Depoimentos à CPI dos Sanguessugas e à Justiça dos empresários que comandavam a máfia das ambulâncias mostram que as conexões do esquema com os municípios foram reforçadas pela atuação do dirigente petista José Airton Cirilo e pelo pagamento de propinas a uma centena de prefeitos. Ex-presidente do PT no Ceará e integrante do Diretório Nacional do partido, Cirilo comandava um grupo de intermediários que indicou aos donos da Planam, Darci Vedoin e seu filho Luiz Antônio, dezenas de prefeituras que foram beneficiadas com R$ 2 milhões liberados pelo Ministério da Saúde.
O grupo de Cirilo também ajudou a resolver pendências de municípios. O empresário Ronildo Pereira, um dos sócios da Planam, relata que José Caubi Diniz, um dos intermediários chefiados pelo petista, conseguiu liberar entre R$ 100 mil e R$ 200 mil para compra de remédios para o município de São Tomé (RN), em troca de "comissão" de 5% sobre o valor liberado.
Nesse caso, contou Ronildo, a licitação foi forjada, e o dinheiro teria sido totalmente desviado. Segundo ele, houve apenas troca de papéis. O representante da prefeitura entregou recibo atestando a entrega fictícia dos medicamentos, e Ronildo entregou a nota fiscal da compra. O empresário diz que nunca foi a São Tomé nem sabe onde a cidade fica.
Ambulâncias
A Planam operava como quartel-general de um esquema de venda superfaturada de ambulâncias para prefeituras com verbas do Orçamento da União. Há pelo menos 90 parlamentares envolvidos de alguma forma na fraude – eles foram notificados para se explicarem à CPI – e sob suspeita de apresentar emendas ao orçamento para beneficiar o esquema, em troca de propina. A fraude passou a ser investigada no Congresso depois que, em maio a Operação Sanguessuga da Polícia Federal prendeu 47 acusados.
Assim como fez em relação aos deputados, o esquema sanguessuga pagou comissões a quase uma centena de prefeitos – em metade dos casos, o dono da Planam forneceu à Justiça comprovantes de depósitos das "comissões", que somam R$ 700 mil. A máfia operou com cerca de 500 prefeituras – 10% do total de municípios do País – e, na maioria dos casos, segundo a versão de Darci Vedoin houve direcionamento da licitação com o conhecimento dos prefeitos.
A CPI dos Sanguessugas está reunindo evidências contra os administradores envolvidos e vai encaminhar os documentos ao Ministério Público nos Estados em que a Planam atuou. "Estamos recebendo muitas denúncias a respeito da participação de prefeitos nas fraudes", disse o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), que integra a CPI.
Roteiro
Nas prefeituras, o pagamento de propinas obedecia método semelhante ao adotado pelos deputados sanguessugas. Em Vinhedo (SP), segundo Vedoin, teriam sido entregues R$ 39 mil em espécie a um assessor jurídico da prefeitura, a pedido do prefeito. A propina correspondia a 10% do valor de emenda de autoria do deputado Wanderval Santos (PL-SP), destinada à compra de equipamentos médicos.
Em São João do Meriti, na Baixada Fluminense, em 2004, o então prefeito Antonio de Carvalho (PMDB), marido da deputada Almerinda de Carvalho (PMDB-RJ), teria recebido R$ 25 mil em dinheiro vivo, entregue ao secretário de Saúde. Em uma única emenda, Almerinda pretendia destinar R$ 1,2 milhão para compra de aparelhos. Segundo Vedoin, Cirilo teria conseguido desbloquear o dinheiro. A própria deputada já havia fracassado na tentativa de liberar a quantia, disse o empresário.
Vedoin disse que nem sempre os prefeitos recebiam comissões. Em muitos casos, os parlamentares se apresentavam como donos das emendas. Se os municípios não aceitassem as condições, perdiam os convênios.
