Todo-poderoso no Itamaraty do governo Luiz Inácio Lula da Silva, o secretário-executivo do Ministério das Relações Exteriores, embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, afirmou que o Brasil deve reagir contra as iniciativas políticas dos Estados Unidos e de outras potências mundiais. Num artigo editado na semana passada pela revista eletrônica "La Onda Digital", do Uruguai, Guimarães propôs a aliança política, econômica e tecnológica do Brasil com outros países da "periferia", como alternativa de promover e de defender os interesses nacionais. Na base desta teoria, ressaltou, estaria a execução da política externa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o respeito a princípios constitucionais.

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"O Brasil tem de transformar suas relações tradicionais com as grandes potências, que, historicamente, são desequilibradas", insistiu. Ele destacou os EUA, no artigo, como "a hiperpotência", num esforço para diferenciá-los dos demais centros de poder mundial. O adjetivo não é uma novidade no recorrentes textos dele – as únicas formas de acesso às opiniões dele, uma vez que se Guimarães recusa a fazer declarações.

As investidas críticas do diplomata contra Washington devem ser consideradas como um traço de fidelidade às próprias convicções ideológicas, que em muito se refletem nas atuais ações do ministério. Guimarães ressaltou como exemplos de reações do Brasil contra a política externa americana as críticas firmes contra a invasão ao Iraque, a criação do Grupo de Amigos da Venezuela "para a aceitação do regime democrático de Hugo Chávez" e as iniciativas da vizinhança sul-americana para resolver os impasses entre Bolívia e Equador, em 2003, e entre Colômbia e Venezuela, em 2005. Porém, omitiu o fato de que o governo brasileiro convenceu Chávez a aceitar a presença de Washington no mesmo Grupo de Amigos da Venezuela e que o Departamento de Estado manteve estreito contato com Brasília durante as discussões para a solução das pendências na América do Sul.

Entretanto, o texto desperta curiosidade por trazer tal apelo à reação estampado num artigo editado a apenas quatro meses da visita do presidente americano, George W. Bush, a Lula, na capital federal, e do anúncio da retomada de um novo ciclo, mais construtivo, para as relações bilaterais. Intriga também quando se observa que os temas centrais do texto, de cerca de 300 linhas, eram os esforços realizados nos três anos de gestão Lula para combater a desigualdade social e os desafios restantes

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Na argumentação, Guimarães enumerou 56 exemplos de conquistas da administração Lula, sem o cuidado de indicar se foram resultados de processos iniciados bem antes da posse do atual presidente. Entre os quais, citou a queda da mortalidade infantil e a auto-suficiência na produção de petróleo. Mas mencionou ainda a recuperação de 9 mil quilômetros de estradas, a conservação de outros 42 mil quilômetros e a sinalização de 20 quilômetros entre 2003 e 2005 – sem nenhuma menção à Operação Tapa-Buracos desencadeada no fim de 2005 como meio de contornar a situação calamitosa das rodovias federais.

Ideólogo que contribuiu para a formulação da política exterior vigente, Guimarães esmerou-se em atribuir a autoria a Lula. Agiu, portanto, em perfeita sintonia com a regra máxima de obediência e disciplina dos diplomatas brasileiros em relação aos superiores. Destacou, em especial, que a política externa "reorientou com serenidade e firmeza a atuação do Brasil no sentido da maior independência, do maior respeito e da melhor defesa dos interesses nacionais".

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"Cada movimento tático da política externa obedeceu a uma estratégia para contribuir com a construção de um mundo multipolar, mais democrático, mais próspero e mais justo", afirmou. "Para o enfrentamento dos desafios domésticos de superar as desigualdades, de reduzir as vulnerabilidades e de construir o potencial brasileiro, estratégia cuja execução eficaz somente é possível graças ao firme apoio e à capacidade pessoal do presidente", completou. Mas a lealdade para com o presidente extrapolou em alguns pontos dos artigo.

Guimarães destacou duas iniciativas para fortalecer a "capacidade autônoma de realizar o potencial econômico brasileiro" e sul-americano. A primeiro foi a inclusão da flexibilização das regras sobre proteção da propriedade intelectual, sobretudo na área farmacêutica, em negociações internacionais. Essa atitude, entretanto, foi iniciada em 2002, quando o Brasil conseguiu obter um acordo favorável na Organização Mundial do Comércio (OMC), graças à atuação do ex-ministro da Saúde e atual prefeito de São Paulo, José Serra (PSDB), pré-candidato a presidente.

A outra iniciativa mencionada pelo embaixador foi a exclusão dos investimentos em infra-estrutura do cálculo do resultado primário das contas públicas, aceita pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) em 2005 para o caso do Brasil. Como no exemplo anterior, essa proposta foi apresentada ao FMI e negociada com afinco bem antes, durante a gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.