Em mulher não se bate nem com uma flor? Com a palavra, a sociedade.

Em artigos anteriores, concluímos que cresceu a percepção da sociedade civil de que a violência doméstica é uma das maiores preocupações da mulher brasileira e que a sociedade discorda do chavão “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. No presente e último artigo da série “Com a palavra a sociedade”, chega-se à conclusão, por conta de dados trazidos por pesquisas realizadas no Brasil, que a sociedade civil recusa o chavão “mulher que trai até merece apanhar” e ratifica um inverso seu: “em mulher não se bate nem com uma flor”.

A primeira pesquisa sobre o assunto (Ibope/Instituto Patrícia Galvão/ 2004) constatou que 91% dos entrevistados consideraram muito grave o fato de mulheres serem agredidas por companheiros e maridos (94% das mulheres, 88% dos homens); 6%, um pouco grave (4% das mulheres, 9% dos homens); 1%, nada grave; e 2% não souberam/não opinaram.

Oitenta e dois por cento dos entrevistados discordaram da ideia de que “tapa de amor não dói” (87% das mulheres, 75% dos homens). Essa taxa não varia significativamente na maioria dos segmentos entrevistados. Dezesseis por cento concordaram com a frase e 2% não opinaram. A frase “mulher que trai até que merece apanhar” foi rejeitada por 59% dos entrevistados e acolhida por 38%. O grau de escolaridade e o de renda afetam essa atitude mais do que qualquer outra variável.

Em todos os segmentos, quase ninguém discorda do “clichê” que diz “em uma mulher não se bate nem com uma flor”: 88% dos entrevistados concordaram (90% das mulheres, 85% dos homens) e 10% discordaram (8% das mulheres e 14% dos homens). Não houve variações entre os segmentos, a não ser regionais e de sexo. A menor taxa de concordância com a frase foi entre os entrevistados da Região Sul (78% concordaram e 20% discordaram).

Oitenta e dois por cento dos entrevistados responderam que “não existe nenhuma situação que justifique a agressão do homem a sua mulher”; 16% responderam que conseguem imaginar situações em que há essa possibilidade; 2% não souberam ou não responderam. São menos tolerantes à agressão os entrevistados de maior renda (89%) e escolaridade mais alta (93%). No Nordeste, 74% não tolerariam agressão em nenhuma circunstância.

Em cidades de até 20 mil habitantes, 21% responderam que existem situações em que há a possibilidade de o homem agredir sua mulher; 78%, que não existem; e 1% não soube responder. Em cidades de 20 mil a 100 mil habitantes, 20% responderam que existem situações; 78%, que não existem; e 2% não souberam responder. Em cidades de mais de 100 mil habitantes, 12% responderam que existem situações; 85%, que não existem; e 3% não souberam responder.

Pesquisa da Fundação Perseu Abramo/SESC de 2010 revelou que 91% dos homens entrevistados declararam que bater em mulher é errado em qualquer situação; 6%, que uns tapas de vez em quando são necessários; 2%, que tem mulher que só toma jeito apanhando bastante.

No que tange ao último dado acima mencionado, há que se considerar que 2% da população masculina brasileira maior de 15 anos de idade correspondem a 1.400.809 homens. Para compreender melhor o resultado da pesquisa, é importante lembrar que um número de brasileiros equivalente à totalidade de homens maiores de 15 anos de idade domiciliados no Estado da Paraíba (1.339.206) defende que “tem mulher que só toma jeito apanhando bastante”.

Pesquisa IPEA de 2010 constatou que 81,9% dos entrevistados consideraram a violência doméstica um grande problema da nossa sociedade (81,7% dos homens; 82,1% das mulheres); 14,9%, um problema só de algumas mulheres (14,0% dos homens; 15,6% das mulheres); 1,7%, que não é um problema (1,8% dos homens; 1,5% das mulheres); e 1,5% não souberam ou não responderam (2,5% dos homens; 0,8% das mulheres). Na Região Sul, 77,8% das pessoas acreditam que a violência dom,éstica é um grande problema da nossa sociedade, enquanto no Nordeste, 86% das pessoas têm essa opinião.

Os dados acima trazidos permitem, sem muito esforço, perceber, dentre outras, duas circunstâncias:

(1) em todas as respostas, os representantes do sexo masculino se mostraram mais tolerantes com a violência contra a mulher;

(2) as regiões menos condescendente com tal espécie de violência são as regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste.

No que tange à segunda consideração, há que se perquirir: quais os motivos ensejadores de uma maior conscientização em tais regiões para com o tema? Uma hipótese: de acordo com Pesquisa IBOPE/Themis 2008, a Lei Maria da Penha é mais conhecida nessas regiões, o que decorre do ativismo dos movimentos sociais de mulheres (com suas vigílias, apitaços, denúncias sobre a não-aplicação da Lei, contagem de homicídios de mulheres e intervenções junto à mídia), o qual, por sua vez, criou um ambiente de debate e difusão de informações. O maior conhecimento da Lei pode gerar aumento da repulsa à violência de que ela trata. Talvez, esteja aí uma contribuição para a mudança do quadro de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Alice Bianchini é Doutora em Direito Penal pela PUC/SP. Presidente do Instituto Panamericano de Política Criminal – IPAN. Coordenadora do Curso de Especialização TeleVirtual em Ciências Penais da Universidade Anhanguera-Uniderp, em convênio com a Rede LFG. Siga-me no Twitter e no Facebook.

Danilo Cymrot é Pesquisador do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Mestrando em Direito Penal pela Universidade de São Paulo.

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