O veto da presidente Dilma Rousseff à correção de 6,5% da tabela do imposto de renda para pessoa física (IRPF) que havia sido aprovada pelo Congresso desagradou aos trabalhadores, mas deve ajudar a engordar o caixa do governo nestes primeiros meses do ano. Como ainda não existe uma nova lei para ajustar a tabela, continuam valendo os valores do ano passado.

continua após a publicidade

“Ao não atualizar a tabela, temos um ‘aumento inverso’ do imposto de renda”, comenta Antônio Teixeira Bacalhau, analista da IOB Sage, consultoria especializada em legislação tributária. “Enquanto não temos uma nova lei, o imposto de renda retido na fonte vai sendo recolhido com base nos valores de 2014. Isso pode se prorrogar por mais alguns meses, colaborando para reforçar o caixa do governo”, acrescenta. Nos últimos oito anos, a tabela foi corrigida em 4,5%, que é o centro da meta de inflação do Banco Central. Mesmo assim, como o IPCA tem ficado mais perto do teto da meta, de 6,5%, há uma defasagem nos ajustes do IRPF, estimada por alguns especialistas em mais de 60% nos últimos 20 anos.

Editada em meados do ano passado, a medida provisória 644 corrigia a tabela em 4,5%, mas perdeu validade no fim de agosto, em meio às discussões políticas às vésperas da eleição. Na ocasião, a Receita Federal estimava que a correção geraria uma perda de arrecadação de R$ 5,3 bilhões em 2015. Em dezembro, o Congresso aprovou a MP 656, com emenda de última hora que incluiu um reajuste de 6,5% na tabela do IR, mas Dilma vetou a proposta nesta terça-feira, 20. Conforme o governo alega na decisão publicada no Diário Oficial, a medida significaria renúncia de R$ 7 bilhões, ou seja, uma diferença de R$ 1,7 bilhão em relação ao que o governo estaria disposto a abrir mão.

Para João Luiz Mascolo, professor de economia do Insper, o veto à correção de 6,5% na tabela do IR é uma forma de o governo arrecadar mais, o que vai ao encontro das outras medidas anunciadas pela nova equipe econômica. “O que aconteceu nos últimos anos é uma deterioração da situação fiscal em função de um aumento de gastos, que agora se resolve aumentando impostos. Não é o ideal, mas a outra opção seria permitir uma alta da dívida pública, que colocaria em risco nosso rating no grau de investimento”, comenta.

continua após a publicidade

Os representantes dos trabalhadores, no entanto, não gostaram nada de ter de arcar com o ônus da nova política fiscal. Ricardo Patah, presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), diz que a medida prejudica o bolso dos empregados. “Após as mudanças nas pensões e benefícios de seguro-desemprego, essa é a segunda decepção que nós temos com a Dilma nesse novo mandato”, afirma. Segundo ele, essas medidas desgastam a relação com a classe sindical e não priorizam a defesa da população trabalhadora. “Por que eles não criam um imposto sobre grandes fortunas?”, questiona.

O presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Vagner Freitas, afirma que uma nova proposta do governo para corrigir o IR em 4,5%, como foi sinalizado ontem pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, seria positiva, já que corria-se o risco de a tabela ficar sem reajuste nenhum. “Nós havíamos solicitado uma correção para a inflação cheia, de 6,5%, mas o governo não atendeu a essa reivindicação. Mesmo assim, com tantas medidas regressivas que estamos vendo, esse 4,5% é até positivo”, opina.

continua após a publicidade

Superávit

A possibilidade de a atual tabela do IRPF ser prorrogada por alguns meses sem correção deve facilitar na tarefa do setor público consolidado de atingir um superávit de 1,2% do PIB este ano, algo em torno de R$ 66,3 bilhões. A meta do governo central é de R$ 55,3 bilhões, mas a União pode ser obrigada a compensar a parte de Estados e municípios, de R$ 11 bilhões.

Ontem, Levy anunciou uma série de medidas para impulsionar a arrecadação, em um pacote de R$ 20,63 bilhões. O governo elevou o IOF sobre operação de crédito para pessoa física, aumentou PIS-Cofins sobre importados, tributou distribuição de cosméticos e subiu os impostos que incidem sobre combustíveis. Juntando com a recomposição do IPI de automóveis, que deve render R$ 5 bilhões este ano, e as mudanças no seguro-desemprego, abono salarial e pensões do INSSS, que podem gerar economia de US$ 18 bilhões, o pacote total já se aproxima de R$ 43,6 bilhões. A administração também anunciou um bloqueio provisório de um terço dos gastos discricionários dos ministérios. Se fosse mantido até o fim do ano, poderia representar uma economia de R$ 22,7 bilhões.

Para Mascolo, do Insper, “não há dúvida” de que o governo vai atingir um superávit de 1,2% do PIB este ano. Na verdade, ele acha que Levy pode até surpreender, com um resultado ainda maior, perto de 1,4%. “Ele vai para o Fórum Econômico Mundial esta semana com um discurso bem diferente dos seus antecessores. Quanto mais rápido ele reconquistar a credibilidade, mais rápido isso se refletirá na confiança nos empresários e chegará na economia real”, comenta.