Daqui a, no máximo, um mês, o Supremo Tribunal Federal decidirá se o Ministério Público manterá seu direito de conduzir investigações, e não apenas apresentar denúncias. O julgamento do STF foi interrompido em 1.º de setembro, quando o placar de votação dava vantagem de 3 a 2 aos procuradores e promotores da República. Vamos torcer para que a vitória seja de fato do Ministério Público, instituição que se destaca no combate às injustiças e à impunidade no país e, conseqüentemente, no fortalecimento de nossa democracia.
Caso o MP perca essa batalha, o retrocesso será inevitável. Juristas apontam que importantes investigações conduzidas pelo órgão, como o desmembramento da Máfia da Previdência e o desvio de verbas na construção do Fórum Trabalhista de São Paulo, correm o risco de voltar à estaca zero, já que o trabalho investigativo teria de ser desconsiderado.
Ainda que a investigação seja prerrogativa típica da polícia, foi com a ajuda do Ministério Público que os policiais apuraram o assassinato do prefeito de Santo André Celso Daniel e investigam a chacina de moradores de rua em São Paulo, entre outros casos. O órgão também tem atuação exemplar na defesa de direitos difusos (agressões ao meio ambiente, por exemplo) e coletivos (direitos trabalhistas) da população. Em um país notório pela impunidade, como podemos limitar mais a liberdade investigativa?
Juridicamente, a questão passa pela Constituição Federal, que, em seu artigo 129, confere ao MP o direito de promover ação penal pública. Para alguns (parte do corpo de magistrados e a Ordem dos Advogados do Brasil, por exemplo), há sobreposição de funções e abuso de poder quando, além de promover a ação, o Ministério responde também pelo inquérito criminal.
Em defesa do órgão, existe a lei complementar n.º 75/90, conferindo ao MP a missão de “realizar inspeções e diligências investigatórias”, notificar testemunhas, coletar provas, etc. A lei se baseia no entendimento de que o inquérito não necessariamente se esgota no âmbito policial. A mesma lei aponta que “essa atividade (a do MP) depende, para o seu efetivo exercício, da colheita de elementos que demonstrem a certeza da existência do crime e indícios de que o denunciado é o seu autor”.
Se há excessos na atuação dos procuradores, que sejam coibidos, sem limitar as atividades do Ministério Público ou anular as conquistas da sociedade. É um assunto para ser discutido na reforma do Poder Judiciário, o que já está na agenda do governo. Mas não é pelo temor do abuso que se deve proibir o uso, como declarou o ministro Carlos Ayres Britto, ao votar a favor pelo poder de investigação do Ministério Público.
Sylvia Romano é advogada em São Paulo, especializada em Direito Trabalhista.