que, portanto, deveria ser realizada por vocacionados. E ainda, a partir da década de 1990, a política de financiamenteo público da pesquisa passou a defender a necessidade da formação de ?centros de excelência?, que seriam efetivamente capacitados para a pesquisa. Aos demais, os ?não-excelentes?, caberia exclusivamente a atividade de ensino.
Esta posição parece não combinar com os cursos mais atualizados. Os melhores projetos pedagógicos reconhecem que a realização da pesquisa, já na graduação, é condição essencial para a incrementação da qualidade na formação do bacharel. Um aluno que, além das atividades de ensino, tenha se dedicado à pesquisa, terá maiores chances de perceber em si um importante amadurecimento intelectual. O acompanhamento pessoalizado do seu orientador, a necessidade de reflexão crítica aprofundada, as dificuldades inerentes à coleta do material e o tipo de leitura exigido acabam propiciando um diferencial que jamais a exclusiva atividade de ensino vai oferecer, mesmo para os alunos mais aplicados.
Por estes motivos é imprescindível aos cursos de Direito qualificados o oferecimento de atividades de pesquisa, notadamente as de iniciação científica e os grupos de estudo com caráter investigatório. E tanto melhor se os orientadores estiverem ligados a núcleos de pesquisa em nível de pós-graduação. Na atividade de investigação, até mais do que na de ensino, é bastante interessante a interligação entre a graduação e a pós-graduação, inclusive mediante a criação de linhas de pesquisa em comum.
A atividade de pesquisa não é, portanto, de caráter complementar, mas sim faz parte do próprio ensino. É inerente a ele. Esta pespectiva coloca em cheque a atual política governamental na área, que prestigia quase que exclusivamente critérios quantitativos direcionados apenas ao resultado final. Parece estranho, mas para o ensino do Direito, o resultado final (em geral um trabalho escrito) não é tão importante quanto o processo de sua realização. Um processo em que o aluno e o professor agem de uma forma autônoma e crítica, colocando em cheque as teses e conceitos já estabelecidos e não se contentando com a reprodução do conhecimento ou com a mera demonstração do ?aprendido?. Todo intelectual que vivencia de forma séria um projeto de pesquisa sai mais preparado para o enfrentamento das questões quotidianas.
Emerson Gabardo é professor de Direito Administrativo, coordenador geral do Curso de Direito da UniBrasil e da pós-graduação do Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar.