Renata Cristina Obici Scorsato

Empreendedor: vilão ou mocinho?

Pensar em livre iniciativa e dignidade humana, quando se tem em mente a figura do empreendedor assim considerado a pessoa física que administra e é responsável pela atuação da empresa no mercado econômico -, requer a apreensão de dois movimentos distintos.

Por um lado, a empresa, e, em decorrência desse fato, o próprio empreendedor, deve dar-se conta da fragilidade de parte das pessoas com quem contrata. Assim, a realização da dignidade humana do contraente se opera quando esse empreendedor faz com que a empresa atue em conformidade com os ditames da justiça social, da valorização do trabalho humano e a dignidade da pessoa humana.

Visando o equilíbrio socioeconômico dos agentes que compõem esse tipo de relação e garantir o fator dignificante dos contraentes, o sistema jurídico lhes confere determinadas prerrogativas, as quais permitem a solução de problemas jurídicos corriqueiros em conformidade com os ditames de justiça social e as finalidades do Direito.

Tal prática se revela louvável e necessária, diante da efetiva existência e constância da desproporcionalidade de força intelectual, econômica ou técnica de um dos agentes do negócio jurídico em face do outro.

Trata-se de medida que salvaguarda os ditames da boa-fé, justiça e funcionalidade das relações negociais do cotidiano. Sob esse aspecto, o empreendedor possui o dever de, ao atuar no mercado econômico, garantir que o mínimo existencial das pessoas com quem a empresa mantém relações negociais seja respeitado.

Esse movimento ocorre como forma de compatibilizar a livre iniciativa e a dignidade humana no que diz respeito às relações externas da empresa. Nada mais é, portanto, do que o agir da empresa em conformidade com os fins do Direito, que garantem a tutela das partes mais fracas das relações negociais.

Por outro lado, o empreendedor é o responsável pela atuação da empresa no mercado econômico, mediante a contratação de empregados, prestadores de serviços e demais entes componentes do complexo feixe de relações com quem a empresa realiza operações negociais; e, mais que isso, a pessoa que, na administração da empresa, garante que esta pague tributos, contribuições sociais e, enfim, movimente a economia do país, não se pode desconsiderar a flagrante importância que essa pessoa desempenha para a realização dos postulados constitucionais inseridos nos artigos 3.º, 4.º, 5.º e 170 da Constituição Federal.

Desempenha importante papel para a própria existência da empresa e enquanto mola propulsora da movimentação econômica, mediante a realização de seus ditames liberais e sociais.

Sob essa ótica, não se pode desconsiderar o importante papel que o empreendedor desempenha no mercado econômico e social: ao mesmo tempo em que garante a realização dos fins do Estado e das pessoas que travam relações negociais com a empresa, esse mesmo empreendedor é titular de um fator dignificante, que lhe confere o “poder-dever” de atuar no mercado econômico.

Nesse aspecto, portanto, o empreendedor possui uma dignidade que também deve ser resguardada quando em mira a realização, por meio da atividade desenvolvida por ele, dos postulados fundamentais constantes do texto constitucional.

Quer dizer: além de realizar a livre iniciativa, esse empreendedor faz jus à tutela jurídica do Estado, dada a imprescindibilidade do trabalho desempenhado por ele na movimentação da máquina econômica.

Daí que a usual prática de rotular os empreendedores como pessoas desonestas, que atuam de molde a burlar o ordenamento jurídico merece ser repensada, à luz dos princípios constitucionais.

Obviamente que o mau empreendedor merece, sim, ser reprimido pela ordem jurídica. Contudo, faz-se necessário repensar o atuar dessas pessoas na sociedade e na economia para que, apenas nos casos onde efetivamente houver abuso, fraude, mau uso ou má administração da empresa pelo empreendedor, este venha a ser punido pelo insucesso da empresa.

Caso tais premissas não sejam levadas em consideração, o que o Direito faz, nada mais é do que infringir os princípios constitucionais humanitários, sociais e econômicos, que não podem ser desconsiderados quando se tem em mente o atuar do empreendedor, já que este desempenha papel imprescindível para a realização desses mesmos direitos à complexa e extensa rede de pessoas com quem a empresa trava relações negociais.

Logo, fundamental sopesar, no caso concreto, quem é o empreendedor e levar em conta a existência e a importância da tutela dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico também a tais pessoas, sob pena de estar-se criando “estado de exceção” em seu desfavor, independentemente do relevante papel desempenhado por elas na realização da dignidade; própria e alheia.

Coluna sob responsabilidade dos membros do Projeto de Pesquisa do Mestrado em Direito do Unicuritiba: Livre Iniciativa e Dignidade Humana (Ano II), liderado pelo advogado e Prof. Dr. Carlyle Popp e pela advogada e Profa. M.Sc. Ana Cecília Parodi. grupodepesquisa.mestrado@ymail.com.

Esta coluna tem compromisso com os Objetivos para o Desenvolvimento do Milênio.

Renata Cristina Obici Scorsato é mestra em Direito Empresarial e Cidadania, pelo Unicuritiba Centro Universitário Curitiba. Especialista em Direito Empresarial, pela FGV Fundação Getúlio Vargas. Advogada. Professora Universitária.

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