Anteriormente, dissemos que a nova empresa individual de responsabilidade limitada viria em benefício do empreendedor individual, posto que reduziria o risco da atividade econômica em virtude da limitação de sua responsabilidade; ou seja, a nova legislação deu voz ativa ao princípio da autonomia patrimonial, prescrevendo que é a pessoa jurídica a responsável pelo adimplemento das obrigações contraídas, não os sócios que a compõe. Nada mais natural.
Nesse modelo societário, a regra geral, então, é de que a responsabilidade do empreendedor (pessoa natural) será sempre limitada. Mas existe uma exceção, manifestada pela aplicação do princípio da desconsideração da personalidade jurídica, atualmente previsto no artigo 50 do Código Civil.
Partindo deste princípio, de criação européia, a pessoa natural (os sócios ou o sócio, em caso de empresa individual) poderá ser responsabilizada pelos débitos sociais caso seja constatada a fraude ou o abuso na utilização da personalidade jurídica, o que condiz com a necessidade de se proteger os credores e os próprios trabalhadores de empresários inescrupulosos.
O problema reside no fato de que os Tribunais brasileiros, especialmente os do trabalho, vêm temperando o princípio inicial, supostamente trazendo o mesmo à realidade brasileira, fazendo presumir que todo empreendedor que busca a limitação quer fraudar o sistema de responsabilidades, tornando a exceção em regra.
A título de exemplo, podemos citar o posicionamento do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, para quem: “o instituto da despersonalização da pessoa jurídica é perfeitamente cabível na fase de execução, quando comprovado que a empresa Ré não dispõe de meios para arcar com os créditos trabalhistas (arts. 592, II e 596 do CPC). Assim, em casos de insolvência, fraude ou de encerramento irregular das atividades, respondem os sócios com seus bens particulares pelas dívidas decorrentes do descumprimento de normas trabalhistas.” (TRT-PR-06052-2009-678-09-00-8-ACO-25754-2011 – 4A. TURMA, Relator: SUELI GIL EL-RAFIHI, Publicado no DEJT em 01-07-2011).
No mesmo sentido, causando espanto ao legislador tanto quanto causa à doutrina, o entendimento atual que diz que “a personalidade jurídica da sociedade não pode servir de obstáculo ao ressarcimento do prejuízo causado ao trabalhador (art. 28, “caput” e § 5º, CDC, c/c art. 8º, CLT).” (TRT-PR-01744-1996-322-09-00-5-ACO-23193-2011 – SEÇÃO ESPECIALIZADA, Relator: LUIZ CELSO NAPP, Publicado no DEJT em 17-06-2011).
Desta forma, ao passo em que dissemos que a limitação da responsabilidade do empreendedor individual que optar pelo regime da empresa individual trará maior segurança ao mesmo, diminuindo os riscos da atividade econômica em prol de toda a coletividade, temos que observar que esta limitação, que deveria ser regra, está se tornando uma exceção, já que os Tribunais pátrios vêm entendendo que o sócio será responsabilizado pelos débitos sociais se constatada a simples inadimplência, fato que não se coaduna com a intenção do legislador ou mesmo com o entendimento majoritário dos doutrinadores nacionais.
A conseqüência, infelizmente, é de que mesmo nas empresas individuais de responsabilidade limitada, especialmente quando inadimplidos débitos trabalhistas, independente do motivo (não se perquire aqui da prova da má-administração, como faz o Código de Defesa do Consumidor ou mesmo a Lei Antitruste), será trazida a pessoa natural ao seio da execução, obrigando-se a mesma a adimplir com um débito que foi originalmente constituído pela pessoa jurídica, sob pena de penhora e alienação de bens pessoais.
Daniel Fernando Pastre é mestre em Direito. É advogado sócio do escritório Castardo, Milazzo & Pastre Advogados Associados e professor de Direito Empresarial na Faculdade Nacional de Educação e Ensino Superior do Paraná – FANEESP.