Em mais um dia de debates no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a relação entre motoristas e empresas de aplicativos, a Uber reafirmou sua posição contrária ao vínculo empregatício tradicional. Caroline Perônio Arioli, diretora jurídica da empresa no Brasil, declarou que o modelo de trabalho da plataforma “é incompatível com as obrigações de um vínculo de emprego como hoje está previsto na CLT”.
A audiência pública, conduzida pelo ministro Edson Fachin, busca esclarecer questões relacionadas ao Tema 1.291, que trata de um caso entre a Uber e um motorista do Rio de Janeiro. A decisão final terá repercussão geral, afetando todos os casos semelhantes no país.
Arioli argumentou que a Uber é uma empresa de tecnologia que revolucionou a mobilidade urbana, especialmente para as classes C, D e E. “Para esses indivíduos, os aplicativos são uma alternativa de mobilidade de qualidade mais acessível”, afirmou.
Debate acalorado
O segundo dia de audiência manteve o tom do primeiro, com opiniões divididas entre defensores do vínculo empregatício e aqueles que consideram a atividade autônoma. Os favoráveis à CLT apontam características como subordinação e habitualidade, enquanto os contrários destacam a flexibilidade de horários e ausência de chefia direta.
Gabriela Neves Delgado, professora da Universidade de Brasília (UnB), contestou a autodenominação da Uber como empresa de tecnologia, afirmando que sua atividade principal é o transporte de passageiros.
Já o professor Murilo Carvalho Sampaio, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), lembrou que a CLT já prevê trabalhos flexíveis. “As plataformas podem, se quiserem, promover o trabalho autônomo, mas isso precisa ser algo real e genuíno e não uma promessa falaciosa que não ecoa na realidade”, disse.
Impacto social e econômico
A Uber informou que mais de 5 milhões de brasileiros já atuaram como motoristas na plataforma, com repasses que ultrapassam R$ 140 bilhões. Uma pesquisa do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) revelou um aumento de 35% no número de motoristas entre 2022 e 2024, sendo a maioria homens pretos e pardos, de 20 a 50 anos, com ensino médio completo.
Contudo, representantes de associações de motoristas alertaram para condições de trabalho extenuantes. Gustavo Ramos, da Associação dos Trabalhadores por Aplicativo e Motociclistas do DF e entorno (Atam-DF), afirmou que mais de 55% dos motoristas trabalham todos os dias da semana, recebendo em média apenas dois salários mínimos.
Próximos passos
Com o encerramento das audiências, o setor aguarda ansiosamente a decisão do STF, que poderá pacificar mais de 10 mil processos em andamento na Justiça. O ministro Fachin ressaltou a importância desses debates para uma decisão mais legítima e cuidadosa.
A Uber, em nota, considerou a audiência pública “um fórum importante para debater o trabalho intermediado por plataformas e fornecer à corte subsídios visando uma definição clara sobre a natureza jurídica da atividade”.
Enquanto isso, no Congresso Nacional, tramita um projeto de lei do governo Lula que propõe a criação de uma nova categoria de trabalhadores: “motorista de aplicativo de veículo de quatro rodas”. A proposta, no entanto, não inclui motoentregadores, deixando em aberto questões sobre a regulamentação desse segmento.