Os poupadores levaram a melhor no mais recente capítulo da disputa entre bancos e poupadores que sofreram perdas com as mudanças dos planos econômicos nas décadas de 1980 e 1990.
No último dia 13, o ministro relator do caso no Superior Tribunal de Justiça (STJ) apresentou voto positivo para os correntistas de cadernetas de poupança prejudicados com mudanças nos planos econômicos Bresser, Verão e Collor. Pessoas que participam da negociação entre bancos, governo federal e representantes dos poupadores já estimam que o valor total de um acordo possa agora resultar em pagamento de R$ 18 a R$ 26 bilhões para os poupadores, um tanto acima dos R$ 11 bilhões estimados em julho.
A Frente Brasileira pelos Poupadores (Febrapo), que representa os correntistas das cadernetas, comemorou o posicionamento do ministro Raul Araújo, relator do processo, na 2ª Seção do STJ. Isso porque em seu voto, com 83 páginas, Araújo reconheceu a legitimidade das ações sobre os expurgos inflacionários e decidiu que os bancos devem ressarcir essas perdas, mesmo aos poupadores não filiados a associações à época da propositura da ação.
O voto favorável do relator no STJ fortalece os poupadores, que ganham peso na mesa de negociação perante os bancos em tentativa de acordo que está sendo mediada pela Advocacia-Geral da União (AGU). Com isso, pontos que ainda são incertos na negociação podem pender favoravelmente aos poupadores, como sobre parcelamentos dos pagamentos, descontos no valor total, multas e questões como o pagamento a herdeiros em caso de morte dos titulares das contas.
Ainda é incerto o prazo para um desfecho ao processo no STJ. Após Araújo proferir seu voto, o ministro Ricardo Villas Boas Cueva pediu vista e não há data para o tema voltar à pauta. Porém, os poupadores consideram que o voto foi “robusto”, com embasamento em outros casos já julgados e também na teoria do Direito para reconhecer a validade do pleito dos poupadores.
“Se tinha algum ministro que estava pensando em votar contra, agora terá de buscar muito embasamento. O relator enfrentou a fundo a questão da legitimidade. Pegou todos os processualistas que tratam do tema. Ele foi a fundo tanto na doutrina como na jurisprudência”, avalia o presidente de Febrapo, Estevan Pegoraro, que avalia que será difícil que outros ministros contraditem o voto do relator.
“O pedido de vista é normal em um julgamento dessa complexidade. O ministro Raul Araújo, para elaborar o voto com robustez e enriquecimento que trouxe ao caso, levou um bom tempo. Acho natural e até esperado que algum ministro pedisse vista para se aprofundar. Não sei quanto tempo o ministro vai demorar para liberar o voto, mas tenho absoluta certeza que é muito difícil os outros ministros não seguirem o relator”, afirmou Pegoraro.
Quem tem direito aos valores
Na defesa do interesse dos poupadores, a Febrapo argumentou que já há decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que não exigiu filiação prévia dos poupadores em ações civis públicas para terem direito em receber os valores perdidos nas mudanças dos planos econômicos. Esse é o argumento dos bancos, representados pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), para que seja reduzido o valor total que os bancos terão de devolver aos poupadores, pagando apenas àqueles que era afiliados a associações que ingressaram com ações por reparações quando as ações foram iniciadas na Justiça.
Também como forma de afastar entendimentos de que o ideal era aguardar que o STF decidisse sobre a necessidade de filiação a entidades, os poupadores apresentaram aos ministros vídeo com voto do ministro Marco Aurélio Mello em outra ação, na qual deixava claro que em casos de ação ordinária, e não ação civil pública, não seria necessária a associação a entidades para que o pleito fosse válido. A tese contrária era defendida pelos bancos, e tanto o voto do relator como a evidência de que ministro do STF já se pronunciou sobre o tema enfraqueceria a defesa dos bancos.
Voto do relator ajuda em acordo, avaliam poupadores
Enquanto o tema está sendo julgado no STJ e no STF, Febraban e Febrapo tentam um acordo, via AGU. Estão avançadas as tratativas e estima-se que um acordo possa sair ainda este ano. As reuniões de conciliação estão ocorrendo com frequência, mas haviam sido interrompidas quando o tema entrou na pauta do STJ.
“O fato do pedido de vista reabre a possibilidade de voltarmos a negociar um acordo na AGU. Com pedido de vista, pode-se reabrir possibilidade de remarcar reunião de acordo. Se ela for marcada para as próximas semanas, em mais algumas reuniões podemos ter o desfecho”, avalia Pegoraro.
A Segunda Seção so STJ se reúne duas vezes por mês – na segunda e na quarta quartas-feiras do mês. Mas é incerto quando o ministro que pediu vista pautará a sequência do julgamento.
Procurada, a Febraban afirmou que “não comenta o assunto”.