A tratativa do assunto ?ensino jurídico? no percurso da segunda metade do século XX foi promovida basicamente por juristas. Basta que se olhe para os eventos realizados nas duas últimas décadas para se perceba a absoluta ausência de profissionais da área de educação. Esta forma de abordagem das questões teve seus pontos positivos e seus pontos negativos. Em termos benéficos, tem-se a discussão sobre o assunto realizada pelos efetivos atores do processo, sejam professores ou alunos; já sob o aspecto desfavorável tem-se a falta de interlocução multidisciplinar, ainda que fosse corrente a defesa teórica da interdisciplinariedade.
O insulamento dos cursos de Direito, notadamente nas instituições públicas, tornou-se comum, gerando preconceitos que até hoje são existentes, inclusive em realidades totalmente distintas, como é o caso, em geral, das instituições particulares. Os agentes dos demais cursos acabaram por nutrir uma certa antipatia pelo curso de Direito, o que, em um movimento cíclico, acabou por colaborar para a falta de integração. A falta de reciprocidade acaba minando o sentimento de pertencimento a uma determinada comunidade. Esta realidade fez com que as discussões metotodógicas, ou seja, que decorrem do projeto pedagógico dos cursos, fossem tratadas fundamentalmente a partir de uma abordagem tópica. Neste modelo, primeiro são colocados os problemas, depois sugeridas as soluções no campo da teoria e, por fim, são avaliadas algumas práticas que acabam por gerar, a partir da experiência, um projeto teórico. Se fossem questionados os dirigentes e coordenadores de curso de então a respeito de seus ?projetos político-pedagógicos? certamente haveria muita dificuldade para que apontassem o método de ensino escolhido, o perfil dos egressos desejados, os objetivos gerais e específicos do curso, a ênfase temático-curricular, etc.
A partir da década de 90, e fundamentalmente em razão da ampliação do segundo setor na prestação dos serviços públicos não privativos do Estado, a regulação de órgãos estatais como o MEC acabou alterando o foco das discussões metodológicas. Se por um lado as mudanças paradigmáticas do período provocaram uma série de externalidades negativas devido à visão liberalizante do setor educacional, além da voluntária e equivocada precarização do setor público, por outro, a ampliação da função regulatória estatal produziu bons frutos, redirecionando o foco das discussões que passaram a tratar não somente do ?como fazer?, mas também do ?por que fazer?. Não se discutirá aqui a confusão e a instabilidade normativa (legal e administrativa) vigente no Brasil, nem as precárias formas de fiscalização. Mas o fato é que, se questionados hoje, por certo que os dirigentes dos cursos terão uma visão bem mais ampla do aspecto político-pedagógico, não somente a partir da perspectiva do jurista, mas também do educador. Um bom coordenador de curso tem que estar atendo para este ?olhar de fora?, que torna mais rica a construção de respostas dentro do universo do ensino do Direito. E isso efetivamente está ocorrendo, o que demonstra que os cursos estão evoluindo e se modernizando.
Já especificamente no tocante à questão didática a realidade atual tem demonstrado uma situação de ecletismo impossível de ser padronizada. Mas boa parte das instituições já reconhece, ainda que não pratique, que este é um aspecto fundamental. Durante muito tempo os cursos de Direito herdaram a metodologia do ?lente catedrático?. Ou seja, professores que efetivamente não se preocupavam em nada com a transmissão do conhecimento, que ficava totalmente sob o encargo do público discente. Grandes mestres, brilhantes advogados e magistrados, que apesar de serem profissionais de destaque tratavam a docência como um apêndice de sua profissão principal.
Hoje não é mais assim. O crescimento da demanda por profissionais que têm como atividade principal o magistério é impressionante. Em parte graças ao impacto gerado pelo aumento da disponibilidade de cursos de mestrado e doutorado, em parte como decorrência de uma demanda de mercado, o fato é que há uma forte tendência para uma melhoria significativa no aspecto didático. Dificilmente os cursos particulares mantém em seus quadros docentes não vocacionados ou que possuem desempenho insatisfatório sob o ponto de vista ?do tablado?, mesmo que sejam excelentes teóricos ou pesquisadores. Por certo que nas instituições públicas, pela sua própria natureza, a situação é diferenciada.
Mas a questão metodológica não se resume à didática. Devido ao perfil do conhecimento jurídico típico da civil law, o ensino do Direito no Brasil realiza-se quase que exclusivamente através de uma perspectiva dedutiva. Através deste paradigma os docentes acabam colocando a lei (em sentido amplo) como o centro de sua aula e os debates realizados, em geral, visam à obtenção argumentativa da solução (sendo esta já preconcebida pelo professor). A posição pouco ativa dos alunos é a regra. A eles cabe aguardar a resposta a ser colocada pelo professor. Claro que não são incomuns os debates e ainda o contato com os exemplos concretos, mas o fato é que dificilmente este modelo valoriza a autonomia dos alunos. É preciso que seja repensada esta tradição, não para o fim de abandoná-la, pois o método analítico-dedutivo é imprescindível ao ensino do Direito no Brasil, na medida em que é bastante coerente com a sua formatação cultural. Todavia, é perfeitamente possível quebrar a exclusividade desta realidade metodológica, por exemplo, mediante a utilização de enfoques indutivos, como ocorre com a utilização acessória dos métodos do caso (peculiares da tradição jurídica anglo-americana) e que já vêm sendo aplicados com êxito em alguns cursos.
Em suma, a preocupação com a interdiciplinariedade, com a didática e com o método de abordagem do conteúdo representa o principal elemento de um bom projeto político-pedagógico, ainda que existam também outros pontos importantes, como a própria escolha das formas de controle da gestão administrativa (mas este assunto fica para outra oportunidadade).
Emerson Gabardo é professor de Direito Administrativo, Coordenador Geral do Curso de Direito da UniBrasil e da Pós-graduação do Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar.