O mês de março não foi de notícias muito boas a respeito da terceirização. Primeiro, a rede varejista Marisa foi autuada pelo Ministério do Trabalho de São Paulo, que encontrou funcionários estrangeiros em condições consideradas análogas à escravidão trabalhando em prestadoras de serviço.
Uma semana depois, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) divulgou pesquisa feita no setor elétrico, que concluiu que há maior risco de morte associado ao segmento terceirizado da força de trabalho.
Os fatos mostraram que a forma de prestação de serviços, permitida em serviços de vigilância e de conservação e limpeza, mas controversa em outras atividades, precisa ainda de amadurecimento no País.
Atualmente, apenas o caso dos vigilantes é regido por lei (de número 7.102, de 1983). Apenas recentemente, o Ministério do Trabalho elaborou um já polêmico projeto de lei sobre o assunto, que ainda tramita no Executivo.
Basicamente, os limites da terceirização estão estabelecidos pelo enunciado 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST). O dispositivo reforça, por exemplo, que a contratação de serviços de vigilância é permitida, assim como de serviços de conservação e limpeza e outros especializados, desde que não ligados à atividade-fim da empresa contratante. Não pode haver, ainda, pessoalidade e subordinação direta.
De acordo com a advogada Carina Pavan, do Escritório Katzwinkel e Advogados Associados, as atividades-fim são as que fazem parte do objeto principal da empresa. Já atividades-meio são as funções de apoio ou acessórias.
Entre elas, Pavan exemplifica o departamento pessoal, a contabilidade, alimentação e transporte de funcionários, entre várias outras. “Uma empresa de vendas não pode, por exemplo, terceirizar as vendas”, ilustra.
Para a advogada, além de cuidar para que a atividade principal da empresa não seja terceirizada, é bom também tomar cuidado em relação às companhias que serão contratadas.
“É bom pesquisar se a empresa é idônea, paga os empregados e os tributos em dia”, recomenda. Ela lembra que a contratante pode exigir, no contrato, que a contratada comprove periodicamente que está em dia com suas obrigações, sob pena de não receber o que lhe é devido.
Irregularidades
Mesmo assim, segundo Pavan, o número de empresas que vem terceirizando serviços que, a princípio, não poderia delegar a outras companhias, vem aumentando. Ela atribui o fato principalmente aos altos encargos trabalhistas que incidem sobre as corporações.
É comum, por exemplo, que pessoas titulares de firmas individuais trabalhem no local da empresa contratante, subordinadas a chefes e a horários. A prática é um chamariz para fiscais, sindicatos e advogados trabalhistas de empregados.
Os processos, nesses casos, fatalmente apontam vínculo de trabalho. “Os próprios fiscais podem declarar o vínculo, mesmo sem que os empregados tenham reclamado”, ressalta Pavan.
Caso o vínculo seja constatado, resta à empresa contratante pagar ao agora empregado verbas trabalhistas como férias, décimo-terceiro e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
São devidas, ainda, contribuições ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), ou mesmo multa, cujo valor vai depender de fatores como o número de empregados, faturamento da empresa e eventual reincidência.
Tolerância
A economia nos tributos, no entanto, pode ser legal, caso as atividades terceirizadas estejam entre as permitidas, ou toleradas pela Justiça do Trabalho. Além disso, lembra Pavan, terceirizar permite às empresas focarem nos trabalhos que interessam mais a ela.
Caso essa escolha seja feita, a advogada recomenda principalmente que as empresas evitem criar subordinação. Não se deve fazer, por exemplo, controle de horas trabalhadas o prestad,or pode apenas ser obrigado a cumprir prazos e não devem haver ordens diretas.
A prestação de contas, por meio de relatórios, é recomendada. E pedidos de serviço ou reclamações podem ser feitas por meio de memorandos direcionados à empresa contratada. “O principal é respeitar o contrato de prestação de serviços”, conclui Pavan.
Setor de alimentação é um dos que deram certo
Apesar dos riscos de se contratar serviços terceirizados em certas atividades, são comuns os casos em que esta modalidade de contratação mais ajuda do que atrapalha as empresas.
Um exemplo está na alimentação: cada vez mais as companhias, para não se preocuparem com as refeições dos funcionários, delegam a terceiros o serviço, que cresceu quase 10% no Brasil, no ano passado.
De acordo com o gerente de Marketing da Exal, Flávio Charles dos Santos, vários fatores pesam a favor da terceirização nesse segmento. “O primeiro é a redução de custos”, diz.
Além de já manterem um sistema de logística otimizado, as empresas do ramo compram insumos em grande quantidade, para atender todas as unidades que mantêm dentro de outras companhias. Assim, compram melhor e mais barato.
Outro fator, para Santos, é a tranquilidade na gestão dos restaurantes. “Nós definimos os cardápios, as compras, a gestão de pessoas”, afirma. Isso impacta em setores da contratante como o de Recursos Humanos e o de Suprimentos, por exemplo.
“Além disso, podemos ter restaurantes diferentes a cada dois ou três anos, para não cair na rotina, e agregar outros serviços como programas de qualidade de vida”, completa.
Com tantos pontos a favor, os clientes de empresas terceirizadas ganham mais tempo para se dedicarem aos seus negócios, frisa Santos. “Esse é o nosso negócio, é aquilo que nos dedicamos a fazer”, diz.
Necessidade
Nem só serviços distantes da atividade-fim das empresas podem ser terceirizados com segurança. Na Editora Positivo, por exemplo, boa parte dos serviços de ilustração e revisão são feitos por terceiros, contratados de acordo com a necessidade. Segundo o diretor editorial da empresa, Joseph Razouk Júnior, contratando dessa forma a companhia ganha em diversidade na escolha de profissionais.
“No caso da ilustração, existem centenas de estilos diferentes de traço, e não tenho como ter todos os ilustradores aqui. Assim, eles são contratados de acordo com a demanda”, diz.
Para ele, dessa forma a empresa também conhece mais profissionais, já que o giro é maior. “Se, eventualmente, precisarmos contratar alguém [como funcionário], são eles que a gente vai buscar”, afirma.
Razouk explica que, para ter mais segurança jurídica, é feito contrato por trabalho e é definido um cronograma para a entrega dos serviços. “Finalizada a entrega, finaliza também o contrato”, conta, lembrando que os profissionais não trabalham nas dependências da empresa, mas em seus próprios escritórios.
Outro ponto que, de acordo com Razouk, evita problemas, é o respeito aos profissionais. “Muitas vezes, as pessoas solicitam algo juridicamente porque não foram respeitadas do ponto de vista ético”, nota. (HM)