Uma das concorrências mais disputadas já promovidas no Brasil, o Programa F-X, que prevê gastos de 700 milhões de dólares para suprir a Força Aérea Brasileira (FAB) com pelo menos 12 novos aviões de caça até 2005, trouxe a público um problema sério ao desenvolvimento tecnológico nacional – a transferência de tecnologia.

A escolha da empresa fabricante tem sido muito complexa, pois envolve transferência de tecnologia estratégica e vantagens comerciais em outras áreas. A empresa vencedora, além dos benefícios comerciais que proporcionará, necessita ter uma estrutura de qualidade para transferir convenientemente a tecnologia aplicada, portanto, não basta simplesmente entregar os aviões. Por isso que a capacidade de transferir tecnologia tem sido explorada pelos concorrentes.

Dentre eles, tem-se a Embraer (brasileira), a qual, anteriormente, quando a FAB lhe encomendou oito aviões-radares e de sensoriamento terrestre para o Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), provou ser boa na absorção de tecnologia e no seu emprego em outros projetos. Na fabricação desses aviões, a Embraer absorveu tecnologia de fornecedores estrangeiros, como a sueca Ericsson e a utilizou para gerar novos negócios (exportou os mesmos aviões do Sivam para a Grécia e recebeu encomenda do governo mexicano para outros).

De forma absolutamente contrária, o fabricante americano (caça Jas-39 Gripen, fabricado pelo consórcio anglo-sueco Bae/Saab, mas possuindo importantes componentes fabricados por empresas americanas) tem sido criticado por especialistas e concorrentes no sentido de que, mesmo sendo o equipamento ótimo, sabe-se que não se faz negócio militar com americanos esperando que eles ensinem alguma coisa. Em procedendo desta forma, a indústria americana, em caso de ser admitida pela FAB, estabelecerá a dependência brasileira nesse conhecimento tecnológico.

Por isso a importância, inclusive da sociedade nacional, participar ou no mínimo acompanhar o andamento das negociações, para que o País não corra o risco de deixar o desenvolvimento nacional à mercê de interesses políticos e diplomáticos parciais.

Os próprios oficiais da FAB já se pronunciaram favoráveis a que se dê prioridade à indústria nacional, ou seja, indiretamente, que se escolha a Embraer. Essas manifestações vêm em um momento de forte pressão, inclusive política, por parte dos Estados Unidos. O objetivo destes é afastar a escolha do caça Mirage 2000-5BR do consórcio entre a Embraer e a francesa Dassault.

Na realidade, a sistemática que deveria ser usada é a de parceria (conhecida pela expressão americana joint venture), em que a empresa estrangeira com conhecimento tecnológico transfere o seu conhecimento para empresa nacional, tendo em troca a exclusividade no fornecimento dos aviões por um período determinado. Por sua vez, a empresa nacional deve, posteriormente, dar aproveitamento ao conhecimento adquirido, não deixando que a relação comercial permaneça no status de tão somente uma compra e venda.

A responsabilidade pelo desenvolvimento tecnológico do Brasil fica em parte com o governo e em parte com a classe empresarial. Enquanto no Brasil batalha-se pela criação de consórcios de exportação, os quais servem para desonerar a internacionalização da produção, Estados Unidos, União Européia e Japão, estabelecem legislação facilitando a formação de consórcios de pesquisa e produção, nos quais as empresas pagam uma taxa para usufruírem dos resultados de pesquisadores, ou mesmo para terem desenvolvido um projeto específico de seu interesse.

Com isso, percebe-se que a iniciativa privada e o governo devem trabalhar conjuntamente, e modelos de sucesso existem além das fronteiras que podem ser adaptados ao Brasil. Só resta aguardar para ver o final da história da concorrência da FAB, lembrando que o país necessita de um setor privado com independência tecnológica para se tornar auto-sustentável.

Patrícia Carvalho é advogada em Curitiba e especialista em Direito Tributário.

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