Não é preciso ter aguçado espírito crítico ou profundas noções de história e da evolução social do povo brasileiro para encontrar, nos empregos domésticos no Brasil, liames com o triste regime da escravatura do qual nos livramos há tão pouco tempo. E ainda, para vergonha nossa, na clandestinidade ainda têm sido encontrados casos de regime de trabalho escravo.
E em certos círculos existe um evidente e abjeto sentimento de superioridade que procura aviltar os trabalhadores domésticos, às vezes discriminando-os a ponto de alijá-los dos confortos mais comuns de uma residência, para ele local de trabalho. Há casos, e muitos, que até na alimentação o empregado doméstico é discriminado. Cozinha para os patrões e come ou os restos, ou alimentação diferenciada que tenha pior qualidade e menor custo.
Segundo o IBGE, o rendimento médio recebido no mês de março por empregadas domésticas, diaristas, faxineiras, cozinheiras, babás, passadeiras, lavadeiras, arrumadeiras, acompanhantes de idosos e de crianças, nas seis principais capitais do País, foi de apenas R$ 350,50 por mês. Um salário mínimo. Mas salário mínimo como remuneração de empregadas sem carteira assinada, sem previdência social pública, muitas vezes sem décimo terceiro salário, sem FGTS e sem salário-desemprego. Enfim, absoluta informalidade, e ainda nenhuma fiscalização das autoridades do Ministério do Trabalho para que o mínimo a que têm direito esse enorme contingente de trabalhadoras seja garantido.
As pessoas ocupadas em empregos formais, vale dizer, com carteira assinada, têm um salário médio de R$ 1.006,80. Isto significa que uma empregada doméstica ganha mensalmente pouco mais de um terço dos demais trabalhadores.
Um dado espantoso e revoltante é que, segundo o IBGE, 40,40% dos trabalhadores domésticos sem carteira assinada, em todo o País, recebem menos que um salário mínimo. E o mínimo já é uma importância irrisória.
Esses dados e outros que se lhes podem aduzir, põem por terra um argumento tantas vezes repetido pelas autoridades. Para defender um salário mínimo baixo, argumentam que ele é uma mera referência, pois a grande maioria dos trabalhadores brasileiros ganha muito mais. Seriam os R$ 1.006,80 referidos pelo IBGE que não são pagos aos domésticos e nem a uma imensa massa de trabalhadores nos municípios pobres do nordeste do País.
A grande maioria dos injustiçados empregados domésticos é de mulheres e, dentre estas, há um largo contingente de pessoas da raça negra. Aí, soma-se a constatação vergonhosa de que, com a mesma habilitação, as mulheres ganham, no Brasil, bem menos que os homens. E menos ainda, sofrendo dolorosa e mascarada discriminação, quando negras.
Diante desse quadro, a decisão do governo federal dando incentivo fiscal aos patrões que inscreverem suas empregadas domésticas no FGTS, permitindo-lhes descontar a contribuição de 8% sobre apenas um salário mínimo do Imposto de Renda a pagar, soa como uma medida quase inócua. Por que não dar esse desconto de 8% do FGTS calculado sobre salários superiores ao mínimo? Por que não transformar o FGTS das domésticas numa obrigação e não numa faculdade? A medida mais parece demagogia que um passo efetivamente adiante no reconhecimento desse valoroso contingente de trabalhadoras tratadas pela legislação como párias dentro do proletariado.