Violência, arbitrariedade, desrespeito, abuso, vilipêndio essa é a receita que vem sendo empregada pela Polícia Federal, ao invadir escritórios de advocacia, em cumprimento a ordens judiciais que consideramos ilegais. Nem nos tempos de chumbo do período militar, víamos tanta insensatez. Como todo o universo jurídico bem o sabe, o Estatuto da Advocacia Lei 8.906, de 4 de julho de 1994 prevê em seu artigo 7.º, inciso II, que é direito do advogado ?ter respeitada em nome da liberdade de defesa e do sigilo profissional, a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, de seus arquivos e dados, de sua correspondência e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins, salvo caso de busca e apreensão determinada por magistrado e acompanhada de representante da OAB?.
Ora, a exceção prevista ocorreria somente se o investigado for o próprio advogado e não o cliente, que estaria totalmente protegido pelo sigilo. Outro aspecto a se considerar é o de que os documentos e objetos apreendidos só podem ser os mesmos que constituem alvo da investigação. Como nada disso tem sido considerado, a façanha da Polícia Federal, amparada em decisões infundadas de juízes, que parecem desconhecer a letra da lei, ingressa no terreno dos maiores absurdos que já se cometeram contra a profissão da Advocacia ao longo de toda a história do país. Há casos em que os mandados expedidos por magistrados são tão genéricos que a PF acaba apreendendo arquivos e documentos de clientes que não tem nada ver com o caso em tela. O que vimos, por ocasião da invasão de doze escritórios de advocacia, em São Paulo, e outros cinco, em Campinas, além de outros no Rio de Janeiro, foi um espetáculo de pirotecnia, que serviu para que policiais federais exibissem sua arrogância para os holofotes da mídia.
Fizemos o relato desses atos arbitrários ao senhor ministro Márcio Thomaz Bastos, solicitando medidas urgentes para a preservação do exercício da advocacia. Não está em questão a análise do elemento surpresa, como muitos alegam para justificar o abuso. Trata-se, isso sim, de cumprir a lei, o artigo 133 da Constituição Federal, que garante a inviolabilidade do advogado no exercício de sua profissão. Se o advogado comete um ilícito, ele pode e deve ser investigado. Mas não é o caso. O que está ocorrendo é a invasão de escritórios para recolhimento de documentos de clientes. Invasão que, no mais das vezes, se transforma em espetáculo pirotécnico, com muito barulho, luzes e câmeras de TV. Trata-se de mais uma faceta do Estado-Espetáculo.
Os danos gerados à Advocacia por essas operações da Polícia Federal são enormes. A confiança entre clientela e advogados fica minada. E uma profissão, cujo caráter de essencialidade é acolhido pela Carta Magna, se vê vilipendiada. Não há mais segurança de que o sigilo, absolutamente indispensável na relação entre cliente e advogado, seja preservado. O direito de defesa dos clientes é atacado frontalmente. Dessa forma, com a retração de clientes, o exercício da advocacia acaba sendo inserido numa escala de risco.
Diante da grave situação que abala a nossa profissão, urge que permaneçamos em estado de mobilização. Não podemos aceitar que as invasões continuem. Admitir a truculência é compactuar com a barbárie, na esteira de um retrocesso que ameaçará jogar o país num estado pré-civilizatório. Conclamamos os juízes brasileiros para que não se deixem levar pelas pressões e pela interpretação errática dos nossos códigos normativos. A força do Poder Judiciário reside nos pilares da isenção, da independência, do conhecimento jurídico e, sobretudo, da sabedoria para distinguir entre o certo, o justo e o errado. Ao corpo dos 14 mil juízes brasileiros, urge lembrar a lição do grande Rui Barbosa: ?Não tergiverseis com as vossas responsabilidades, por mais atribulações que vos imponham. Não receeis soberanias da terra: nem a do povo, nem a do poder … Não cortejeis a popularidade. Não transijais com as conveniências. Não anteponhais o draconianismo à eqüidade.?
Luiz Flávio Borges D?Urso é advogado criminalista, mestre e doutor em Direito pela USP e presidente da OAB-SP.