Enfoque simplista

Passou no Senado, e agora vai para a apreciação da Câmara dos Deputados, projeto de lei que amplia de 30 para 40 anos o prazo máximo das penas de prisão e considera homicídio qualificado o assassinato de magistrados, membros do Ministério Público, jurados e policiais. A iniciativa decorre dos dois recentes assassinatos de juízes. A aprovação da proposta do presidente da Casa, José Sarney, foi por votação simbólica. “É preciso deixar claro para o mundo dos delinqüentes – escreveu Sarney ainda na emoção – que a lei tornou-se explícita na punição dos crimes contra policiais que cumprem seus deveres nas ruas, contra promotores de justiça que cumprem suas obrigações nos processos, e contra magistrados e encarregados pelo Estado da aplicação e da execução da lei.”

Pela legislação atual, a pena para homicídio qualificado varia de 12 a 30 anos de prisão. Foi aumentada de 30 para 40 anos – “um afastamento eficaz do meio social por tempo suficiente” para integrantes de bandos e quadrilhas ou agentes do crime organizado arrependerem-se e reeducarem-se nos casos em que isso for possível, segundo assinalou o mesmo autor da proposta. O aumento da pena, segundo Sarney, vai dificultar a aplicação da progressividade para os condenados, já que serão exigidos períodos maiores de reclusão.

Em que pese a boa intenção da proposta, há que se considerar o que, aliás, já está sendo considerado pelos integrantes das próprias categorias que se pretende socorrer: não é o aumento da pena que intimida o meliante e, sim, a certeza de que ela será aplicada. Não fosse assim, e melhor efeito teria instituir-se logo a pena de morte. Ademais, a se raciocinar conforme o texto que fundamenta a proposta, e considerando-se o princípio constitucional que ensina serem todos iguais perante a lei, por que não se aumentar a pena para crimes cometidos contra outros cidadãos também?

Quer nos parecer aprioristicamente que a iniciativa tem mais o objetivo político de dar algum tipo de resposta imediata à comoção da magistratura encurralada que, de fato, ir ao encalço de uma solução funda e duradoura para o problema do crime organizado no País. Nossas cadeias estão cheias. Mas uma população equivalente à daquela constituída de presidiários apinhados em celas imundas está à solta pelas ruas das cidades e picadas outras, embora com prisão decretada e sentença dada. Queremos incentivo maior à criminalidade que este?

A se cultivar o raciocínio empregado pelo autor da proposta, e persistindo essa situação de impunidade que perpassa o Brasil de norte a sul, chegará o dia em que 40 anos já não bastam. Serão 60. E não bastando 60, e já antes, sairá fortalecida a tese de que apenas a pena capital poderia impor o terror necessário às hostes do mal.

Antes de caminhar por essa estrada de um enfoque simplista, para não dizer demagógico, seria melhor que o Senado, a Câmara dos Deputados, o Executivo e o Judiciário – todos juntos – se debruçassem sobre uma proposta de ação capaz de fazer cumprir com eficiência, justiça e rapidez o que já existe. Todo o resto poderá aumentar apenas a sensação de injustiça que é, sem dúvida, uma das grandes molas do crime, organizado ou não.

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