Há quase 20 anos trazemos nas mentes e corações as memórias das discussões, debates e revoluções pela redemocratização brasileira desde os movimentos pela Anistia e Diretas Já até as lutas pelo fim das Ditaduras Latino-americanas.
Estes movimentos culminaram na consolidação de alguns dos muitos anseios populares através da síntese dos deveres daquele que, dali por diante, seria o novo meio para o monopólio do uso exclusivo da força – leia-se Estado – e qual a sua tarefa na tutela das liberdades coletivas e individuais, através de seu documento fundamental que foi então denominado Constituição Federal de 1988.
Dez anos antes, o Regime Militar aponta para abertura através do Presidente General Ernesto Geisel, quando da Emenda Constitucional n.º 11 que revogava o regime de exceção. Desta forma, as primeiras construções normativas que sinalizavam o retorno à Democracia remetem o período em que estavam deflagradas as mobilizações pela convocação da Assembléia Nacional Constituinte a partir de 1978.
Geisel deixa assinada a anistia e Figueiredo, vencedor na disputa com o candidato oposicionista Euler Bentes Monteiro, implementa o processo, ainda que contra a sua vontade, de acordo com relatos das reuniões internas daqueles que conviveram com este peculiar General.
É o período do retorno do exílio de grandes quadros de nosso cenário político que representaram o progressismo e a democracia como Fernando Henrique Cardoso, Leonel Brizola, Miguel Arraes, Waldir Pires entre outros.
O caminho era certo: Ulisses Guimarães, líder da oposição no bipartismo, ao lado dos Movimentos Sociais e dos anistiados, deflagram o Movimento das Diretas Já tendo entre seus interlocutores Teotônio Vilela, usineiro, ativista do denominado Arena 2, que intensamente trabalhou pelo resgate da dignidade dos presos políticos. Como ilustração na participação de setores da cultura, sociedade civil organizada e de expoentes do Direito, importante foram as participações do cartunista Henfil, do ex-presidente da OAB Raimundo Faoro e o publicista Seabra Fagundes.
As frustrações de todos vieram e desembocaram na falta de quorum para aprovação das Diretas, em 25 de abril de 1984.
Forma-se o Colégio Eleitoral, e Paulo Maluf representa o interesse daqueles que ainda mantinham acesas as intenções de prolongar o regime totalitário mas, nos ajustes pela abertura, capitaneados por Tacredo Neves, a formação da frente PFL/PMDB, ao lados dos demais partidos de centro e esquerda, impediram a sorte dos situacionistas. Era a hora da democracia.
Depois disso se assistiu embaixo da grande bandeira, a Morte de Tancredo Neves e a posse do Vice José Sarney que teve em seu governo, entre outras medidas, a manobra para não aprovação, embora projeto, da Lei Afonso Arinos, pelos ideários parlamentaristas que dela subjaciam.
Mas em seu mandato o Poder Constituinte foi formado, embora não Originário: eram os membros da Congresso Nacional existente e alguns "biônicos" responsáveis por parte dos ransos que nossa Constituição Federal manteve em seu texto final.
Das mãos de Ulisses Guimarães se proclamou a Constituição Federal de 5 de outubro de 1988. Sem dúvida, das demandas do Movimento Popular representada naquele momento pelo Partido dos Trabalhadores vieram as principais conquistas sociais.
O atual Presidente do Brasil também foi um Deputado Constituinte.
Mesmo assim, naquele momento muito do que era demanda popular ficou reprimida. Mas o Brasil foi capaz de inscrever na sua Carta Maior a possibilidade de transformá-las em reais e efetivas.
Os velhos ensinamentos da Academia foram retomados por grandes cientistas políticos que novamente propunham um modelo ampliado Estado: a sociedade política, composta pelas funções desempenhadas pela separação dos poderes, pela burocracia que fazia este Estado caminhar; a sociedade civil, composta pelos Sindicatos, Partidos Políticos, associações, imprensa, que através de categoria denominada esfera pública, considerada a caixa de ressonância, cuidaria daquilo que os próprios brasileiros elegeriam como interesse e reflexo das preocupações nacionais.
Aquele povo brasileiro possuía dentro de si um elemento que César Benjamin belamente (digo isso porque sua Teoria Político/Econômica além de tudo é pulverizada de beleza) denominou uma certa idéia de Brasil parafraseando o General Gaulle, certa idéia que guardava dentro de si de França.
Infelizmente, o fim da década de 90 (e o estudo deste período tem sido objeto de busca incessante dos estudiosos do Estado na atualidade) mostrou sinais de que esta certa idéia estava esquecida, perdida ou adormecida por uma espécie de torpor gerada pelos avassaladores efeitos da globalização. A certa idéia seria guardada em uma gaveta que nós mesmos perderíamos a chave.
Olhando para trás, saudoso como muitos garotos que viveram os anos 80 e 90, penso que nosso papel na atualidade, principalmente dos professores das disciplinas propedêuticas das Universidades Públicas e Privadas parece ser o de procurar e encontrar esta chave para o resgate da certa idéia de Brasil.
Se estiver mofada (a chave ou a idéia); rota (a idéia) enferrujada (a chave), ou somente empoeirada (ambas) nos cabe a limpeza, o cuidado, a costura. O retorno ao brilho do metal.
Guardada está, somente com chave perdida.
Por certo, perdida não está.
Paulo Ricardo Opuszka é advogado, professor de Teoria do Estado e Direito da Unicenp e mestrando e membro do Núcleo de Direito Cooperativo e Cidadania da UFPR.