Em defesa da microempresa e da empresa de pequeno porte

O Programa de Geração de Emprego e Renda (PROGER) instituído pelo Governo Federal, na gestão do então Presidente Fernando Henrique Cardoso, por intermédio do Ministério do Trabalho, é um dos programas mais bem sucedidos nessa área e muito utilizado pelos empresários. Trata-se de um conjunto de linhas de crédito para financiar quem quer iniciar ou investir no crescimento de seu próprio negócio, tanto na área urbana quanto na área rural. O Programa, sob as modalidades PROGER Urbano, PROGER Rural e PRONAF (destinado ao fortalecimento da agricultura de base familiar), cujos fundos são do FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador, tem por objetivo gerar e manter emprego e renda para a população.

O PROGER Urbano, por exemplo, tem permitido que muitas microempresas e empresas de pequeno porte – faturamento bruto anual de até R$ 5 milhões possam, mesmo em fase de implantação, obter financiamento para esses projetos, que, como dito, podem consistir em iniciação do próprio negócio, ampliação ou modernização da empresa.

No caso do PROGER Urbano, o empresário financia até 80% do valor do projeto de investimento, limitado a R$ 400 mil, com prazo para pagamento de até 60 meses, incluído período de carência de até 12 meses. Os encargos financeiros são de TJLP (taxa de juros de longo prazo) mais 5,33% nominais ao ano. Não é difícil perceber tratar-se de um dinheiro barato, cuja taxa de juros não ultrapassa os 6% a.a. Assim deve ser, para que os investimentos tornem-se mais viáveis no País.

Ocorre que, e este é o propósito deste artigo, um viés jurídico, os empresários estão encontrando algumas dificuldades para obtenção ou finalização desse financiamento junto aos agentes financeiros e outros serviços correlatos, dificuldades essas, muitas vezes, ilegais e contra o espírito dos criadores do programa.

É comum os agentes financeiros, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco do Nordeste e BNDES, exigirem, por força de lei, que o contrato de financiamento, chamado Cédula de Crédito Comercial, seja registrado no Registro de Imóveis. Entretanto, pode acontecer que, por qualquer motivo, o contrato não possa ser registrado. Mesmo assim, o contrato de financiamento continua vigorando, não podendo ser cancelado, isso porque o registro apenas se destina a fazer valer o contrato perante terceiros, não afetando a relação contratual entre as partes. Assim está disposto no art. 29, do Decreto-Lei 413/69 que se aplica à cédula de crédito comercial: “A cédula de crédito industrial somente vale contra terceiros desde a data da inscrição. Antes da inscrição, a cédula obriga apenas seus signatários”. Porém, não raro, há ameaça de cancelamento do financiamento por impossibilidade do registro, como se isso fosse possível.

Outra situação que, ao meu ver vai contra o espírito do programa, é o que ocorre no âmbito dos Ofícios de Registros de Imóveis, quando o mutuário tenta registrar o contrato. Há uma exigência, ao menos no Estado do Paraná, que se apresente, por exemplo, a Certidão Negativa de Débitos do INSS, por força do disposto no Código de Normas da Corregedoria-Geral de Justiça, segundo os titulares destas Serventias. Vale lembrar que este Código não pode se sobrepor à Lei.

E a Lei, atualmente, diz o contrário, em verdadeira harmonia com o programa de geração de emprego e renda. Houve uma época em que se proibia por completo as operações de crédito com instituições financeiras se a empresa tivesse dívidas com o INSS, conforme legislação brasileira (art. 257, V, da Lei 8.212/91), o que poderia justificar, de certo modo, a exigência da referida certidão.

Hodiernamente, até para que se cumpra o programa de geração de renda, essa determinação está abrandada, sob certa situação, e os instrumentos normativos, incluindo o Código de Normas da Corregedoria, devem se adaptar a isso.

Quais seriam, então, em matéria de restrição de créditos, as impossibilidades de se obter o financiamento e, consequentemente, registrar o contrato? O PROGER estabelece que os beneficiários não podem estar inseridos no CADIN, SPC e SERASA, tão somente.

Para entendermos um pouco mais, vale a pena uma incursão na Lei n.º 10.522/2002, que criou o CADIN, cadastro informativo de créditos não quitados do setor público federal, uma espécie de SPC do Governo, que estabeleceu o seguinte, resumindo, de certo modo, a idéia posta aqui em debate: “Art.4.º… § 1.º. No caso de operações de crédito contratadas por instituições financeiras, no âmbito de programas oficiais de apoio à microempresa e empresa de pequeno porte, ficam as mutuárias, no caso de não estarem inscritas no Cadin, dispensadas da apresentação, inclusive aos cartórios, quando do registro dos instrumentos de crédito e respectivas garantias, de quaisquer certidões exigidas em lei, decreto ou demais atos normativos, comprobatórias da quitação de quaisquer tributos e contribuições federais”.

Enfim, não se tem a pretensão, aqui, de esgotar todas as hipóteses de exigências ilegais, motivadas, muitas vezes, não por má-fé mas por singelo desconhecimento da legislação, que podem vir a comprometer o programa de geração de emprego e renda. Quer-se, na verdade, alertar os empresários dos seus direitos, para que não se curvem diante de qualquer situação que lhes pareça intimidatória, pois só assim se firmará uma consciência de respeito, valorização e progresso das microempresas e das empresas de pequeno porte.

Miguel Kalabaide

é advogado.

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