Os índices dos dois primeiros trimestres deste ano apontam que o País está em um processo de crescimento, seguindo as expectativas do governo. Essa afirmação foi feita ontem pelo ministro Jacques Wagner, secretário especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Ele esteve em Curitiba para um debate sobre a Retomada do Desenvolvimento, promovido pelo Sindicato da Indústria da Construção Civil do Paraná (Sinduscon).
De acordo com o ministro, o crescimento do Brasil está em curso, mas precisa ser sustentado. “Não adianta crescer em níveis bons e voltar rapidamente a índices menores. Precisamos de investimento para isso”, afirma Wagner. Ele conta que o desemprego caiu nos últimos meses e espera que haja “um volume mais encorpado esse ano”. Segundo o ministro, tudo aponta para que 2004 seja um ano mais generoso. “Estamos fazendo tudo o que é possível. Não tem como fazer milagres. Pelo menos o País está menos suscetível às condições internacionais. Um exemplo é o aumento do preço do petróleo. Se fosse em outro momento, já tinha desarrumado muita coisa”, avalia.
Para Wagner, dois setores da economia ainda não receberam benefícios desse crescimento: a alimentação e a construção civil. Ele comenta que a última é uma das indústrias que mais emprega no Brasil e, por isso, necessita de incentivo para sair da crise. No ano passado, a construção teve uma retração de 8,6%. “É preciso mais dinheiro no bolso do trabalhador e mais crédito para o setor. O ano de 2003, de maneira geral, fecharia bem melhor se não fosse esse índice negativo”, ressalta Wagner.
Ele destacou a aprovação, na noite de quinta-feira no Senado, do substitutivo ao projeto de lei que prevê a concessão de incentivos para a construção civil. A idéia é dar mais segurança jurídica para os mutuários e às próprias construtoras. “Havia um trauma nacional sobre o financiamento habitacional. A nova medida dá um avanço muito grande e o setor imobiliário vai começar a reagir. A construção civil é essencial para continuar a retomada do desenvolvimento”, indica Wagner. A proposta segue agora para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Carga tributária
Durante o debate, o presidente da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), Rodrigo Rocha Loures, levou ao ministro uma proposta para retirar todos os tributos das casas populares. Atualmente, do valor da construção, 44% são impostos. “Hoje há um déficit de 6 milhões de domicílios. Se essa medida entrar em vigor, teremos um benefício duplo. Mais casa para a população e mais emprego. É uma condição indispensável para a melhoria dos níveis sociais”, considera.
O presidente do Sinduscon, Ramon Andres Doria, conta que o desemprego na construção civil atinge altos índices no Paraná: cerca de 5,2 mil empregos com carteira assinada e 15 mil postos de trabalho indiretos foram extintos. “Precisamos ser ouvidos. O governo não pode olhar apenas para a balança comercial. A classe média, nossa maior consumidora, precisa readquirir a capacidade de compra. A nossa visão é simples: olhar para dentro. Acredito que o governo está demorando muito para tomar as devidas atitudes. Torço para que 2004 não seja um ano perdido”, declara.
Associação reclama de perda de direitos
O presidente da Associação Nacional dos Mutuários do PR e SC, Luiz Alberto Copetti, entende a aprovação, pelo Senado, do Projeto de Lei 3.065/04 de uma forma diferente do ministro Jacques Wagner. Segundo a entidade, o Senado mostrou extremo interesse em aprovar rapidamente o projeto de mais de 50 artigos, porque ele favorece em especial os bancos e incorporadoras. Já o mutuário terá a sua casa em nome do agente financeiro até quitar totalmente o imóvel. “A alienação fiduciária prevista neste projeto fará com que o consumidor lute por sua casa fora dela, já que o banco poderá reaver o imóvel rapidamente”, diz Copetti
Atualmente, o financiamento de imóveis é feito através da hipoteca. O mutuário registra a sua casa no cartório de registro de imóveis e detêm a sua posse. Na escritura consta que o imóvel está hipotecado. Já no financiamento por alienação fiduciária – que também é registrado em um cartório de registro de imóveis com escritura – há um contrato adicional em que consta o nome do banco com proprietário do imóvel e o mutuário apenas como usuário.
Uma das principais diferenças entre as duas formas de financiamento é nos casos de inadimplência. Se o projeto de lei for sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o mutuário terá menos tempo para procurar seus direitos e se defender na Justiça, pois o banco leva apenas 10 dias para ajuizar uma ação contra o consumidor e, com isso, recupera de forma mais rápida o imóvel. Já no regime atual de hipoteca, demora em média 90 dias para que o credor ajuíze uma ação contra o mutuário
Procedimentos
Na hipoteca, é preciso notificar duas vezes o consumidor de que suas parcelas estão em atraso e que podem ser ajuizadas. A notificação deve ser publicada em jornal. Ao todo, o procedimento demora em média 90 dias. Já na alienação fiduciária, o processo é muito mais ágil, pois são necessários apenas 10 dias, para que seja ajuizada uma ação contra o mutuário. Cabe ao banco apenas fazer uma notificação, independente se for positiva (o mutuário ter recebido pessoalmente) e publicá-la. “A aprovação do projeto, certamente, favorece os bancos, pois lhes oferece mais garantias.”
Outra desvantagem ao mutuário é que, durante a tramitação do processo na Justiça, pelo fato de o imóvel não estar em seu nome, há mais facilidades de o credor reaver o imóvel e vendê-lo, sem ter que promover juízo em leilão, como é feito atualmente. Hoje, para se recuperar um imóvel é preciso notificar o mutuário e publicar em jornal de maior circulação por três vezes, e após o credor deve entrar com uma ação de execução de hipoteca, em que cabe a defesa. Com o projeto, basta ao banco mudar o contrato no cartório de registro, transferindo em seu nome o direito também de uso do imóvel.
Escritura pública
Outra questão aprovada é a substituição da escritura pública pelo instrumento particular, contrato firmado entre o consumidor e a incorporadora. O presidente da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg-BR), Rogério Portugal Bacellar, esclarece que a substituição da escritura pública pelo instrumento particular é bastante prejudicial para os consumidores. Isso porque o projeto implica no fim da escritura pública como instrumento de segurança jurídica para todos os contratos com financiamento e alienação fiduciária. “As incorporadoras e os bancos têm departamentos jurídicos especializados em contratos, mas os mutuários, principalmente os de classes baixas, não têm condições de pagar um advogado para analisar artigos do contrato”, afirma.
Bacellar lembra que hoje esta assessoria é prestada pelo notário, que, além de analisar todas as cláusulas do documento, confere as certidões negativas e a procedência do imóvel, garantindo total segurança ao mutuário.
O presidente da entidade esclarece ainda que a Anoreg-BR não é contra o pacote do governo federal para incentivar a construção civil, nem contra o projeto como um todo. Segundo ele, algumas questões favorecem os mutuários, como a vinculação do pagamento das parcelas do imóvel ao patrimônio de cada empreendimento e não ao patrimônio da empresa construtora. “Estamos discutindo pontos específicos do projeto”, afirma.