O número 11 da Avenida da Liberdade no centro de Lisboa é um dos 640 endereços do Banco Espírito Santo em Portugal. Na tarde da última sexta-feira, o movimento era grande. Ricardo, dono um pequeno restaurante, tirava dúvidas com o gerente. O empresário de 36 anos decidiu visitar a agência horas antes, quando leu sobre a crise da instituição no jornal. Ele faz parte do crescente grupo de clientes preocupados com a saúde do maior banco privado português. Funcionários, políticos e o Banco Central dizem que não há motivos para preocupação. Muitos depositantes, porém, estão com a pulga atrás da orelha e cresce o debate sobre a necessidade de um socorro do governo.

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Quando Ricardo explicou sua preocupação em manter o dinheiro no Banco Espírito Santo, a resposta veio rapidamente. “Os problemas são apenas na área não-financeira. Os negócios do banco vão bem. Não se preocupe. Se for necessário, o grupo certamente venderá empresas que estão dando problema”, explicou o solícito gerente. Os argumentos demoveram temporariamente o empresário da intenção de trocar de banco para proteger a poupança. “Por enquanto, ele me convenceu. As empresas é que estão com problemas”, repetiu.

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O empresário não é o único e há clima de cautela crescente entre clientes. O principal medo é que a crise avance sobre as contas do banco a exemplo do que aconteceu no escândalo com o Banco Português de Negócios. Em 2008, irregularidades na gestão criaram um rombo de quase ? 1 bilhão que culminou na prisão de diretores e na estatização do BPN. O caso ainda está vivo na memória dos portugueses.

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Na agência da Avenida da Liberdade, as explicações dadas pelo gerente não são totalmente equivocadas. Pelo que se sabe até agora, o banco realmente não é a raiz dos problemas. A auditoria que registrou “irregularidades relevantes” e acusou “situação financeira grave” foi direcionada à holding Espírito Santo International (ESI). O que o gerente não diz é que, no intrincado organograma do grupo, a ESI é o principal investidor da Espírito Santo Financial Group (ESFG) que, por sua vez, é a principal acionista do Banco Espírito Santo (BES). Tudo isso é parte do Grupo Espírito Santo (GES). Nessa sopa de letrinhas, pode haver contaminação em cascata.

Subsidiárias

Mais preocupante até que a influência acionária é o futuro dos empréstimos concedidos às empresas do GES. Segundo o próprio BES, o banco tem ? 1,4 bilhão a receber das subsidiárias do grupo, como a empresa de investimentos não-financeiros Rioforte, filiais no exterior e a seguradora Tranquilidade. Incentivados por gerentes e analistas de investimento, pequenos poupadores do varejo investiram outros ? 805 milhões nas mesmas companhias e investidores institucionais alocaram ? 2 bilhões.

No meio dessa complexa teia de participações acionárias e financiamentos mútuos, a operadora Portugal Telecom (que está em processo de fusão com a brasileira Oi) investiu ? 897 milhões na Rioforte. O empréstimo vence nesta semana e há dúvidas se o compromisso será honrado. O Grupo Espírito Santo é um dos maiores acionistas da PT Telecom e possui atualmente 10,05% das ações da operadora portuguesa. A PT Telecom, por sua vez, tem 2,1% do capital do banco.

Apesar dos esclarecimentos prestados pelo banco sobre a dívida com o próprio grupo, alguns analistas questionam a precisão dos números e avaliam que a exposição da instituição financeira poderia ser maior que as cifras. Esse questionamento acontece em meio à queda da credibilidade do BES gerada pela piora das notas de risco do grupo, pressão dos investidores através da queda de 36% das ações do banco e a contaminação para outros mercados.

Liquidez

Todo esse quadro alimenta o temor crescente de que parte do grupo poderia ficar insolvente nos próximos dias. Uma das primeiras vítimas de eventual problema seria a PT, já que o empréstimo de quase ? 900 milhões concedido pela operadora à holding deve ser quitado entre terça e quinta-feira. Ninguém no mercado sabe se haverá dinheiro. O BES sofreria na sequência, o que poderia afetar a liquidez do banco.

Sem uma solução no curtíssimo prazo, as possibilidades de um pedido de recuperação judicial de algumas empresas do grupo ou eventual intervenção estatal já estariam sendo discutidas. A imprensa local afirma que o tema é debatido por autoridades dentro e fora do governo. O esforço estaria focado na reestruturação da ESI e da Rioforte, o que implicaria em renegociação das dívidas das duas companhias. Isso afetaria a PT e o BES, além de pequenos poupadores e grandes gestores.

Oficialmente, o governo rechaça a hipótese de problemas mais profundos. “Não há nenhuma razão para a intervenção do Estado. Uma coisa são os negócios da família e outra coisa é o banco. Estejam tranquilos sobre a situação do banco”, disse o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho na sexta-feira em uma tentativa de tranquilizar investidores e clientes.

O governo, porém, tem administrado a situação com todo cuidado. O principal medo de Lisboa é que a situação interrompa a recuperação da economia portuguesa após a crise financeira. Há apenas dois meses, Passos Coelho anunciou com festa a saída do país do resgate internacional liderado pelo Fundo Monetário Internacional. Por isso, o governo reluta em reconhecer problemas no grupo português, o que poderia ser entendido como um passo atrás pelo eleitorado.

Enquanto autoridades debatem uma solução, o pequeno empresário que é cliente do BES promete atenção redobrada. “Vou acompanhar os jornais todos os dias e, quem sabe, volto aqui na próxima semana”. Ricardo não quis dar o sobrenome. “Se eu estiver errado de manter o dinheiro aí, não quero aparecer no jornal. Desculpe.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.