Os parlamentares federais (senadores e deputados) iniciaram em péssima hora o movimento reivindicatório por aumento de vencimentos. Querem equiparação com a remuneração de ministro do Supremo Tribunal Federal. Isto é, de pouco mais dos oito mil reais atualmente recebidos, querem pular para dezessete mil e qualquer coisa. Alegam, como sempre, a necessidade de remuneração à altura das altas funções que desempenham.

A reivindicação, justa e legítima, como diria o companheiro presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, esbarra num muro praticamente intransponível: o da vergonha, que separa os 50 milhões de famintos referidos no anúncio da prioridade primeira do futuro governo dos bem-nutridos deste País continental. O salário pretendido pelos representantes do povo no Planalto significa quase setenta vezes o salário mínimo de um trabalhador da planície, aí considerando-se já um salário mínimo de R$ 250,00. Num mês, um deputado federal estaria ganhando o que seu representado levaria mais de cinco anos e meio de suado trabalho de sol a sol.

Insistimos nesse contraste porque ele, na verdade, é bem maior. Não estão aí computados outros benefícios a que os parlamentares fazem jus, como passagens aéreas, cotas para correio, verba de representação e gabinete, cota para moradia em Brasília, para automóvel e gasolina e por aí afora. Sem falar em convocações extraordinárias, remuneradas sempre em dobro, e outras artimanhas conhecidas.

Voltemos à assertiva inicial. Dissemos que o movimento foi começado em péssimo momento. Ressalve-se que, para ter efeito já no próximo ano, o reajuste terá que ser decidido nesta legislatura. Do ponto de vista técnico, o momento, de fato, é agora. E os que foram “exonerados” pelos eleitores poderão até dizer que o fazem pensando nas elevadas funções, em completo desapego e desinteresse pessoal. O que queremos dizer é que a situação política do País não recomenda o encaminhar da discussão.

Primeiro porque se a prioridade é combater a fome, não é exatamente no Congresso que estão os famintos e desnutridos. Se o problema é encontrar recursos para prioridades nacionais, impeça-se o efeito cascata de uma medida dessas, que acabará tendo reflexos até no salário dos vereadores. O exemplo que vem de cima recomendará a todo e qualquer funcionário público ? de qualquer um dos três poderes – encher-se de direitos e sair pregando a greve por tempo indeterminado.

Não saberíamos julgar se é justo o parâmetro mencionado pelos reivindicantes deputados federais. Os ministros do STF ganham mais que o dobro de um político graduado, é verdade. Também não é fácil dizer se oito, quatorze ou dezessete mil reais (mais benefícios outros) é o quanto deveria caber de retribuição pelo trabalho de nossos congressistas. O que não se pode admitir ? e eles deveriam ser os primeiros a defender a causa – é, isto sim, essa brutal diferença entre o mínimo e o máximo, como se o País pudesse consolidar sem protesto uma espécie de cidadania de segunda classe. O Brasil tem outros problemas a resolver, mais urgentes que esse legislar em causa própria a que volta e meia se dão integrantes da classe política. Apela-se, pois, ao bom senso daqueles que ainda o cultivam.

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