Mais bem pago gestor de fundos de hedge dos Estados Unidos, David Tepper ganhou no ano passado US$ 3,5 bilhões, valor que grande parte dos americanos só conseguiria receber se vivesse 68 mil anos, considerando a renda média de US$ 51 mil em 2013. A fortuna dá a ele uma cadeira cativa no cada vez mais próspero 1%, cuja distância dos restantes 99% é crescente.
O abismo ajuda a explicar por que um livro sobre desigualdade escrito por um até agora não célebre economista francês se tornou um best-seller instantâneo no país capitalista por excelência. O nome de Thomas Piketty frequenta colunas de jornais, debates na academia, talk shows e discussões em mesas de bares e restaurantes.
Seu livro O Capital no Século 21 é o terceiro entre os mais vendidos na categoria de não ficção da lista do New York Times e aparece em segundo nos best-sellers da Amazon, uma façanha surpreendente para um tratado de economia de 696 páginas.
Com título inspirado no clássico O Capital, de Karl Marx, o calhamaço sustenta que a riqueza no século atual será cada vez mais concentrada nas mãos de poucos, com impactos nefastos sobre o funcionamento de democracias representativas.
“Quando a taxa de retorno sobre o capital excede a taxa de crescimento da produção e da renda, como ocorreu no século 19 e provavelmente ocorrerá de novo no 21, o capitalismo automaticamente gera desigualdades arbitrárias e insustentáveis, que corroem os valores da meritocracia nos quais as sociedades democráticas são baseadas”, escreve Piketty.
Esse processo pode ser evitado com políticas públicas redistributivas, que implicam o radical aumento da tributação sobre os que estão no topo da pirâmide de renda, diz o francês. Segundo ele, a prática não é inédita e vigorou na maioria dos países desenvolvidos durante quase a metade do século 20, coincidindo com o período de menor concentração e desigualdade.
Nos Estados Unidos, a tributação sobre a faixa de renda mais elevada subiu de maneira drástica depois da Grande Depressão de 1929 e registrou uma média de 81% entre 1932 e 1980. A partir daí, caiu abruptamente e chegou a 28% em 1986, na onda neoliberal do governo de Ronald Reagan (1981-1989), que também promoveu a desregulamentação da economia e dos mercados. A alíquota subiu um pouco nos anos seguintes e, segundo Piketty, oscilou entre 30% e 40% entre 1980 e 2010.
A curva da concentração de renda traçou uma trajetória inversa. No fim dos anos 20, os 10% mais ricos detinham 50% da renda nacional. O porcentual caiu a 45% na década de 30 e se reduziu de maneira acentuada na seguinte, para cerca de 35%, nível mantido até o início dos anos 80. Depois disso, a concentração nas mãos dos 10% mais ricos aumentou de maneira constante e hoje está próxima dos 50% do início do século 20.
As estatísticas reunidas por Piketty mostram que movimento semelhante ocorreu em outros países desenvolvidos, nos quais os ricos passaram a se beneficiar de uma tributação regressiva: quanto mais alto estiverem na pirâmide de renda, menor a alíquota efetiva a que estão sujeitos. Em grande medida, isso reflete o tratamento mais benéfico dado ao rendimento obtido do capital do que ao ganho com o trabalho.
Regra Buffet. Terceiro homem mais rico do mundo, com US$ 65,2 bilhões de acordo com a revista Forbes, o investidor Warren Buffett disse no ano passado que pagaria proporcionalmente menos impostos do que sua secretária e todos os demais funcionários de seu escritório. Isso apesar de a alíquota sobre ganhos de capital ter sido elevada de 15% para 20%.
O bilionário se transformou em um dos maiores defensores do aumento da tributação sobre os mais ricos, a ponto de a proposta passar a ser conhecida como “A Regra Buffett”. O presidente Barack Obama a encampou e propôs que milionários e bilionários paguem no mínimo 30% de impostos – enquanto os ganhos de capital pagam 20%, a alíquota máxima do Imposto de Renda é de 39,6%.
David Tepper, o bilionário citado no início, é o líder no ranking dos 25 gestores de fundos de hedge mais bem pagos dos Estados Unidos, elaborado há 13 anos pelo site setorial Institutional Investor’s Alpha. O grupo faturou US$ 21,15 bilhões em 2013, valor que supera os US$ 15 bilhões que o Brasil deverá gastar com a Copa do Mundo.
O fato de que eles desempenham uma profissão que a maioria esmagadora da população teria dificuldade em descrever revela o peso desproporcional que o sistema financeiro passou a ter na economia nas últimas três décadas. Esses gestores atuam em um mercado pouco regulado e realizam investimentos agressivos, dos quais se espera rendimento mais elevado.
O livro de Piketty foi recebido com desdém pelo Partido Republicano e conservadores americanos, que se opõem a qualquer tentativa de aumento de impostos. Muitos atacaram o economista francês por sua proposta de criação de um imposto global sobre o capital, ideia que ele próprio vê como utópica.
Apesar disso, Piketty acredita que é possível avançar nessa direção, com adoção do tributo em âmbito regional. Sua função seria menos de geração de receita e mais de regulação do sistema financeiro e de fornecimento de informações sobre a riqueza de cada um. “Esse tributo abriria o caminho para evitar uma interminável espiral de desigualdade”, diz o economista.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.