?En passant?

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em seus discursos para o grande público, solta a língua e muitas vezes chega a produzir pérolas que provavelmente entrarão no folclore político brasileiro. Na Marcha dos Prefeitos, realizada em Brasília, o presidente produziu uma dessas peças dignas de registro. E o fez numa auto-crítica, ou melhor, num auto-elogio sem máscaras. O presidente da República ironizou aqueles que o criticam por sua maneira singela, não raro errada, de falar, dizendo que há uma ?evolução imensa? no seu modo de falar. Chegou a essa conclusão ao usar a expressão francesa ?en passant? que significa ?de passagem? ou ?sem entrar em detalhes?. Trata-se de uma expressão utilizada em várias línguas e muito comum nos textos em português, inclusive no Brasil. Ou principalmente no Brasil, onde há verdadeira fome de estrangeirismos, embora em geral sejam do inglês e não do francês.

Lula lembrou que realmente há uma evolução estupenda na linguagem de quem, até há pouco, dizia ?menas laranja?. A propósito, o uso de ?menas?, palavra inexistente em português porque não há uma forma masculina e outra feminina de ?menos?, é comum no linguajar do dia-a-dia de grande parte dos brasileiros. E, no Brasil, não parece existir muito apreço pelo falar e até mesmo escrever de forma correta.

Se esta manifestação de Lula entrar para o folclore político, não será a primeira abrigando ?menas?. No governo Floriano Peixoto contavam a anedota de que um ajudante de ordens bateu com muita força na porta do gabinete do presidente. Este mandou-o entrar e foi repreendendo: ?Bata com menas força?. O ajudante de ordens retrucou: ?Vossa Excelência desculpe, mas ?menos? é verbo, não ?vareia??.

A evolução no uso correto da língua portuguesa, pelo nosso atual presidente, é um fato evidente, embora ainda esteja longe de pautar-se pelo vernáculo. E quando ironiza os que o criticam por isto, tem toda a razão, pois não seria de se exigir de um operário, mesmo que líder sindical, de pouca escolaridade e que chegou ao sul num ?pau de arara?, que falasse um português correto.

É importante falar o melhor português possível e seria desejável que o presidente do Brasil falasse corretamente. Desejável, mas não indispensável, desde que demonstrasse, como Lula demonstra, conhecimentos e viva inteligência que o habilitam a tratar dos mais difíceis e intrincados assuntos que lhe são afetos em razão do alto cargo eletivo que ocupa. O mesmo seria desejável de sua equipe que, não obstante em geral de mais escolaridade que o presidente, não raro escorrega no português.

De um presidente de tão humilde origem, não seria de se exigir mais. Efetivamente demonstra haver passado por uma ?evolução imensa? e não estranha que já esteja falando em, se não for candidato a um terceiro mandato, procurar tirar um curso superior.

Se antes a nação brasileira elegia só doutores, era pelo elitismo de suas estruturas políticas. Coube a Lula acabar com isto, demonstrando que um homem do povo, que erra na forma de falar, é capaz de chegar ao poder e de exercê-lo com a mesma ou maior eficiência que muitos outros políticos de elevada escolaridade e vasta cultura.

Despreocupe-se o presidente, pois se tem havido muito bem como comunicador. O mais importante não é a correção da linguagem com que se expressa, e sim o que expressa. E aí é que existem fundadas queixas. Por vezes, no seu jeito simples e até errado de falar, ele tem pronunciado discursos que arrepiam não pela forma, mas pelo conteúdo. Exemplos são os discursos eleitoreiros e os ataques às instituições, quando o que indigna não é o espancamento do bom português, mas a virulência com que ataca as instituições democráticas.

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