São Paulo – Os preços de pães, massas e biscoitos sobem no varejo do Brasil, ao contrário do que acontece no atacado, onde o trigo em grão cai há três meses consecutivos. Apesar de os preços da matéria-prima da farinha seguirem pressionados pela oferta superior à demanda, economistas consultados pelo Broadcast, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado, dizem que o consumidor ainda continuará a pagar caro pelos derivados do cereal.

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O que limita o repasse da queda dos preços do grão para o varejo é a depreciação cambial. O dólar tem oscilado bastante desde o início de janeiro, mas em um ano acumula alta de mais de 20%. Além disso, há outros custos, como mão de obra, a considerar e a demanda por alimentos segue aquecida.

Dados da Fundação Getulio Vargas (FGV) mostram que o preço do trigo no atacado cai, seguidamente, desde novembro, com quedas de 9,06% no penúltimo mês de 2013, 8,96% em dezembro e 2,85% em janeiro, no âmbito do Índice Geral de Preços-Mercado (IGP-M), que mede boa parte da inflação ao produtor. No acumulado em 12 meses até janeiro, o trigo em grão acumula alta de apenas 1,07%.

O aumento de 1,07% do cereal no atacado destoa, significativamente, da alta de um dos derivados dos trigos mais consumidos no País: o pão francês. Só em janeiro, o pãozinho subiu 1,10% e acumula uma alta de 14,78% em 12 meses terminados em no mês passado no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado nesta sexta-feira, 7, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S), o pão francês acumula uma alta ainda maior em 12 meses até janeiro, de 16,07%, de acordo com dados enviados pelo coordenador do indicador, o economista Paulo Picchetti.

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Segundo o analista Étore Sanchez, da LCA Consultores, grande parte do encarecimento do pão francês no varejo está atrelada ao dólar, que segue com tendência de aceleração. Sanchez relembra que, quando o trigo começou a cair no mercado brasileiro, o câmbio passou a se depreciar mais. “Como o Brasil não é autossuficiente em trigo, tem de importar. Por isso, essa sensibilidade dos preços ao dólar”, avaliou.

A demora no repasse da queda vista no atacado para o varejo intriga o superintendente adjunto de Inflação do Instituto de Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV, Salomão Quadros. “Não há uma explicação muito fácil e convincente na parte dos derivados do trigo. A matéria-prima caiu muito e registra pelo menos três meses consecutivos de baixa no IPA (Índice de Preços ao Produtor Amplo, do IGP-M). Só que quando olhamos o IPC (Índice de Preços ao Consumidor) é como se nada tivesse acontecido”, afirmou.

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Além do avanço nos preços do pão francês, outros derivados do trigo também estão registrando altas expressivas no varejo, na contramão da queda da matéria-prima no atacado. De acordo com a FGV, a farinha de trigo subiu 0,30% em janeiro, mas tem ganhos acumulados de 25,82% até o mês em questão. O macarrão, que avançou 0,73% no primeiro mês do ano, acumula alta de 16,25% até janeiro. Já os biscoitos têm elevação mensal de apenas 0,09%, mas de 11,93% no acumulado em 12 meses terminados em janeiro. “É verdade que o trigo subiu muito ao longo do ano, mas os derivados subiram muito mais”, disse Quadros.

Apesar de também refletirem o comportamento do mercado doméstico, como os custos dos moinhos, os preços do cereal “de alguma forma” também têm de acompanhar o desempenho do exterior, diz o economista da FGV. Portanto, ele acredita que o repasse ainda poderá atingir o varejo. “Se tudo estiver funcionando dentro da normalidade, vai desacelerar. Vamos dar o benefício da dúvida e esperar mais alguns dois meses”, analisou.

O economista Pedro Ramos, do Banco Sicredi, também ressalva que o processo de repasse, nesse caso, deve demorar para acontecer, pois o mercado de trigo tem características peculiares, como tributação especial e o próprio fato de o Brasil ter de importar o produto de outros países. Outro ponto, disse, é que os preços no atacado tendem a oscilar mais, enquanto no varejo o comportamento é um pouco mais rígido. “Quando o processo sofre influência da oscilação cambial, tende a demorar um pouco mais. É normal. Mais cedo ou mais tarde o repasse poderá acontecer, mas têm outras questões por trás”, disse, ao referir-se ao mercado de trabalho, que continua aquecido e manter a demanda em alta.

Ramos ainda acrescentou a teoria do custo de menu pode explicar em parte o não repasse da queda do atacado para os preços ao consumidor. A teoria, disse, leva em conta o fato de quem existem custos para modificar os preços nas tabelas e isso poderá criar rigidez na passagem de preços.

Estoques

Outro ponto destacado pelo diretor presidente do Moinho Pacífico, Lawrence Pih, são os estoques, já que a indústria faz compras da matéria-prima para os próximos meses sem saber ao certo como estará o preço do produto à frente. “É mais lento, mesmo porque tem o efeito do estoque, que é muito importante. Se aumentou a farinha, nem sempre o varejo está utilizando um produto com preço novo. Portanto, o aumento tende a vir dosado”, explicou, acrescentando que o fator câmbio também tem participação relevante nessa conta. Segundo Lawrence Pih, o cenário para o setor é positivo, dada a expectativa de safra recorde no mundo este ano. O diretor, porém, faz uma ressalva: “Desde que o dólar não suba mais.”

Embora também considere normal o repasse da queda nos preços do trigo no atacado para o varejo, o analista Arthur Viário, da Tendências Consultoria Integrada, afirma que o dólar elevado pode limitar “um pouco” o efeito da baixa para os preços ao consumidor. Segundo ele, à medida que for aumentando a disponibilidade do trigo da Argentina, os preços dos derivados do cereal podem diminuir ao consumidor, mas a expectativa de elevação do dólar em relação ao real tende a “amenizar” esse efeito. “Talvez os preços desacelerem, mas ainda deverão continuar em patamares elevados”, estimou.