Educação dos profissionais dos sistemas de justiça e segurança

Neste início de milênio a humanidade assiste perplexa uma sessão de fatos que a tem desnorteada quanto ao seu futuro. Se de um lado o homem acumula avanços científicos que poderiam assegurar a prosperidade da espécie humana, por outro se afirmam mecanismos de relações internacionais que aprofundam o fosso entre os mais ricos e os mais pobres.

Só se alcançará, nos dias atuais, uma sociedade organizada de maneira a maximizar as relações solidárias e participativas e não antagônicas de seus membros através da vivência e eficácia dos direitos humanos.

Nesta semana foi publicado em todos os jornais do País o Relatório da ONU sobre Direitos Humanos onde o Estado Brasileiro é citado como violento, racista e corrupto e que é um dos países que oferecem o mais grave quadro de violações dos direitos fundamentais. A brutalidade policial, o pior sistema carcerário das Américas, ataques injustificados aos setores mais vulneráveis da população como os camponeses, os menores destituídos, os encarcerados e os indígenas.

Diz o relatório que o Brasil avançou muito mas ainda deixa a desejar no oferecimento das garantias necessárias a setores importantes da população brasileira a fim de assegurar os seus direitos humanos seja por meio de suas instituições preventivas, de polícia e de justiça, seja por meio de esforços institucionais para minimizar a discriminatória desigualdade de oportunidades socioeconômicas e culturais. As desigualdades sociais devem ser eliminadas porque provocam situações de ilegalidade generalizada.

O Relatório critica o sistema judiciário brasileiro que sofre de lentidão, debilidade institucional, formalismos complexos e desnecessários, recomendando a simplificação e aceleramento dos procedimentos judiciais, a intensificação do Plano Nacional de Direitos Humanos, a resolução do problema do acesso à propriedade rural, a defesa efetiva dos direitos dos povos indígenas, a proteção efetiva das crianças em condições carentes e a ampliação de instituições na defesa das minorias.

Os direitos humanos devem ser respeitados em qualquer circunstância e é hipócrita quem entende que lutar por esses direitos equivale a defender bandidos pois todos honestos e criminosos têm direitos e obrigações.

Os direitos humanos se constituem em um patrimônio conquistado pela humanidade, são universais. Por ser uma conquista, são frutos das idéias comuns e se apresentam como um sistema de valores que são moldados ao longo do tempo, tendo portanto uma dimensão histórica.

Para que os direitos humanos sejam incorporados ao cotidiano dos cidadãos e cidadãs é necessário o investimento em educação. A educação é terreno próprio e fecundo para a promoção e irradiação da cultura dos direitos humanos. Por isso é importante a promoção da educação em direitos humanos desde a educação infantil até a universidade, abrangendo a educação formal e não-formal, considerando todos os recortes de diversidade de religião, raça, etnia, gênero, orientação sexual, deficiência e geração, com focos na formação de professores e professoras, com salários e condições de trabalho digno.

Deve contemplar a transversalidade das temáticas que consiste na abordagem de temas que não se incluem integralmente em uma única disciplina, mas perpassam todas e especificidade do processo pedagógico. A escola é lugar de discussão e de reflexão onde o aluno não precisa apenas de informação mas principalmente de formação. Para mudar a cultura nacional a educação deve incorporar os direitos humanos em todos os níveis, investir em pesquisas em direitos humanos e incluir em todo currículo escolar oficial esta temática.

Por essa razão e em atendimento a recomendações da Conferência Mundial de Direitos Humanos realizadas em Viena em 1993 foi elaborado o Programa Nacional de Direitos Humanos onde constava Propostas de Ações Governamentais sobre Educação e Cidadania como base para uma cultura de Direitos Humanos. Nessas Propostas, em curto prazo estava a de criar e fortalecer programas de educação com respeito aos direitos humanos nas escolas de primeiro, segundo e terceiro grau, através de temas transversais nas disciplinas curriculares.

O apoio à criação de desenvolvimento de programas de ensino e de pesquisa que tenham como tema central à educação em direitos humanos e o incentivo de campanha nacional permanente para ampliar a compreensão da sociedade brasileira sobre o valor da vida humana e a importância do respeito aos direitos humanos. Construído com bases nos objetivos atingidos pela Década das Nações Unidas para a Educação em Direitos Humanos (1995-2004) proclamada no Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos e visando avançar na implementação de programas de educação em direitos humanos em todos os setores e como compromisso do Estado para a concretização dos direitos fundamentais é que foi criado em 2006 o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, como política pública, onde se incorporou aspectos dos principais documentos internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário, agregando demandas antigas e contemporâneas de nossa sociedade pela efetivação da democracia, do desenvolvimento, da justiça social e pela construção de uma cultura de paz.

Nesse Plano a educação em direitos humanos é compreendida como um processo sistemático e multidimensional que orienta a formação do sujeito de direitos, articulando as seguintes dimensões:

Sendo a educação um meio privilegiado na promoção dos direitos humanos, cabe priorizar a formação de agentes públicos e sociais para atuar no campo formal e não-formal, abrangendo os sistemas de educação, saúde, comunicação e informação, justiça e segurança, mídia, entre outros. Desse modo, a educação é compreendida como um direito em si mesmo e um meio indispensável para o acesso a outros direitos. A educação ganha mais importância quando direcionada ao pleno desenvolvimento humano e às suas potencialidades, valorizando o respeito aos grupos socialmente excluídos.

Essa concepção de educação busca efetivar a cidadania plena para a construção de conhecimentos, o desenvolvimento de valores, atitudes e comportamentos, além da defesa sócio-ambiental e da justiça social. A educação contribui para criar uma cultura universal dos direitos humanos. Contribui para exercitar o respeito, a tolerância, a promoção e a valorização das diversidades (ético-racial, religiosa, cultural, geracional, territorial, físico-individual, de gênero, de orientação sexual, de nacionalidade, de opção política, dentre outras) e a solidariedade entre povos e nações. Também assegura a todas as pessoas o acesso à participação efetiva de uma sociedade livre.

Diz o Plano que a educação em direitos humanos, ao longo de todo o processo de redemocratização e de fortalecimento do regime democrático, tem buscado contribuir para dar sustentação às ações de promoção, proteção e defesa dos direitos humanos, e de reparação das violações.

A consciência sobre os direitos individuais, coletivos e difusos tem sido possível devido ao conjunto de ações de educação desenvolvidas, nessa perspectiva, pelos atores sociais e pelos agentes institucionais que incorporaram a promoção dos direitos humanos como principio e diretriz.

A Declaração de Durban de 2001 insta os Estados a desenvolverem e fortalecerem a capacitação em direitos humanos para servidores públicos, incluindo o pessoal da administração da justiça, particularmente os serviços de segurança, serviços penitenciários e de polícia. A Segurança é um direito que deve ser realizado de forma compatível com os outros direitos fundamentais e em observância às normas jurídicas estabelecidas pela comunidade. Mas o respeito às garantias mínimas que todas as pessoas devem ter asseguradas, não se baseiam apenas nas regras jurídicas, mas também na preservação da sua dignidade que constitui a essência do ser humano e lhe permite ser respeitado como tal por todos os demais.

Os suspeitos criminais e os presos comuns são as vítimas esquecidas de violações dos direitos humanos cometidos no Brasil. Sem serem vistos, trancados no interior das prisões permanecem esquecidos pelo público em geral diante do desprezo que muitos expressam por criminosos e suspeitos e servem para justificar o horrendo tratamento que recebem da Polícia. O slogan ?bandido bom é bandido morto? contraria os princípios fundamentais da Declaração Universal dos Direitos Humanos, pois todo ser humano tem direitos que não lhe podem ser subtraídos. Os criminosos condenados e os suspeitos criminais não perdem seus direitos humanos quando perdem a liberdade. Tem direitos a não serem espancados, torturados ou sofrerem maus-tratos da parte de policiais e guardas.

A sociedade brasileira tem interesse legítimo na redução da criminalidade, mas no atual estágio, o sistema prisional fracassa e inflige terríveis violações dos direitos humanos a todos aqueles que passam por suas engrenagens. As condições de detenção e prisão no Sistema Carcerário brasileiro violam os direitos humanos, provocando uma situação de constantes rebeliões onde na maioria dos casos os agentes do governo reagem com descaso, excessiva violência e descontrole. 95% dos presos brasileiros são indigentes, dos quais 97% são analfabetos ou semi-alfabetizados e a reincidência na população carcerária que hoje beira os 430 mil presos é de 85% demonstrando que as penitenciárias não estão desempenhando a função de reabilitação e ressocialização dos detentos.

O déficit penitenciário é de cerca de 200 mil vagas e nos estabelecimentos há falta de espaço, o amontoamento, a promiscuidade e a superpopulação é tamanha que o espaço físico destinado a cada preso, em muitos locais, é menos de sessenta centímetros. Os presos são amontoados, depositados, aviltados, violados, sacrificados e mal alimentados gerando este caldeirão de problemas rebeliões, justas diante das violações dos seus direitos fundamentais, que são completamente desrespeitadas pelo Estado que tem a obrigação de fazer respeitar aqueles direitos.

O agente penitenciário é uma categoria especial de servidor público tendo em vista que é ele o elemento principal na recuperação e ressocialização do apenado. No desempenho de suas tarefas, os agentes penitenciários devem respeitar e proteger a dignidade humana, bem como manter e defender os direitos humanos de todas as pessoas. Agentes penitenciários, muitas vezes tratam os presos de maneira desumana, cruel e prepotente, o que se traduz em torturas e corrupção. Isto se deve basicamente à falta de treinamento especializado desses funcionários no que diz respeito aos direitos humanos e ao tratamento do preso, alem da escassez e má remuneração dos funcionários.

O Sistema Penitenciário Brasileiro padece de falta crônica de agentes penitenciários, existindo, segundo o último censo penitenciário 11 presos para cada funcionário, quando a recomendação da ONU é que seja 3 presos por funcionário. Uma grande insuficiência de pessoal pode resultar na perda do controle da instituição pelas autoridades, o que expõe os internos à violência e intimidação por parte de outros presos. A insuficiência de pessoal torna mais provável o recurso ao uso excessivo e arbitrário de força, maus-tratos e tortura pelos guardas como forma de manter o controle. A importância de se administrarem às prisões em um contexto ético que respeite a humanidade de todas as pessoas envolvidas em uma unidade prisional; presos, servidores penitenciários e visitantes é essencial para a boa administração penitenciária.

As legislações não mudam comportamentos e os nossos legisladores funcionam como a maré dos oceanos, ora a favor ora contra, vislumbrando imediatismo, ausência de estratégia político-governamental e desinteresse político partidário, associado a interesses pessoais. Em dados momentos, de acordo com acontecimentos de cunho criminal, explorados na mídia, leis são aprovadas na ardência das emoções, desfigurando uma estratégia político-governamental. Em um momento aplaudimos institutos amenizadores do sistema punitivo, como a aplicação de alternativas penais, desafogadoras do sistema carcerário e em outros momentos, aplaudimos igualmente, na ardência das emoções, leis hediondas, que pregam um maior rigor nas punições, altos e baixos, o ir e vir, sem buscar a direção certa.

Buscamos esvaziar as celas dos cárceres com pacotes e medidas legislativas criando um verdadeiro caos, que resulta na certeza da impunidade, quando o ideal alcançado é a certeza da punição sem que seja esquecida a dignidade e o respeito aos direitos da pessoa humana. O Direito Penal por si, enquanto instrumento de combate à criminalidade, junto com a justiça criminal (Judiciário, Ministério Público e Advogados) não tem força para modificar o quadro atual. Os movimentos da Lei e da Ordem prometeram resultados e não cumpriram e nem vão cumprir os seus propósitos. Em verdade não fizeram mais do que fortalecer a instituição da prisão, retirando dos seus destinatários as garantias antes prometidas.

É ilusão pensar que penas mais severas e mais polícia reduzem a criminalidade. É preciso que a política criminal do Pais, seguindo o pensamento da nova defesa social, cuide de implementar não só a reforma das leis, mas principalmente a reforma das instituições públicas e de seus agentes que devem interagir, enquanto aparelhos de contenção na luta contra a criminalidade.

É tempo de briga, de ousar sentir, ousar refletir, ousar agir para recuperar o tempo perdido para assegurar o pleno respeito aos Direitos Humanos. É hora de ocupar posições, ampliando o campo de luta, pois é época de engrossar barreiras contra as violações dos direitos fundamentais. É momento de conscientização de todos e de união no sentido de transformar o mundo em uma ordem social justa, porque a violação praticada contra qualquer ser humano constitui um iminente libelo contra toda a humanidade.

Devemos todos ser arautos da esperança, para mudar esse mundo, para melhor, pois temos muito a realizar e pouco tempo a trabalhar. Dependerá de cada um de nós contribuir para a edificação de um mundo fraterno e solidário que seja algo mais palpável do que mera utopia. Só o direito pode torná-lo concreto e só a virtude pode humanizar o direito, restaurador da dignidade de cada criatura.

Pois esta vida só vale a pena ser vivida se marcada pelo sentimento do amor ao próximo, por interesse real quando à condição humana e voltada à realização de projetos nobres para o bem comum da humanidade. Esta é a luta de todos, esta é a bandeira que devemos empunhar para que no próximo Relatório da ONU o Estado Brasileiro seja reconhecido não mais como o maior violador dos direitos humanos e sim como o campeão de respeito a esses direitos.

Dalio Zippin Filho é advogado criminalista.

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