Empate técnico

Foi um marco histórico, jamais imaginado pelos exegetas de crises econômicas com fundamento na especulação global desse início de século: dia 23 de setembro, os mercados abriram dando ao real brasileiro o mesmo valor do peso argentino ante o dólar. A moeda americana subia os mais altos degraus desde a implantação do nosso plano de salvação econômica, há oito anos. Os que antes riam dos vizinhos barulhentos e mergulhados numa crise sem precedentes, tiveram que engolir em seco o nó da garganta. Para completar o cenário, um conselho de Eduardo Duhalde, o encurralado presidente argentino: o Brasil deve ter muito cuidado para que não aconteça o que aconteceu na Argentina. O que aconteceu com a Argentina deveria abrir os olhos do Brasil.

Olhos e ouvidos aparentemente abertos, os brasileiros não entendem o que está acontecendo. Lá fora, dizem que é por causa da possibilidade cada vez mais provável de uma guerra contra o Iraque, que, por sua vez, faz subir o preço do barril do petróleo cru; aqui dentro, constata-se a assertiva de que o sobe-desce tem a ver com as pesquisas eleitorais: se Lula sobe, sobe o dólar. E quanto mais sobe Lula, mais desvaloriza-se o real, mesmo e apesar da repetição de uma frase que já perdeu sentido (“nossa economia está assentada em bases sólidas e não há o que temer”). Se a base é sólida, porque ninguém nela acredita?

Nos motivos que levaram ao empate técnico entre os valores das moedas brasileira e argentina há, na verdade, um mar de diferenças. Mas o resultado final é semelhante, com prejuízo maior a quem mais deve em moeda estrangeira. É o que se depreende do que, na televisão, dizem os que usam o economês para despejar sobre nossas cabeças montanhas de números. Esses números, entretanto, parecem não sensibilizar o eleitor mediano. Fosse isso e a maioria já teria desistido de preferir o PT, que, apesar de não admitir oficialmente, sabe que o tobogã da especulação apóia seu ponto mais alto na possibilidade de vitória de seu candidato. Dias atrás, Lula queria que o presidente Fernando Henrique Cardoso explicasse à nação o que está acontecendo. Em outras palavras, queria que fosse dito que a alta do dólar nada tem a ver com suas chances de vitória. Portanto, que ele não é culpado. FHC desconversou, cunhando frases de estadista. Mas o ministro da Fazenda, Pedro Malan, voltou à cena para realizar outro pedido patético aos candidatos. E repetiu o pedido que já fizera, isto é, que os candidatos jurem sobre a Bíblia que haverão de honrar compromissos, tanto externos quanto internos; que não quebrarão contratos; que perseguirão as metas de gerar os superávits exigidos pelo Fundo Monetário Internacional e por aí afora. Malan não diz, mas o pedido seria dirigido a Lula, especificamente, cujas oscilações nas pesquisas tem a curiosa propriedade de fazer o dólar e as bolsas reagirem com incrível rapidez.

Ante as claras evidências de que a turbulência tem origem na possibilidade de sua vitória, seria de sugerir ao candidato petista que prestasse um grande serviço à nação, afastando de uma vez por todas as dúvidas que existem em torno de seu programa de governo, no que se refere à política econômica e financeira. Quem sabe saiamos desse incômodo empate técnico com a Argentina e ganhemos o jogo.

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