Digamos que você acorde às 6h, ligue a luz da escrivaninha, tome uma ducha de 10 minutos, use o carro por 15 minutos até o escritório, trabalhe, volte pelo mesmo caminho, prepare o jantar e assista a um filme antes de dormir. Como ninguém é de ferro, no verão você pega um avião para visitar a família que está em outro Estado. Pronto, você terá emitido pelo menos 4 toneladas de carbono em um ano, resultado da luz e do combustível consumidos.
Isso não quer dizer que você seja um grande poluidor. Basicamente qualquer movimento dentro de uma cidade gera gases do efeito estufa. Você é apenas um cidadão urbano comum, como tantos outros milhões distribuídos pelas grandes e médias cidades do planeta. Milhões? Sim. Multiplique a quantidade de carbono que você emitiu e verá quanto é lançado anualmente na atmosfera pela humanidade.
Agora acrescente nesta conta o consumo das empresas. Elas oferecem a você todos os produtos e serviços de que precisa para viver, geralmente a um custo ambiental bastante alto. O banco onde você guarda seu dinheiro, o supermercado que oferece alimentos, a tecelagem que fornece o fio para sua roupa, a montadora que construiu seu veículo, a usina que gera a energia elétrica – todos os setores emitem carbono, e num ritmo cada vez mais rápido, para alimentar os milhões de cidadãos comuns como você.
Para resguardar a atmosfera terrestre, pessoas comuns e empresas incorporaram um cálculo simples, porém há muito esquecido: 1-1=0. Este é o raciocínio aplicado na neutralização do carbono, que tenta zerar a quantidade de gases do efeito estufa gerados nas atividades humanas, ou pelo menos chegar o mais perto possível do zero ideal. Para cada tonelada de carbono lançado na atmosfera, aplica-se um equivalente em projetos que retirem o gás da atmosfera ou que emitam muito menos do que normalmente.
Adesão
A iniciativa começou alguns anos atrás em países ricos que trabalham sob políticas poluidoras mais restritivas e uma consciência ambiental afinada. No Brasil, ele deu seus primeiros passos em 2005, avançou timidamente em 2006 e promete surpresas no ano que se inicia, de forma consolidada e com projetos com o potencial de sacudir o mercado. Pequenas e grandes companhias nacionais estudam discretamente como incorporar a neutralização em suas práticas ambientais, com efeitos sentidos pelos clientes.
O carbono é um elemento presente na natureza, e na forma de gás carbônico (o CO2) é um dos componentes da atmosfera. Acontece que atividades humanas como as descritas acima têm jogado CO2 demais no ar. Normalmente, a própria Terra se encarrega de absorver esse gás da atmosfera, num delicado e equilibrado ciclo. Porém, desde a Revolução Industrial, no século 18, é produzido muito mais do que a natureza é capaz de lidar.
Esse carbono excedente pode ser neutralizado. Projetos florestais, com o plantio de árvores, são um dos caminhos usados pois absorvem o CO2 que está no ar e o estocam como biomassa. Aquelas 4 toneladas emitidas por você no ano, por exemplo, equivalem de 6 a 7 árvores. ?Aquele ditado ?tenha um filho, escreva um livro e plante uma árvore antes de morrer? está errado. Para compensar sua vivência, você precisa plantar mais de 300 árvores?, diz o ambientalista Mario Mantovani, da ONG SOS Mata Atlântica.
Projetos
Empresas dos mais diferentes setores começam a engrossar a fila dos projetos de neutralização de carbono no Brasil. Bradesco, Volkswagen Caminhões, Gol, Interface e Martins Transportadora são algumas delas. ?Temos um viveiro com 200 mil mudas de espécies nativas no sul do Rio de Janeiro?, conta Guilherme Cruz da Volkswagen. Mas o lado das ausentes ainda é maior.
São três aspectos que levam companhias a investir neste campo. Além da responsabilidade socioambiental, parte de sua reputação, a neutralização de carbono é uma oportunidade de se destacar no mercado em ações de marketing. O último motivo é de fato uma aposta, a ser colhida em médio e longo prazos. Para o setor produtivo, a crise ambiental que se aproxima pelo agravamento do efeito estufa forçará o Brasil a assumir metas de redução de sua emissão de gases, no molde que os países ricos seguem atualmente. Paradoxalmente, o tema é ainda tratado como sensível dentro das esferas governamentais, porém já foi totalmente incorporado pelas empresas brasileiras.