Brasília (AG) – A Receita Federal está de olho nas transações financeiras com cartões de crédito de 325 mil contribuintes, que juntos – entre valores pagos e recebidos -movimentaram ano passado R$ 50,8 bilhões. O Fisco, numa operação inédita, selecionou todas as pessoas que gastaram acima de R$ 5 mil por mês em 2003 e os estabelecimentos comerciais que receberam pagamentos acima de R$ 10 mil mensais. Com base nessas informações, recebidas de bancos e administradoras, a Receita já encontrou casos de escandalizar qualquer auditor.
Há desde contribuintes sem CPF com faturas na casa do meio milhão de reais, a empresas que se dizem de pequeno porte com recebimentos milionários. “Esses dados são mais um elemento para saber se as pessoas estão utilizando mais ferramentas para não pagar impostos”, afirma o coordenador de Fiscalização da Receita, Marcelo Fisch.
Estão sendo analisados os pagamentos feitos com cartões de crédito por 244 mil pessoas físicas no valor de R$ 6,2 bilhões e os recursos recebidos de administradoras por 81 mil estabelecimentos comerciais no valor de R$ 44,6 bilhões. Os técnicos da Receita fizeram o cruzamento dessas informações com as declarações de renda dos contribuintes para checar se há discrepâncias.
Uma análise preliminar -a primeira feita com base na movimentação de cartões de crédito – já mostra vários candidatos a procedimentos de fiscalização. Um contribuinte que se declarou isento, ou seja, uma pessoa que supostamente teve rendimentos tributáveis de no máximo R$ 12.696 num ano, pagou R$ 740 mil com cartão de crédito em 2003. Já outro que estava com o Cadastro da Pessoa Física (CPF) cancelado – o que ocorre quando o contribuinte não entrega sua declaração de renda à Receita durante dois anos – pagou R$ 490 mil no cartão durante o ano passado.
Um caso que também chamou a atenção dos técnicos da Receita foi o de um contribuinte que não teve movimentação financeira declarada por bancos, mas gastou R$ 630 mil ao longo do ano com cartões. Isso significa que nenhum centavo desta pessoa passou por bancos antes de ser utilizado para o pagamento da fatura média de R$ 52,5 mil por mês.
Pessoas jurídicas
No caso das pessoas jurídicas, a Receita também encontrou movimentações suspeitas. Uma empresa que declarou Imposto de Renda pelo regime do Simples – um benefício tributário utilizado por micro e pequenas empresas com faturamento bruto anual de até R$ 1,2 milhão – recebeu só das administradoras de cartão um volume de R$ 6,7 milhões em 2003. Esse também foi o caso de uma empresa que recebeu R$ 4,7 milhões no ano passado.
Já outra pessoa jurídica não entregou sua declaração de renda ao Fisco, embora tenha recebido das administradoras R$ 2,8 milhões por vendas feitas por cartões de crédito em 2003.
A análise da movimentação de cartões de crédito mostra ainda que 30 pessoas físicas fizeram pagamentos acima de R$ 1 milhão no ano passado. Outras 180 pagaram entre R$ 500 mil e R$ 1 milhão no mesmo período. Na faixa de gastos de R$ 10 mil a R$ 50 mil estão mais 110 mil contribuintes.
A Receita também descobriu que entre as 244 mil pessoas físicas investigadas, quatro mil não apresentaram declaração de renda em 2003, enquanto outras cinco mil se declararam isentas do pagamento de impostos. O grupo com o CPF cancelado na base de dados do Fisco chega a 1.100 pessoas.
No caso das 81 mil pessoas jurídicas investigadas, 40 mil declararam renda pelo regime do Simples. O problema é que, nesse grupo, 470 estabelecimentos receberam das administradoras de cartão de crédito mais de R$ 1 milhão em 2003. Os dados também mostram 125 pessoas jurídicas na situação de inaptas. Essa classificação é dada a empresas que não declaram renda durante anos, são inexistentes ou não foram localizadas. Também chama a atenção o número de pessoas jurídicas que não entregaram declaração à Receita no ano passado: 1.774.
Acesso a movimentações
Rio (AG) – Em outubro do ano passado, a Receita Federal passou a ter acesso a movimentações financeiras de contribuintes feitas com cartões de crédito. Todos os gastos de pessoas físicas acima de R$ 5 mil mensais e as receitas das empresas com vendas no cartão acima de R$ 10 mil por mês passaram a ser informados pelas administradoras, semestralmente, ao Fisco, por meio da chamada Declaração de Operações com Cartões de Crédito (Decred).
Na época, a Receita estimava que as transações com cartões de crédito no Brasil chegavam a R$ 200 bilhões por ano, ou cerca de 20% do Produto Interno Bruto (PIB). A medida polêmica, sobretudo em relação à invasão de privacidade, envolvia o cruzamento das informações da Decred com dados do Imposto de Renda, da CPMF, de transações com imóveis, veículos, embarcações e aeronaves. O alvo era pegar os contribuintes que movimentavam mais do que declaravam ao Leão.
Delegacias regionais vão fiscalizar suspeitas
Segundo o coordenador de Fiscalização da Receita, Marcelo Fisch, o Fisco vai agora adotar procedimentos de fiscalização nas movimentações financeiras suspeitas. Ele explicou que as delegacias regionais da Receita já estão recebendo as informações e os casos mais discrepantes vão ser os primeiros da lista.
“Os procedimentos de fiscalização vão começar agora no segundo semestre de 2004 para aqueles casos que mais chamam a atenção”, disse Fisch.
Os demais casos vão ser analisados ao longo de 2005. O coordenador explicou que a entrega de informações sobre a movimentação financeira dos contribuintes com cartões de crédito foi determinada por um decreto de julho de 2003. A idéia era saber se os gastos dos consumidores são compatíveis com seus rendimentos e ajudar a Receita a fechar ainda mais o cerco aos sonegadores.
Outro instrumento usado pela Receita é o cruzamento dos dados da movimentação financeira da CPMF com as declarações de Imposto de Renda. Só no primeiro semestre de 2004, as autuações chegaram a R$ 16,36 bilhões em mais de 25 mil ações de fiscalização. Foram autuadas 4.487 empresas em R$ 14,995 bilhões. Já o número de pessoas físicas chegou a 21.509, com autuações de R$ 1,364 bilhão.