O presente trabalho tem como objetivo estudar as conseqüências introduzidas pela Lei n.º 11.275, de 7 de fevereiro de 2006, a qual acrescentou ao artigo 302 do CTB – ?praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor? -o inciso V, que versa sobre uma nova causa de aumento de pena, incidente também no crime de lesão corporal culposa na direção de veículo automotor, quando o agente realize a conduta ?sob a influência de álcool ou substância tóxica ou entorpecente de efeitos análogos?.
É necessária a reflexão porque, antes da edição de referida lei, era pacífico que o homicídio culposo na direção de veículo automotor, por ser crime de dano e ter uma pena maior, absorvia o da embriaguez ao volante. Todavia, em relação à lesão corporal, a doutrina e a jurisprudência não eram pacíficas, existindo entendimentos favoráveis e contrários à absorção da embriaguez ao volante pela lesão corporal na direção de veículo automotor.
Dessa interpretação resultava que, caso o agente, na direção de veículo automotor, sob a influência de álcool, causasse culposamente a morte de alguém, seria responsabilizado apenas pelo crime previsto no artigo 302 do CTB, hipótese em que, mesmo embriagado, o agente não poderia ser preso em flagrante delito caso prestasse ?pronto e integral socorro à vítima? (artigo 301, do CTB). Entretanto, o mesmo tratamento não poderia ser dado ao agente que apenas causasse lesões corporais à vítima, pois, como a pena cominada à embriaguez ao volante (mínimo de 6 meses e máximo de 3 anos) é maior do que a pena cominada à lesão corporal (mínimo de 6 meses e máximo de 2 anos), a praxe penal orientava-se no sentido de que, constituindo a embriaguez ao volante crime mais grave, em razão da pena, não poderia ser absorvida pelo crime menos grave, razão pela qual a embriaguez ao volante é que absorveria o crime de lesão.
Em razão dessa exegese, duas conseqüências importantes eram verificadas: a) o autor de lesão culposa que estivesse dirigindo veículo automotor em estado de embriaguez, mesmo que prestasse imediato e integral socorro à vítima, deveria ser preso em flagrante delito pelo crime de embriaguez ao volante, único crime que remanesceria, b) a extinção da punibilidade do crime de lesão corporal culposa no trânsito, pela renúncia ou pela ocorrência da decadência ao direito de representação, não afetaria a punição do crime de embriaguez ao volante, que é de ação penal pública incondicionada.
Daí o escopo do trabalho. Essa forma de compreender e interpretar tais institutos não mais poderá prevalecer, porquanto a condução de veiculo sob a influência da embriaguez passou a ser causa especial e obrigatória de aumento de pena no crime de lesão corporal praticada na direção de veículo automotor. Por isto, se o agente embriagado, ao conduzir um veículo automotor, atropela e causa uma lesão a alguém, deverá, por imposição do princípio da subsidiariedade, ser responsabilizado apenas pela lesão com a incidência da causa especial de aumento de pena prevista no parágrafo único do art. 303, que remete ao parágrafo único, inciso V, do artigo 302, todos do CTB. Desse modo, a embriaguez ao volante – crime de perigo concreto deve ser vista como delito subsidiário tácito do tipo de lesão corporal decorrente de acidente de trânsito, ficando absorvida pelo crime de lesão corporal culposa, o que impossibilita a punição autônoma do crime de embriaguez ao volante. Ressalte-se que, incidindo a majorante que prevê um aumento de pena de 1/3 até 1/2, a lesão corporal culposa causada na direção de veículo automotor por condutor embriagado terá uma pena praticamente igual à do crime de embriaguez ao volante.
Diante do exposto, pode-se concluir que a lesão corporal culposa na direção de veículo automotor absorve o crime de condução de veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool, resultando disto a impossibilidade de prisão em flagrante do autor nos casos em que preste socorro à vitima. Entretanto, caso o agente não empreenda esforços no sentido de socorrer a vítima, poderá ser preso em flagrante delito (isto, havendo a representação da vítima), uma vez que, em razão da incidência da causa de aumento, que automaticamente eleva a pena máxima para mais de dois anos, o processamento e julgamento do crime de lesão corporal culposa cometido por motorista embriagado são de competência da justiça comum, e não do Juizado Especial Criminal. Enfim, no caso de extinção da punibilidade do crime de lesão corporal culposa, pela renúncia ou pela ocorrência da decadência ao direito de representação, não restará possibilidade de punição autônoma pelo crime de embriaguez ao volante.
Paulo Cezar da Silva é delegado de Polícia; mestre em Direito Penal pela Universidade Estadual de Maringá; professor de Direito e Processo Penal no Curso de Graduação da Universidade Paranaense de Paranavaí, Faculdades Nobel e Faculdades Maringá.