Empresa é condenada por submeter motorista a exame coletivo de hemorroidas

 

A Viação Andorinha Ltda deverá indenizar o dano moral causado a um motorista que foi humilhado ao ser submetido a exame físico admissional para verificar a existência de hemorroidas. A decisão é da 2ª turma do TRT da 1ª região.

O motorista, dispensado depois de quase quatro anos de trabalho, disse que na época de sua admissão foi obrigado a se submeter a exame físico minucioso de inspeção anal diante de colegas, sentindo-se constrangido e humilhado. Segundo ele, caso constatada a propensão ou existência da doença, ou se o candidato se recusasse a realizar o exame, não haveria contratação.

O fato foi testemunhado por outro motorista, que afirmou também ter se submetido ao exame, ocorrido na sala do médico e na presença de dois funcionários da viação.

Para o desembargador José Geraldo da Fonseca, relator do recurso, “a recorrente agiu fora de seus poderes diretivos pois, em que pese valer-se de direito previsto em lei, qual seja, realizar exame médico admissional, constrangeu o recorrido ao realizá-lo coletivamente para detecção de hemorróidas, violando sua dignidade“.

Os desembargadores decidiram aumentar o valor da indenização para 10 vezes o valor do salário do empregado, o que totaliza cerca de R$8 mil.

Leia o acórdão na íntegra.

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ACÓRDÃO

SEGUNDA TURMA

Justa causa. Conceito.

O conceito de justa causa não é unívoco. Toda rescisão de contrato por justa causa pressupõe necessariamente uma falta grave para a informar, mas nem toda falta grave basta para permitir uma rescisão de contrato por justa causa. Só há justa causa para a dispensa quando a falta esboroa a fidúcia (confiança). A falta dita grave deve ser avaliada subjetiva (a personalidade do agente, os antecedentes funcionais, o grau de cultura e de discernimento etc.) e objetivamente (levando-se em conta fatos e circunstâncias em que a falta foi cometida). Para a tipificação da justa causa para a dispensa, decorrente da imputação da prática de falta grave pelo empregado, o julgador deve decidir se, de fato, houve a falta grave de que se fala nos autos, se há nexo etiológico entre a falta e aquele se diz seu autor e se essa falta é grave a ponto de quebrar a fidúcia que serve de base ética do contrato de trabalho, de modo a tornar insustentável, mesmo que de modo provisório, a mantença da relação de emprego.

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso ordinário em que são partes VIAÇÃO ANDORINHA LTDA e M.M.C., como recorrentes e recorridos, respectivamente.

Trata-se de recurso ordinário interposto por VIAÇÃO ANDORINHA LTDA e M.M.C. contra a decisão de f. 488/508, complementada a f..512/513, prolatada pela ilustre Juíza Luciana Muniz Vanoni da 22ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, que julgou parcialmente procedentes os pedidos deduzidos pelo empregado.

A sociedade empresária diz pelas razões de f.516/547 que a sentença merece reforma quanto (1) à descaracterização da justa causa aplicada, com condenação ao pagamento das verbas rescisórias como se a dispensa fosse imotivada, pois restou provado que o recorrido faltou injustificadamente de 9/2/2010 a 24/2/2010, já tendo tal atitude se verificado anteriormente, tendo ele sido várias vezes advertido e suspenso, conforme se vê dos documentos que junta, confirmando seu comportamento desidioso, sendo absurdo exigir-se do empregador que mantivesse em seus quadros tal empregado.

Diz que o próprio recorrido, em seu depoimento pessoal, reconheceu as faltas, não lhe restando outra alternativa senão a de rescindir o contrato por justa causa com base no artigo 482, “e” da CLT, excluindo da condenação a gratificação natalina proporcional, férias proporcionais + 1/3, aviso prévio e sua projeção, FGTS + 40% e entrega das guias para saque do FGTS e do seguro-desemprego, bem como retificação da CTPS com relação à data de saída; (2) ao pagamento de horas extras pela jornada alegada, com base na prova oral produzida pela testemunha do recorrido, desconsiderando as guias ministeriais. Diz que a prova oral foi frágil, eis que a testemunha não trabalhava no mesmo horário do recorrido, não presenciando seu horário de trabalho, além de ter atestado que recebeu pelas dobras trabalhadas e a sentença ignorou as guias ministeriais e recibos comprovando o pagamento das horas extras. Alega que a jornada deferida se mostra humanamente impossível de cumprir, já que 3 vezes na semana trabalharia 10 horas e ainda 3 vezes na semana cumpria dobras, trabalhando 17 horas, sem intervalo, o que, se verdadeiro, o impediria de dormir, comer, descansar e ficar com sua família, sendo impossível a manutenção da condenação; (3) quanto ao intervalo intrajornada por não comprovada sua supressão, sendo que a categoria profissional do recorrido é beneficiada com carga semanal reduzida de 42 horas e o empregado goza de pequenos intervalos entre uma viagem e outra, tendo os sindicatos firmado acordos ajustando as escalas sem o gozo do intervalo ininterrupto, compensado com a concessão de pequenos intervalos entre as viagens e o pagamento de uma indenização estabelecida nas normas coletivas (7,14% sobre o salário mensal), incorporada na CCT de 2006/07, sendo que o TST reconhece a validade da cláusula no caso dos rodoviários; (4) quanto ao intervalo interjornada já que não houve infração ao art. 66 da CLT e seu não-cumprimento importaria apenas em infração administrativa; (5) ao adicional noturno porque comprovado seu pagamento nos recibos juntados, não havendo prova de insuficiência; (6) quanto à incidência das horas extras sobre o RSR pois o autor era mensalista e esse reflexo caracterizaria bis in idem, já que a carga horária se encontrava inserida no repouso semanal; (7) ao dano moral por falta de fundamento, pois em momento algum a testemunha informou ter sido o exame médico admissional constrangedor e, caso mantido, deve ser reduzida a indenização a valor compatível e justo, com correção e juros incidindo a partir da publicação da sentença; (8) à devolução de descontos porque se referiam a adiantamentos de salários na forma de “vales”, licitamente descontados.

O empregado, em recurso adesivo, diz que a sentença merece reforma quanto (1) à unicidade contratual porque há documentos que comprovam que o recorrente trabalhou sem anotação na CTPS desde 3/8/2006; (2) às diferenças salariais por ter exercido a função de motorista de microônibus, o chamado “micrão”, embora admitido como motorista júnior; (3) à multa do art. 467 e 477 da CLT porque não pagas as verbas rescisórias devidas pela extinção do pacto, tendo a ré alegado uma justa causa para criar uma suposta controvérsia em relação às verbas rescisórias; (4) à majoração do valor da indenização por danos morais para R$40.756,50, valor correspondente a 50 vezes seu salário (R$815,13) por mais justo e razoável pelo constrangimento que sofreu; (5) aos honorários advocatícios por ser indispensável a presença do advogado; (6) às contribuições previdenciárias e fiscais conforme entendimento das Súmula 368/TST e 381/TST e (7) aos danos materiais pelas despesas que antecipou e honorários advocatícios que pagou.

Contrarrazões a f. 552/554.

O Ministério Público do Trabalho pediu o prosseguimento do feito porque a hipótese não é de intervenção obrigatória nos termos da Lei Complementar nº 75/93 e porque a matéria não está no rol daquelas de que trata o ofício PRT/1ª região nº 27/08-GAB, de 5/1/2008.

É a síntese necessária.

V O T O

I  C O N H E C I M E N T O

Recursos vindos a tempo e modo. Conheço-os.

II M É R I T O

a) – RECURSO DO EMPREGADOR

§1º

JUSTA CAUSA

1 O autor se disse admitido em 3/8/06 como motorista júnior, sendo promovido em 1º/2/09 a motorista, e dispensado em 25/2/2010 quando recebia R$1.249,76 por mês. Diz que a ré não efetuou o pagamento das rescisórias a que tinha direito, nem procedeu à entrega das guias do FGTS e seguro-desemprego, o que pleiteia, com as multas dos artigos 467 e 477 da CLT. Faz os pedidos enumerados a f.12/14 e junta documentos (f.17/76). A ré se defende pelas razões de f.83/129 afirmando que o autor foi dispensado por justa causa em razão de desídia e desrespeito a normas internas da ré.

Contesta todos os pedidos e pugna pela improcedência, juntando documentos (f.136/459).

Em audiência foram interrogadas as partes (f.461/462) e ouvida uma testemunha do autor (f.485/486), encerrando-se a instrução (f.487). Julgados parcialmente procedentes os pedidos (f.488/508) foi afastada a justa casa e condenado empregador ao pagamento de aviso prévio, férias proporcionais + 1/3, 13º salários proporcionais e FGTS + 40%, bem como entrega das guias CD e SD. Inconformado recorre o empregador dizendo pelas razões de f.516/547 que a sentença merece reforma quanto à descaracterização da justa causa aplicada, com condenação ao pagamento das verbas rescisórias como se a dispensa fosse imotivada, pois restou provado que o recorrido faltou injustificadamente de 9/2/2010 a 24/2/2010, já tendo tal atitude se verificado anteriormente, tendo ele sido várias vezes advertido e suspenso, conforme se vê dos documentos que junta, confirmando seu comportamento desidioso, sendo absurdo exigir-se do empregador que mantivesse em seus quadros tal empregado. Diz que o próprio recorrido, em seu depoimento pessoal, reconheceu as faltas, não lhe restando outra alternativa senão a de rescindir o contrato por justa causa com base no artigo 482, “e” da CLT, excluindo da condenação a gratificação natalina proporcional, férias proporcionais + 1/3, aviso prévio e sua projeção, FGTS + 40% e entrega das guias para saque do FGTS e do seguro-desemprego, bem como retificação da CTPS com relação à data de saída.

2  O conceito de justa causa não é unívoco. Justa causa e falta grave são expressões heterônimas que o bulício do foro costuma misturar. Toda rescisão de contrato por justa causa pressupõe necessariamente uma falta grave para a informar mas nem toda falta grave basta para permitir uma rescisão de contrato por justa causa. A expressão “causa” não tem sentido jurídico, mas popular, e “justa” ou “injusta” será a conseqüência do despedimento e não a própria razão para a dispensa do empregado1 . Justa causa é o efeito que decorre de um ato ilícito do empregado ou do patrão quando violam obrigação legal ou contratual2 . Da mesma forma, “falta grave”. O juiz, ao examinar casos de dispensa por falta grave, analisa a questão objetiva e subjetivamente. Objetivamente, leva em conta as circunstâncias e os fatos envolvidos na prática da falta, como o local e o momento da falta; subjetivamente, leva em consideração a personalidade do empregado, os seus antecedentes funcionais, o tempo de casa, sua cultura, o grau de discernimento sobre a falta e suas conseqüências. Os elementos objetivos dão ao juiz a intensidade da falta; os subjetivos mostram até que ponto a confiança que une patrão e empregado foi abalada. “Justa causa” é, pois, um conceito ambíguo, subjetivo e volátil. O que é justo para uns pode não ser para outros.

Nesse sentido, BORTOLOTTO3, verbis:

A avaliação da falta deve ser feita subjetiva e objetivamente. Do ponto de vista subjetivo, uma falta pode ser grave, mas pode, em relação aos méritos particulares do empregado e com uma prestação longa, laboriosa e honesta, perder o seu caráter de gravidade. Ao contrário, a falta pode não ser grave, mas, posta em relação com a conduta irrespeitosa e descuidada do dependente, pode assumir particular aspecto de gravidade. Sempre do ponto de vista subjetivo, a falta deve ser voluntária, deve depender do fato consciente de seu autor, e constituir uma violação dos princípios e das normas sob as quais se funda a relação de trabalho. Também tem importância a consideração objetiva da justa causa. Uma falta, que pode ser de natureza leve, se cometida em outro ambiente, pode tornar-se gravíssima. Por exemplo, o empregado que fuma, durante o trabalho, malgrado as proibições regulamentares, comete falta de pouca monta numa oficina de marmoaria; entretanto pode tal ocorrência tornar-se gravíssima, se passada num laboratório de gás ou de produtos químicos“.

3 Para DORVAL LACERDA, “… o ato faltoso está para o Direito do Trabalho assim como o crime está para o Direito Penal. Direi mesmo, forçando a expressão, que tal ato faltoso é o crime no contrato de trabalho”. Noutro tanto5, ensina que “..na verdade, não há dúvida que o contrato de trabalho repousa, pelo menos teoricamente, na confiança recíproca; como também é verdadeiro que o ato faltoso importa, pelo menos em princípio, na perda dessa mesma confiança”. Para BORTOLOTTO, “… só haverá ato faltoso bastante para justificar a rescisão quando se verificar uma violação, de tal modo grave, que impeça a continuação, mesmo provisória, da relação de trabalho”, ao que se opõe, BARASSI, argumentando que “… é un criterio troppo vago, perchè troppo soggettivo e variabile, e sopratutto (dobbiamo ora riconoscerlo, benchè un tempo noi l’abbiamo propugnato) insuficiente”.

4 Conquanto não se ponha ao julgador a possibilidade de quantificar a pena, impõe-se-lhe, antes de concluir pela existência ou não de justa causa para a dispensa, responder a estas três perguntas:

1ª) houve a falta que se imputa ao empregado ?

2ª) há nexo etiológico entre a falta e aquele que se quer seu autor ?

3ª) é tal falta de tal modo grave que impeça a continuação, mesmo provisória, da relação de emprego ?

5 Em suma, há justa causa para o desfazimento do contrato de trabalho quando o empregado ou o patrão comete uma falta de tal modo grave que impede a continuação da relação de emprego pela perda imediata e irreversível da confiança (fidúcia).

6 São três os requisitos da justa causa9: gravidade da falta, atualidade e relação de causalidade (nexo etiológico) entre a falta e o motivo para a dispensa. Para haver justa causa para a dispensa do empregado é preciso que a falta seja grave de modo a tornar impossível a continuação do contrato de trabalho pela perda imediata e irreversível da confiança entre as partes. É preciso, também, que essa falta seja atual. Se o contrato de trabalho sobreviveu ao ato faltoso, a confiança entre patrão e empregado não chegou a ser abalada e a falta, do ponto de vista jurídico, não foi grave.

Entende-se que se o patrão tolerou a continuação do contrato de trabalho, após a prática da falta, renunciou ao seu direito potestativo de resilir. Apura-se a atualidade da falta a partir do momento em que, no âmbito doméstico, aquele que tiver poderes para punir tomar conhecimento do ato faltoso, e não, necessariamente, do momento em que a falta foi cometida . A doutrina exige uma relação de causa e efeito, ou nexo etiológico, entre a falta e a rescisão do contrato de trabalho, isto é, a rescisão do contrato de trabalho, por justa causa, deve ter por fundamento a prática de determinada falta considerada grave.

Noutras palavras: a falta grave imputada ao empregado deve ser a causa determinante da decisão do patrão de pôr fim ao contrato de trabalho. Se o empregado vem praticando uma série de faltas graves, suficientes para a terminação do contrato de trabalho, a atualidade será aferida a partir do conhecimento da última. Parte da doutrina exige ainda imediatidade ou imediação na punição. Entende que a falta deve ser punida imediatamente, sob pena de presumir-se que a inação do patrão se deu porque a falta não tinha gravidade e por isso se permitiu a sobrevivência do contrato de trabalho. Isso é um erro. O tempo decorrente entre a prática da falta e sua punição pode variar de caso a caso e não serve de elemento para a descaracterização da justa causa ou para a aferição da gravidade da falta. A lei não diz até que ponto há imediatidade e a partir de que momento já não há. Tudo depende do tipo de falta, da repercussão dos seus efeitos na confiança que atrela o patrão ao empregado e do grau de organização dos serviços. A punição não pode ficar além nem aquém da gravidade da falta. A desproporção entre a punição aplicada e a gravidade da falta é ruim por dois modos: se a punição é maior do que a gravidade da falta, pode configurar rigor excessivo; se é menor, pode configurar uma perigosa camaradagem. No primeiro caso, exagerando no direito de punir, o patrão sai da sua razão e pode ser obrigado a reparar o dano, inclusive moral. No segundo, pode passar a fama de relapso com os desmandos da criadagem e gerar insatisfação ou indisciplina entre os serviçais. O juiz, por sua vez, não pode dosar a pena. Se entender que tal e qual punição é excessiva, não pode reduzi-la ao limite que entender razoável, mas cancelá-la. Da mesma forma, não pode agravá-la se entender que o patrão foi condescendente. Não pode haver duas ou mais punições pela mesma falta. Se determinada falta cometida pelo empregado já foi punida de outra forma que não a dispensa motivada (por exemplo, com suspensão ou advertência) , não pode mais servir de fundamento para a dispensa por justa causa. Se houver mais de uma penalidade pela mesma falta, a segunda será anulada pelo juiz. Se o patrão aplicar ao empregado uma justa causa, e depois arrepender-se, modificando a rescisão para dispensa sem justa causa, suspensão ou advertência, por exemplo, poderá fazê-lo apenas se o empregado com isso concordar. Não concordando, prevalece a primeira motivação (justa causa).

7 A recorrente enquadrou a conduta do recorrido na alínea “e” do art. 482 da CLT. Desídia é negligência, incúria, falta de cuidado, desatenção, desleixo, desmazelo, desinteresse. É uma falta culposa e não dolosa. Há três tipos de culpa: negligência, imprudência e imperícia. Só os dois primeiros (negligência e imprudência) caracterizam desídia no processo do trabalho. Negligência é falta de atenção no momento próprio. Imprudência é atuação temporã, impensada. Imperícia é a inaptidão do empregado para certas tarefas e isso independe de sua vontade. Pode configurar-se, também, pela má aplicação dos conhecimentos que se possui. Se a desídia for efetivamente desejada pelo empregado, haverá dolo, e a falta deixa de ser desídia para ser improbidade. Em regra, a desídia é fruto da soma de vários atos seqüenciais que denotam o perfil ou a intenção do empregado20 (impontualidade, faltas injustificadas ao serviço, desmazelo pessoal ou com as coisas da casa, serviço mal-feito, refeições preparadas sem higiene ou condimento adequado etc) mas pode se configurar pela prática de um só ato, desde que grave. A doutrina entende que todas as faltas anteriores, por desídia, devem ser punidas, ainda que mediante simples advertências verbais, sob pena de se presumir que não eram graves ou foram toleradas pelo patrão.

Não é preciso que haja um escalonamento na punição (primeiro, advertência verbal, depois, escrita, em seguida, suspensão de um dia, dois ou três e, por fim, dispensa) mas é fundamental que cada falta, por menor que seja, tenha sido observada e reprimida. Na configuração da desídia como motivo determinante da resolução do contrato as faltas anteriores não se somam para aumentar a gravidade da última, mas são necessárias para desenhar ao juiz um perfil do empregado e para demonstrar, se preciso, a sua culpa. Assim como nos demais casos, as punições devem ser proporcionais à gravidade da falta, deve haver imediatidade na punição e a última falta cometida pelo empregado deve ser a causa determinante da decisão do patrão de romper o contrato (nexo etiológico entre a falta e a decisão de desfazer o vínculo). A desídia pode ocorrer no local de trabalho ou fora dele, mas sempre em função das atividades do empregado. A desídia do empregado no trato das suas obrigações pessoais não é da conta do patrão.

8 A recorrente diz que dispensou por justa causa o empregado, motorista de ônibus, por desídia, pois faltou injustificadamente de 9/2/2010 a 24/2/2010, já tendo tal atitude se verificado anteriormente, tendo ele sido várias vezes advertido e suspenso, conforme se vê dos documentos que junta. Tem razão. Os documentos de f.158 e seguintes demonstram que o recorrido foi advertido por diversas vezes por ausência injustificada em 13/5/09 (f.159), por faltar reunião em 2/10/09 (f.161), por trafegar fora do itinerário em 7/10/09 (f.162), sendo suspenso em razão de acidente de trânsito ocorrido em 14/8/08 (f.163), ausência injustificada em 5/10/09 (f.164), em 9/11/09 (f.165) e 18/1/09 (f.166), sendo que não há atestados médicos que as justifiquem (f.167/178). Os documentos de f.179/196 demonstram ainda inúmeras irregularidades cometidas ao longo do ano de 2008, como utilização do celular ao volante, avanço de sinal, não utilização de uniforme, direção perigosa etc. Ao longo do ano de 2009 e janeiro/2010 também praticou várias irregularidades, como avanço de sinal, direção perigosa, utilização de fone de ouvido, percurso realizado fora do itinerário, utilização de celular ao volante, sair com a marcha em segunda etc. Muitas dessas irregularidades foram punidas com advertência ou suspensão, justificando plenamente a justa causa aplicada para a dispensa em fevereiro/2010, uma vez que as reiteradas faltas cometidas foram se acumulando, culminando com as faltas injustificadas de 9/2/2010 a 24/2/2010 que terminaram por impedir a continuação da relação de emprego pela perda irreversível da confiança. Apelo provido informar a sentença e reconhecer a justa causa para a dispensa, excluindo da condenação o pagamento de aviso prévio, férias proporcionais + 1/3, 13º salário proporcional, indenização de 40% do FGTS, retificação da data de baixa na CTPS em razão de projeção do aviso prévio e entrega das guias do FGTS e seguro-desemprego.

§2º

HORAS EXTRAS

9 Diz o autor que a jornada do rodoviário é de 42 horas semanais, geralmente cumprida por 7 horas em 6 dias da semana, conforme cláusula 2ª das normas coletivas. Alega que sua jornada era, em média, de 4h às 14h30min, gozando de 1 folga corrida após o 7º dia de trabalho, dobrando no serviço cerca de 3 vezes por semana, quando então trabalhava de 4h às 21h, assinando nessas ocasiões 2 guias ministeriais. Diz ainda que as guias não registram o correto horário trabalhado, vez que tinha de se apresentar com 1h de antecedência para verificar o coletivo, gastando mais 40min ao final da jornada para recolher o coletivo e 50min prestando conta da féria, períodos já embutidos no horário alegado (4h às 14h30min e 4h às 21h nas dobras). Diz que por diversas vezes era obrigado a assinar uma guia ministerial em branco, chamada “guia de folga”, muito embora trabalhasse normalmente, impugnando a marcação das guias ministeriais. A ré se defende afirmando que ao longo do contrato a jornada de trabalho do autor variou, cumprindo diversos horários, sempre respeitada a jornada semanal da categoria, sendo de 4h40min às 10h ou 5h30min às 12h30min nas linhas 745 ou 790, com 1h de intervalo intrajornada de forma fracionada e uma folga semanal, preferencialmente aos domingos. Diz que nos casos em que houve prorrogação, as horas extras prestadas foram pagas ou compensadas, conforme previsão na cláusula 5ª do contrato de trabalho, pugnando pela improcedência, negando a existência da “guia de folga” e os horários apontados como antecedência para a chegada e prestação de contas. Julgado parcialmente procedente o pedido (f.495/497) recorre a ré dizendo que a sentença merece reforma quanto ao pagamento de horas extras pela jornada alegada, com base na prova oral produzida pela testemunha do recorrido, desconsiderando as guias ministeriais. Diz que a prova oral foi frágil, eis que a testemunha não trabalhava no mesmo horário do recorrido, não presenciando seu horário de trabalho, além de ter atestado que recebeu pelas dobras trabalhadas, e a sentença ignorou as guias ministeriais e recibos comprovando o pagamento das horas extras. Alega que a jornada deferida se mostra humanamente impossível de cumprir, já que 3 vezes na semana trabalharia 10 horas e ainda 3 vezes na semana cumpria dobras, trabalhando 17 horas, sem intervalo, o que, se verdadeiro, o impediria de dormir, comer, descansar e ficar com sua família, sendo impossível a manutenção da condenação.

10 Vejamos as provas. A testemunha do autor, A., informou: “…que tinha de chegar uma hora antes do horário que o ônibus estava previsto para sair; que a guia ministerial, todavia, só era preenchida quando o ônibus saía do ponto final para iniciar as atividades; que ao iniciar as atividades na ré ia para a garagem para vistoriar o ônibus em que ia trabalhar para verificar se havia alguma avaria e aguardava a liberação do ônibus para ir até o ponto final; que no ponto final o ônibus saía para realizar as viagens; que apenas no ponto final as guias eram preenchidas como horário de início de jornada; que o fechamento da guia ocorria no ponto final; que após deixar o ônibus no ponto final, os motoristas iam até a garagem para prestação de contas que durava, em média, 50/60 minutos; …que o ponto final ficava em Campo Grande e que a prestação de contas era em Bangu; que para se deslocar de Campo Grande até Bangu levava de 40 a 50 minutos e que a prestação de contas durava o mesmo tempo; que encontrava com o reclamante em horários variados, chegando a encontrar na prestação de contas por volta das 20h30min/21h; …que o reclamante dirigia a linha 790 que tinha cobrador; que o motorista apenas prestava contas em ônibus que não tinha cobrador; que na maior parte das vezes que encontrou o reclamante, estava trabalhando no micrão, mas não sabe precisar o período; que nas guias ministeriais, a rubrica “horário de entrada” quer dizer horário que saía da garagem; que na guia ministerial, a rubrica “início de trabalho” significa o horário em que começa a rodar no ponto final; que a diferença constante no horário indicado entre horário de entrada e “início de trabalho” era o tempo necessário para liberação do carro pelo despachante e transcurso do carro até o ponto final” (f.485/486). Ora, do confronto do depoimento da testemunha com as guias ministeriais (f.249/459), verifica-se que o trajeto garagem/ponto final era realizado em 15min, aproximadamente, conforme horários indicados nos espaços das guias denominados de início de trabalho e horário de entrada.

Assim, com base na prova testemunhal está comprovado que o autor iniciava sua jornada 1h antes do horário indicado nas guias como horário de entrada por necessário vistoriar o carro na garagem, que o autor dirigiu ônibus com e sem cobrador, que a prestação de contas ocorria na garagem quando lotado em ônibus sem cobrador, que quando prestava contas não eram computados nas guias ministeriais o tempo despendido no trajeto ponto final/garagem, em média de 15min, e a prestação de contas, em média 40min, sendo que quando dirigia ônibus sem cobrador encerrava suas atividades no ponto final. Ora, como A. não soube precisar as ocasiões em que o recorrido dirigia ônibus com e sem cobrador, para fins de fixação da jornada, considerou o Juízo que o autor na primeira metade do lapso contratual trabalhou em ônibus com cobrador e na segunda metade sem cobrador e, considerando que a jornada admitida na defesa e indicada nas guias ministeriais já demonstram trabalho no limite máximo semanal, deferiu 1h extra diária na primeira metade do lapso contratual e 1h55min na segunda, com o adicional convencional ou, na sua falta, o legal, o que está absolutamente correto e de acordo com a prova dos autos. Por habituais, são devidos os reflexos nos RSR e férias + 1/3, 13º salários, FGTS + 40% e aviso prévio. Quanto às dobras disse A.: “que realizava dobras; que nessas ocasiões era aberta nova guia; …que realizava por semana 2 dobras; que o reclamante também realizava dobras; …que o reclamante realizava em média 3 dobras por semana; …que se encontravam quando o reclamante estava realizando dobras; …que só encontrava o reclamante quando ele estava dobrando, já que estavam lotados em horários diversos; …que as dobras vinham em seu contracheque sob a rubrica “horas de trabalho” (f.485/486). Da análise das guias ministeriais verifica-se que o autor cumpria horário fixo no turno da manhã e em face da prova testemunhal, como A. estava lotado no turno da tarde, que se encontravam quando o autor estava dobrando, que quando das dobras era aberta nova guia ministerial que, por esta razão, são imprestáveis (guias ministeriais) quanto à existência de dobras. Assim, considerou o Juízo que diante do depoimento de A., o autor realizava dobras 3 vezes por semana, trabalhando nesses dias mais 7 horas, acrescendo à condenação 7h diárias em 3 dias na semana, que serão pagas como extras, com o adicional convencional e reflexos nas verbas do contrato e do distrato, deduzidas as pagas sob a rubrica “horas de trabalho”, o que está correto e de acordo com a prova dos autos.

Não tem razão a recorrente quando afirma que a sentença ignorou as guias ministeriais e recibos comprovando o pagamento das horas extras, pois as guias foram devidamente examinadas e levadas em consideração, exceto quanto às dobras, já que era aberta nova guia nessas ocasiões, além do que foi determinada a dedução de todos os valores pagos por idênticos títulos, a fim de evitar o enriquecimento sem causa do autor (f.508). A recorrente poderia ter trazido testemunhas para comprovar os termos da defesa e colaborar com o Juízo na apuração da verdade, o que não fez, não cabendo vir em sede de recurso alegar que o horário deferido é impossível de cumprir, já que deferido de acordo com a prova colhida. Apelo improvido.

§3º

INTERVALO INTRAJORNADA

11 O autor diz que não usufruiu do intervalo intrajornada de 1 hora ao longo do contrato de trabalho. A ré contesta afirmando que o autor cumpria jornada reduzida de 7h diárias e 42 semanais, com supressão do intervalo conforme previsão em acordos coletivos e, em razão da supressão, os empregados recebiam indenização mensal.

Julgado procedente o pedido (f.500/503) recorre a ré pleiteando a reforma da sentença quanto ao intervalo intrajornada por não comprovada sua supressão, sendo que a categoria profissional do recorrido é beneficiada com carga semanal reduzida de 42 horas e o empregado goza de pequenos intervalos entre uma viagem e outra, tendo os sindicatos firmado acordos ajustando as escalas sem o gozo do intervalo ininterrupto, compensado com a concessão de pequenos intervalos entre as viagens e o pagamento de uma indenização estabelecida nas normas coletivas (7,14% sobre o salário mensal), incorporada na CCT de 2006/07, sendo que o TST reconhece a validade da cláusula no caso dos rodoviários.

12 Quanto aos intervalos intrajornada a recorrente não tem razão, uma vez que a carga horária do recorrido era habitualmente majorada, o que lhe retira o amparo na norma coletiva que negocia o intervalo, bem como na OJ 342, II da SDI-I do TST que também condiciona a validade da cláusula da CCT que reduz o intervalo à garantia de obediência à jornada de 7h diárias e 42h semanais, não prorrogada, concedidos intervalos menores entre as viagens não descontados da jornada, o que efetivamente não é o caso dos autos. Correta a sentença que deferiu o pagamento de hora extra pelo intervalo não usufruído integralmente e seus reflexos, uma vez que a carga horária semanal era habitualmente majorada. Apelo improvido.

§4º

INTERVALO INTERJORNADA

13 Diz o autor que o intervalo interjornada de 11 horas, previsto no art. 66 da CLT, era desrespeitado nos dias em que trabalhava em regime de dobra.

Julgado parcialmente procedente o pedido (f.498/499) recorre a ré requerendo a reforma da sentença quanto ao intervalo interjornada já que não houve infração ao art. 66 da CLT e seu não-cumprimento importaria apenas em infração administrativa.

14 Sem razão. Como se verifica de f.270, por amostragem, nas ocasiões em que o autor trabalhou em regime de dobra, deixou a ré por volta de 20h e no dia seguinte iniciou sua jornada às 5h20min, já que o início da jornada ocorria 1h antes do horário aposto no local indicado como sendo de “início de trabalho” nas guias ministeriais, como já visto supra. Logo, o intervalo interjornada de 11 horas era de fato desrespeitado, como afirmado pelo empregado. Ora, o entendimento de que tal inobservância importaria apenas em infração administrativa não subsiste mais, sendo a Súmula 88 cancelada pelo TST, que editou a de nº 100/TST em sentido contrário, isto é, para que a hora suprimida do repouso fosse remunerada como hora extra. Tal pagamento não tem por objetivo retribuir “trabalho”, mas, sim, indenizar a ausência ou redução do intervalo para repouso previsto no art. 66 da CLT. Por fim, a jurisprudência cristalizada na OJ nº 355 do TST pôs uma pá de cal sobre o assunto: “O desrespeito ao intervalo mínimo interjornadas previsto no art. 66 da CLT acarreta, por analogia, os mesmos efeitos previstos no §4º do art. 71 da CLT e na Súmula nº 110 do TST, devendo-se pagar a integralidade das horas que foram subtraídas do intervalo, acrescidas do respectivo adicional”. Logo é devido o pagamento das horas subtraídas do intervalo de 11 horas entre jornadas, como deferido na sentença (f.499), que fica mantida no ponto. Apelo improvido.

§5º

ADICIONAL NOTURNO

15 O autor disse que o adicional noturno não era pago corretamente, requerendo o pagamento de diferenças. Julgado parcialmente procedente o pedido (f.499/500) recorre a ré quanto ao adicional noturno porque comprovado seu pagamento nos recibos juntados, não havendo prova de insuficiência.

16 Sem razão. Como fundamentado no item 10 supra, nas vezes em que as guias ministeriais indicam o início do trabalho às 5h25min, como a f.372, por exemplo, sabe-se que o início de fato ocorria uma hora antes, como comprovado pela testemunha ouvida. Assim nas inúmeras vezes em que o início se deu antes de 5h nas guias ministeriais, considerado como de fato 4h da manhã, é devido o adicional noturno.

Logo, correta a sentença que o deferiu a partir do cotejo das guias ministeriais com a prova oral, exatamente como posto a f.499/500. Apelo improvido.

§6º

HORAS EXTRAS SOBRE RSR

17 Requer a recorrente a reforma da sentença quanto à incidência das

horas extras sobre o RSR pois o autor era mensalista e esse reflexo caracterizaria bis in idem, já que a carga horária se encontrava inserida no repouso semanal.

18 Sem razão. É que, segundo a CLT, o valor que serve ao cálculo das indenizações do contrato de trabalho é a maior remuneração recebida pelo empregado na empresa, ainda que não seja a última. Como regra as quantias habitualmente pagas ao empregado integram o salário para todos os fins. Por lei o valor equivalente a 1/6 das horas extras prestadas no correr da semana integra-se ao salário para cálculo do DSR. Por lei e por construção jurisprudencial, o valor dos DSR pagos habitualmente deve ser somado ao valor do salário para cálculos indenizatórios (férias e trezenos, entre outros) e do FGTS. O DSR é um direito de qualquer empregado e equivale ao valor de um dia de trabalho, acrescido das horas extras. O salário mensal quita 220 horas, ou 7h30min por dia (30 x 7h30min) e, nessas 220 horas, estão embutidas, em média, 29h20min, ou 4 DSR (7h30min x 4 =). O pagamento desses 4 DSR já vem embutido no salário mensal por força de lei. Fixemos, portanto, estas premissas: as horas extras habitualmente prestadas na semana repercutem nos DSR; os DSR repercutem na remuneração porque compõem o salário; as verbas rescisórias e o FGTS devem ser calculadas com base na maior remuneração do empregado, e esta é composta do salário + DSR. Logo, tem direito o recorrido ao pagamento de diferenças de 13º salários, aviso prévio, férias + 1/3 e FGTS + 40% pela repercussão dos RSR integrados das horas extras. Correta a sentença no ponto. Apelo improvido.

§7º

DANO MORAL

19 Diz o autor que quando de sua admissão foi obrigado a se submeter a exame físico minucioso de inspeção anal “coletivo” para verificar a existência de hemorróidas. Caso fosse constatada a propensão ou existência da doença, o candidato não seria admitido, caso recusasse o exame, não haveria contratação. Diz que foi exposto ao ridículo, sentindo-se constrangido e humilhado, tendo sua dignidade como pessoa humana violado, pleiteando indenização por dano moral no valor de 100 salários seus. Julgado parcialmente procedente o pedido (f.503/504) foi arbitrada indenização no valor de 3 salários do autor (f.504). Inconformada, a recorrente requer a reforma da sentença quanto ao dano moral por falta de fundamento, pois em momento algum a testemunha informou ter sido o exame médico admissional constrangedor e, caso mantida, deve ser reduzida a indenização a valor compatível e justo, com correção e juros incidindo a partir da publicação da sentença.

20 Dano moral – a lição é de Savatier – é qualquer sofrimento que não seja causado por uma perda pecuniária. É a “penosa sensação de ofensa, na humilhação perante terceiros, na dor sofrida, enfim, nos efeitos puramente psíquicos e sensoriais experimentados pela vítima do dano, em consequência deste, seja provocada pela recordação do defeito da lesão, quando não tenha deixado resíduo mais concreto, seja pela atitude de repugnância ou de reação ao ridículo tomada pelas pessoas que o defrontam”. Como regra, todo aquele que causar prejuízo a outrem deve indenizá-lo (neminem laedere). Na responsabilidade civil, a vítima tem de provar a ação ou a omissão culposa do agressor, o nexo de causalidade e o dano. Na responsabilidade civil do empregador por dano moral, o empregado somente tem de provar o fato e o nexo de causalidade. Não se exige prova do dano (prejuízo concreto) porque a sequela moral é subjetiva.O dano moral existe in re ipsa, isto é, deriva do próprio fato ofensivo, de tal sorte que, provada a ocorrência do fato lesivo, a sequela moral aflora como presunção hominis (ou facti) que decorre das regras da experiência comum, daquilo que ordinariamente acontece. Provados, pois, o fato e o nexo causal, a dor moral é presumível, pois liga-se à esfera íntima da personalidade da vítima e somente ela é capaz de avaliar a extensão de sua dor. Na dúvida, o juiz deve valer-se do princípio in dubio pro creditoris, isto é, “na dúvida, a atenção do julgador deve voltar-se para a vítima”. É claro que nem todo sofrimento, dissabor ou chateação em razão de uma ofensa tipifica dano moral. É necessário que a agressão extrapole os aborrecimentos normais de tantos quantos vivem em coletividade. O que se pode entender por “aborrecimentos normais” é também casuístico e depende de uma avaliação objetiva e subjetiva que somente o juiz pode fazer diante do caso concreto. A doutrina recomenda que, na avaliação de situações de fato onde se pede reparação moral, o juiz siga a lógica do razoável, isto é, que tome por paradigma o meio-termo entre o homem frio e insensível e o homem extremamente sensível. Neste caso há prova dos fatos e do nexo causal, como confirmado pela testemunha A.: “…que para entrar na ré realizou exame admissional, no qual o médico verificava sua pressão e se possuía hemorróidas; que o exame de hemorróidas foi feito na sala do médico, na presença de mais outros 2 funcionários da reclamada…que fez o exame médico acima indicado com o reclamante” (f.485/486). Tal fato demonstra que a recorrente agiu fora de seus poderes diretivos pois, em que pese valer-se de direito previsto em lei, qual seja, realizar exame médico admissional, constrangeu o recorrido ao realizá-lo coletivamente para detecção de hemorróidas, violando sua dignidade. Assim, estão presentes os requisitos que autorizam o acolhimento do pedido.

21 A indenização mede-se pela extensão do dano, mas, se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, o juiz pode reduzir, equitativamente, o valor da indenização. Como essa adequação equitativa refere-se a graus de culpa, a regra do parágrafo único do art.944 do Código Civil somente se aplica aos casos de responsabilidade subjetiva, porque, nos demais, a responsabilidade é objetiva e prescinde da culpa. A doutrina faz crítica severa a essa possibilidade de diminuição, pelo juiz, porque se indenizar é repor a vítima ao statu quo ante, indenizar pela metade é responsabilizar a vítima pelo resto. A natureza jurídica da quantia em dinheiro que se pede por lesão moral é compensatória, e não indenizatória. A locução indenizar provém de in + damnum, isto é, sem dano, o que implicaria tornar as coisas ao exato ponto em que estavam se a lesão não tivesse ocorrido. Como na lesão moral isso não é possível, o juiz arbitra uma quantia que possa, ao mesmo tempo, compensar a dor moral da vítima e desestimular o agressor de reincidir na conduta lesiva. Não pode ser restitutio in integrum (restituição integral, indenização pelo todo) pela só-razão de que não se pode conhecer, exatamente, a extensão do dano, nem de pretium doloris (preço da dor) porque dor não se paga em dinheiro, mas a de um conforto material que não seja exorbitante a ponto de constituir-se em lucro capiendo (captação de lucro) nem minguado a ponto de deixar na vítima e no agressor a sensação de impunidade. De fato, ao fixá-la, o juiz deve ater-se ao princípio de que o dano não pode ser fonte de lucro. Essa soma compensatória que se arbitra em favor da vítima do dano moral tem caráter marcadamente punitivo, conquanto parte da doutrina o negue. Postas as premissas de que a quantia estipulada para a lesão moral tem, sob a óptica da vítima, natureza compensatória, e pedagógica, preventiva e punitiva, sob a óptica do ofensor, e que deve ser fixada pelo juiz com prudência, de modo a que não se constitua em fonte de lucro para o lesado nem de empobrecimento desnecessário do causador do dano, a doutrina sinaliza com os seguintes parâmetros aleatórios (conteúdos abertos) para a estimação da reparação:

“a) – evitar indenização simbólica e enriquecimento sem justa causa, ilícito ou injusto da vítima. A indenização não poderá ter valor superior ao dano, nem deverá subordinar-se à situação de penúria do lesado; nem poderá conceder a uma vítima rica uma indenização inferior ao prejuízo sofrido, alegando que sua fortuna permitiria suportar o excedente do menoscabo;

b) – não aceitar tarifação, porque esta requer despersonalização e desumanização, e evitar porcentagem do dano patrimonial;

c) – diferenciar o montante indenizatório segundo a gravidade, a extensão e a natureza da lesão;

d) – verificar a repercussão pública provocada pelo fato lesivo e as circunstâncias fáticas;

e) – atentar às peculiaridades do caso e ao caráter antisocial da conduta lesiva;

f) – averiguar não só os benefícios obtidos pelo lesante com o ilícito, mas também a sua ulterior e situação econômica;

g) – apurar o real valor do prejuízo sofrido pela vítima;

h) – levar em conta o contexto econômico do país, No Brasil não haverá lugar para fixação de indenização de grande porte, como as vistas nos Estados Unidos;

i) – verificar a intensidade do dolo ou o grau de culpa do lesante (CC, art.944, parágrafo único);

j) – basear-se em prova firme e convincente do dano;

l) – analisar a pessoa do lesado, considerando a intensidade de seu sofrimento, seus princípios religiosos, sua posição social ou política, sua condição profissional e seu grau de educação e cultura;

particulares do caso sub judice (LICC,art.5º), buscando sempre, com cautela e prudência objetiva, a equidade”.

22 – Pondero mais o seguinte: considerando que o autor trabalhou na ré por quase 3 anos (17/4/2007 a 25/2/2010) mas realizou o exame vexatório apenas uma vez, por ocasião da admissão, considerando ainda que a realização desse exame era condição para admissão, correta a sentença ao arbitrar a indenização em 3 salários do empregado. Quanto à atualização monetária e juros referentes a essa indenização, a sentença de embargos de declaração (f.512) já deferiu a atualização monetária a partir do trânsito em julgado da sentença, sendo os juros de 1% ao mês contados do ajuizamento da ação, o que está correto. Apelo improvido.

§8º

DEVOLUÇÃO DE DESCONTOS

23 Diz o autor que sofria descontos por faltas inexistentes e fatos que lhe eram imputados injustamente, inclusive em relação a avarias, afirmando que em algumas oportunidades não foi o causador do acidente e, em outras, não teve culpa.

Julgado procedente o pedido (f.505/506) recorre a ré, requerendo a reforma da sentença quanto à devolução de descontos porque se referiam a adiantamentos de salários na forma de “vales”, licitamente descontados.

24 Sem razão. Conforme se viu do depoimento de A.: “…que sofreu descontos em seu contracheque a título de vales; que esses descontos eram realizados em razão de avarias no carro; que tais descontos eram indicados no contracheque com a rubrica “vale”; que eram obrigados a assinar documento que indicava adiantamento salarial correspondente aos vales; que a empresa permitia que os motoristas colocassem na guia as avarias já existentes no ônibus, mas se o funcionário responsável pela vistoria do ônibus não assinasse, eram descontados; que se os vales não fossem assinados, eram impedidos de trabalhar, com descontos de 2 dias; que os descontos eram realizados independente de processo para averiguar se os motoristas concorreram para a ocorrência das avarias” (f.485/486). Ora, o art. 462 da CLT veda que os empregados sofram descontos salariais, a menos que seja comprovado dolo ou, havendo previsão expressa em contrato, culpa do empregado, e o art. 2º da CLT impede que o empregador repasse aos empregados os riscos do negócio. Como demonstra a prova testemunhal, os descontos realizados não respeitavam essas regras, sendo aplicados genericamente, independentemente de comprovação de dolo ou culpa. Logo, correta a sentença que os considerou abusivos e determinou a devolução das quantias descontadas a título de “vales”, como se apurar nos recibos juntados pela recorrente. Apelo improvido.

b) – RECURSO ADESIVO DO EMPREGADO

§1º

UNICIDADE CONTRATUAL

1 O autor se disse admitido em 3/8/06 como motorista júnior, sendo promovido em 1º/2/09 a motorista, e dispensado em 25/2/2010 quando recebia R$1.249,76 por mês. Diz que a ré não efetuou o registro em sua CTPS, somente o fazendo em 17/4/2007, pleiteando a retificação e o reconhecimento da relação de emprego no período sem anotação, com pagamento de 13º e férias proporcionais e FGTS + 40%. A ré se defende negando o fato. Afirma que a admissão se deu em 17/4/07, como anotado em sua CTPS, pugnando pela improcedência. Julgado improcedente o pedido (f.494) recorre o empregado, em recurso adesivo, dizendo que a sentença merece reforma quanto à unicidade contratual porque há documentos que comprovam que o recorrente trabalhou sem anotação na CTPS desde 3/8/2006.

2 Sem razão. Não há prova de início da relação empregatícia em 3/8/06. A testemunha que trouxe, A., informou: “que trabalhou dois anos para a ré, iniciando seu contrato no final de 2007; …que depoente e reclamante começaram a trabalhar concomitantemente na reclamada; …que começou a trabalhar no final de 2007/início de 2008” (f.485/486). Como o registro do início do contrato na CTPS data de 17/4/07, reputa-se correto. Mantida a sentença no ponto. Apelo improvido.

§2º

DIFERENÇAS SALARIAIS

3 Diz o autor que desde o início da prestação de serviços dirigiu ônibus grandes/convencionais, embora recebendo salário inerente ao de motorista de ônibus pequenos, como motorista júnior, pleiteando o pagamento de diferenças salariais. A ré nega, afirmando que o autor foi admitido como motorista júnior, realizando as tarefas dessa função, somente sendo promovido a motorista em fevereiro/09, quando passou a dirigir ônibus grandes. Julgado improcedente o pedido (f.495) recorre o autor pleiteando a reforma da sentença quanto às diferenças salariais por ter exercido a função de motorista de microônibus, o chamado “micrão”, desde o início do contrato, embora admitido como motorista júnior.

4 Sem razão. O recorrente não se desincumbiu de provar o fato constitutivo do direito que alega, pois a testemunha que trouxe, A., declarou: “…que chegou a trabalhar junto com o reclamante; que também exercia a função de motorista; que dirigiu ônibus com e sem cobrador; que nas ocasiões em que encontrou com o reclamante, o mesmo trabalhava em ônibus sem cobrador; que trabalhou na mesma linha do reclamante (790) por aproximadamente 1 ano; …que o ônibus convencional é maior que o micrão e apenas o convencional tem cobrador; …que na maior parte das vezes que encontrou o reclamante, estava trabalhando no micrão, mas não sabe precisar o período” (f.485/486).

Logo, correta a sentença que julgou improcedente o pedido. Apelo improvido.

§3º

MULTA DO ART. 467 E 477 DA CLT

5 O recorrente requer a reforma da sentença quanto à multa do art. 467 e 477 da CLT porque não pagas as verbas rescisórias devidas pela extinção do pacto, tendo a ré alegado uma justa causa para criar uma suposta controvérsia em relação às verbas rescisórias.

6 Sem razão. Como já visto supra (§1º do recurso da ré), a justa causa para a dispensa foi mantida, inexistindo verbas rescisórias incontroversas não pagas.

Logo, correta a sentença que indeferiu o pagamento das multas dos artigos 467 e 477 da CLT. Apelo improvido.

§4º

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS

7 Requer ainda o recorrente a reforma da sentença quanto à majoração do valor da indenização por danos morais para R$40.756,50, valor correspondente a 50 vezes seu salário (R$815,13) por mais justo e razoável pelo constrangimento que sofreu.

8 Sem razão. Como já fundamentado supra (§7º do recurso do empregador), a sentença foi mantida quanto ao valor da indenização por danos morais.

Apelo improvido.

§5º

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

9 Pleiteia também o empregado a reforma da sentença quanto aos honorários advocatícios por ser indispensável a presença do advogado.

10 Honorários de advogado regem-se no processo do trabalho pelos arts. 11, §1º da L. nº 1.060/50 e 14, §1º da L. nº 5.584/70. Não é o caso dos autos.

Inaplica-se o art. 20/CPC. A parte deve estar assistida por sindicato e auferir no aforamento menos de dois salários mínimos por mês ou comprovar a impossibilidade de demandar sem prejuízo de seu sustento ou dos seus (E.219/TST). Os arts. 133 da CF/88 e 87 da L. 8.906, de 4/7/94 [Estatuto da OAB] não revogaram ou derrogaram o art. 791/CLT. Apelo improvido.

§6º

CONTRIBUIÇÕES FISCAIS E PREVIDENCIÁRIAS

11 Pede o empregado a reforma da sentença quanto às contribuições previdenciárias e fiscais conforme entendimento das Súmula 368/TST e 381/TST .

12 Quanto ao cálculo do Imposto de renda tem razão, pois, conforme Ato Declaratório nº 1 do Procurador Geral da Fazenda Nacional, publicado no DOU de 14/5/2009, seção I, p.15, o Fisco desobrigou seus procuradores de interporem recursos, e a desistirem dos já interpostos, desde que inexista outro fundamento relevante, “nas ações judiciais que visem obter a declaração de que, no cálculo do imposto de renda incidente sobre rendimentos pagos acumuladamente, devem ser levadas em consideração as tabelas e alíquotas das épocas próprias a que se referem tais rendimentos, devendo o cálculo ser mensal e não global”, ficando claro que o próprio Fisco reconhece a lisura do regime de competência. Ademais a Súmula 368/TST se baseia no artigo 46 da Lei 8.541/92 que se firma no Ato Declaratório da Secretaria da Receita Federal, revisto em 14/5/09. Quanto ao cálculo da contribuição previdenciária não tem razão, uma vez que a sentença já determinou que se fizesse de acordo com a Súmula 368 do TST, como requerido. Apelo parcialmente provido para que a contribuição fiscal seja calculada pelo regime de competência.

§7º

DANOS MATERIAIS

13 Por fim, requer o empregado a reforma da sentença quanto aos danos materiais pelas despesas que antecipou e honorários advocatícios que pagou.

14 Em primeiro lugar, a sentença não examinou o pedido (f.488/513), o recorrente não embargou pleiteando fosse suprida a omissão, havendo, portanto, preclusão. Em segundo, ainda que assim não fosse, não há previsão legal para o pedido, que improcede inteiramente. Apelo improvido.

III C O N C L U S Ã O

Do que veio exposto, dou parcial provimento ao recurso ordinário interposto por VIAÇÃO ANDORINHA LTDA para manter a justa causa para a dispensa, excluindo da condenação o pagamento de aviso prévio, férias proporcionais + 1/3, 13º salário proporcional, indenização de 40% do FGTS, retificação da data de baixa na CTPS em razão de projeção do aviso prévio e entrega das guias do FGTS e seguro-desemprego e dou parcial provimento ao recurso adesivo de M.M.C. para que a contribuição fiscal seja calculada pelo regime de competência. Custas de R$140,00, pelo empregador, sobre o valor de R$7.000,00 ora arbitrado à condenação.

A C O R D A M os Juízes da Segunda Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso ordinário interposto por VIAÇÃO ANDORINHA LTDA para manter a justa causa para a dispensa, excluindo da condenação o pagamento de aviso prévio, férias proporcionais + 1/3, 13º salário proporcional, indenização de 40% do FGTS, retificação da data de baixa na CTPS em razão de projeção do aviso prévio e entrega das guias do FGTS e seguro-desemprego e dar parcial provimento ao recurso adesivo de M.M.C. para aumentar o valor da indenização por dano moral para 10 salários do empregado e que a contribuição fiscal seja calculada pelo regime de competência. Custas de R$140,00, pelo empregador, sobre o valor de R$7.000,00 ora arbitrado à condenação, em conformidade com a fundamentação do voto do juiz-relator.

Rio de Janeiro, 15 de Fevereiro de 2012.

Juiz JOSÉ GERALDO DA FONSECA

Relator

 

(Fonte: Migalhas)

 

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