Foi numa “briga” com Deus que o produtor musical e empresário André Melo teve a ideia de fazer um desenho animado voltado para crianças surdas-mudas. Explica-se: ele estava passeando pela Rua XV de Novembro, em Curitiba, bem desanimado com sua vida profissional. “Queria mudar de ramo, mas não sabia pra onde”, explica. Foi quando uma criança com deficiência parou para pedir comida. “Eu, na minha ignorância, continuei brigando com Ele. Foi quando veio o insight e me toquei: mas Ele acabou de falar comigo”, relata.
Foi ali, naquele calçadão, que ele teve a ideia de fundar uma produtora voltada para fazer animação para crianças com deficiência auditiva. Somente no Brasil, um milhão de crianças têm algum tipo de deficiência auditiva. E nenhum desenho animado feito exclusivamente para elas. “A maioria vem com alguém no canto da tela fazendo o sinal de Libras”, lembra André. Libras é a Lingua Brasileira de Sinais. Nascia ali a Área de Serviço, produtora que está realizando a primeira animação brasileira exclusivamente em Libras.
Ainda em fase de criação, André está em busca de financiamento para a produção. Cada animação deve custar em torno de R$ 80 mil, valor que ele vem arrecadando com a produção de eventos, área que conhece bem. Com ajuda do “concept designer” Frank Vader, os primeiros rabiscos da animação já começam a ganhar forma. O personagem principal é um gato, o “Tuntun”, nome inspirado em seu filho do meio. “Fui busca-lo na escola e os amigos o chamaram pelo apelido. Quando perguntei o porquê a explicação foi genial, pois é o barulho do nosso coração”, lembra.
Personagens definidos foi a vez de elaborar o roteiro. Tuntun é um gato cuja mãe é um cachorro. “Quis criar este tipo de estímulo para poder focar nas diferenças”, justifica. Na história também tem um alce, o professor Alcides. A animação é para crianças de zero a sete anos e terá nove personagens no total. Deste total, dois serão completamente surdos-mudos. Será falada em português e na linguagem de sinais.
Estudo
Para entrar neste universo André está tendo que fazer muita pesquisa. “Também fui buscar apoio junto às instituições”, afirma. Dentro do universo sem som, o que conta são as expressões de rosto. “Para isto, teremos que ter todos os personagens falando de frente para a audiência, nunca de lado”, explica. Todas as animações serão faladas em português e em Libras, simultaneamente. “Nossa ideia é que as crianças, através do Tuntun, aprendam a se comunicar em Libras. Além de tirar o preconceito que essas crianças devem sofrer, a ideia é que a animação seja educativa”, ressalta.
“Tuntun e sua turma” está em fase de criação. “O Frank está fazendo a modelagem dos personagens, que serão todos em 3 D”, explica André. “Em 40 dias será lançado o primeiro piloto”, promete.
9,7 milhões de brasileiros têm deficiência auditiva
Segundo Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 9,7 milhões de brasileiros possuem deficiência auditiva, o que representa 5,1% da população brasileira. Deste total, cerca de 2 milhões possuem a deficiência auditiva severa (1,7 milhões têm grande dificuldade para ouvir e 344,2 mil são surdos), e 7,5 milhões apresentam alguma dificuldade auditiva.
No que se refere à idade, cerca de 1 milhão de deficientes auditivos são crianças e jovens até 19 anos. O Censo também revelou que o maior número de deficientes auditivos, cerca de 6,7 milhões, estão concentrados nas áreas urbanas.
Já a Organização Mundial de Saúde contabilizou em 2011 que 28 milhões de brasileiros possuem algum tipo de problema auditivo, o que revela um quadro no qual 14,8% do total de 190 milhões de brasileiros possuem problemas ligados à audição.
Pesquisas também apontam que o número de deficientes auditivos no Brasil deve somente crescer, pois, além do aumento da população idosa no país, que saltou de 2,7% para 7,4% da população apontado pelo Censo do IBGE de 2010, as deficiências auditivas que poderiam ser reversíveis se constadas até seis meses de idade, apesar da obrigatoriedade do teste da orelhinha, de acordo com a Sociedade Brasileira de Otologia – SBO, são constadas a partir de quatro anos, idade considerada tardia pelos médicos. Outra pesquisa realizada no Rio de Janeiro em 2010 afirma que cerca de 20% das crianças com idade pré-escolar possuem algum grau de deficiência auditiva, porém não identificada.
Turma das Libras
Há dez anos, a Língua de Sinais Brasileira ganhava destaque em um gibi da Turma da Mônica (n. 239, 2006), de Maurício de Sousa. Em uma das historinhas, intitulada “Aprendendo a falar com as mãos”, o personagem Humberto (conhecido por apenas balbuciar hum-hum) apresenta para os seus amigos – Mônica, Magali, Cascão e Cebolinha – um livro sobre Libras. Além de promover a língua de sinais entre os seus leitores, a simpática turminha ainda os desafia a desvendar uma frase soletrada por meio do alfabeto manual.
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