Em defesa do teatro na sala de aula

Encontrar alguém que já tenha feito teatrinho na escola não é uma das tarefas mais difíceis. Muita gente já pisou os pés no palco quando era criança, ou ainda na adolescência, por conta de uma peça, ou de um "teatrinho" inventado pela professora. Muitos ainda se recordam da fantasia confeccionada pela mãe, com esmero ímpar, para que o "filhão" brilhasse no palco, nem que seu papel fosse os já folclóricos árvore ou pedra. Na verdade os pais não ligavam muito para o protagonista ou o antagonista, o importante era ver o filho na boca de cena, brilhando, e de preferência balançando a mão pra todos e fazendo poses para as fotos. Saudável lembrança. Lembro-me perfeitamente de quantas vezes os realizei.

É claro que há mais tentativas que acertos nessas nossas práticas. Penso que um dos problemas esteja justamente no fato de não termos feito grandes transformações nas nossas maneiras de ver o teatro como uma multiplicidade de recursos, de possibilidades e de linguagens, perfeitamente fascinantes no que diz respeito às leituras. As "viagens" possibilitadas pelos textos narrativos, descritivos, pelos textos informativos, pelos romances e por tantos outros, são também possíveis pelos textos dramáticos. O problema é que ainda são poucos os profissionais que se enveredam por estes caminhos.

Ainda meio disforme, para o dia-a-dia da sala de aula e um tanto movediço, para o profissional; o caminho do texto dramático na sala de aula é cheio dessas barreiras, verdadeiras valetas; precipícios em alguns casos. Muitos alunos chegam à adolescência sem ao menos tê-lo conhecido. Os poucos contatos que os alunos tem com estes textos, ainda acontecem no já lendário "teatrinho" da escola, adaptado, facilitado, pasteurizado, simplificado. É necessário se lançar, ainda na infância, às leituras dramáticas completas. O universo composto por seres tão dissonantes, pela amplitude de personagens, por rubricas que necessitam de imagem concretas por parte do leitor, pode desencadear um excelente comportamento naqueles que se constroem leitores todos os dias. A necessidade de criar e de plasmar certos elementos cênicos é um excelente exercício de criatividade e de raciocínio, de crescimento sociocultural. Afinal, acompanhar uma boa tessitura na leitura dramática já é, por si só, um bom começo para a garotada.

Mas tudo isso não será possível, se permanecermos naquela velha idéia de que eles são grandes demais, difíceis, e que os alunos não conseguirão. Ainda mais porque esses textos dificilmente trazem uma ilustração. A leitura de um texto dramático na infância deve ser primeiramente um exercício de leitura. Não se pode exigir do leitor uma performance tão arrojada quanto aquela que eles já possuem para outros tipos de textos. Deve haver uma cautela na colocação dos textos, que nunca deverá ser acompanhada do medo, pois esse só corroborará com o quadro da limitação, jamais com o da tentativa, razão da sala de aula. Selecionar bons textos também é uma tarefa que exige cuidado, afinal, em qualquer tipo de texto, sempre existem tipos e mais tipos. Sem medo de errar, podemos recorrer aos de Maria Clara Machado.

Encontrar alguém que tenha se emocionado ao ver a montagem de Pluft, o fantasminha, é uma tarefa relativamente fácil. Ao longo destes quase cinqüenta anos de existência do fantasma e sua família, a obra fez muita criança lançar o olhar sobre sua própria vida, assim como muito adulto chegar às emoções. Com um texto que dispensa apresentações, de Maria Clara Machado conseguiu dar ao fantasminha Pluft uma dimensão humana, e ao mesmo tempo não lhe roubou a nobreza de um ser mágico. Já foram realizadas várias leituras pertinentes no mundo de Pluft e dos seus aspectos rituais. Leituras que esclarecem, aplaudem e criticam este texto, embora poucas o tenha maculado. Sua construção e seu desenvolvimento, já se fizeram consistentes a ponto de dar ao fantasma e sua família lugar de destaque na dramaturgia brasileira. Podemos dizer que já houve um número considerável de estudos reforçando a pertinência deste trabalho, no entanto isso não significou a presença dele na sala de aula da educação infantil e do ensino fundamental .

Em 1955, ano de lançamento de Pluft, o fantasminha, nem sequer cogitávamos a existência da tecnologia digital para apresentação deste texto. Hoje, com o mercado em crescente expansão tecnológica, já contamos, inclusive, com isso.

Nas palavras de Décio de Almeida Prado, a autora soube como ninguém dominar a carpintaria dramática, a construção e concepção de personagens e cenários da peça e do texto, e isso garante a juventude do fantasma. Ortega y Gasset afirma que o teatro só se faz entre ator e público. Não existe, para ele, uma forma de teatro sem o público participando do processo. Dessa maneira, proporcionar aos alunos um encontro com esse fantasma, torna-se uma tarefa inicial para aqueles educadores que buscam fazer da leitura uma aprendizagem constante, uma descoberta verdadeiramente diária, com limitações e com falhas, mas também com tentativas e muito sucesso. E se o teatro encontrar um novo espectador depois disso, felicidade e vida longa para todos.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo