Diante do projeto “neoliberal radical” do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, o economista Eduardo Giannetti se diz preocupado com o próprio liberalismo no País. “Temo que essa aventura neoliberal radical, se não tiver o mínimo de sensibilidade social, possa arruinar a reputação do liberalismo no Brasil”, afirmou ao Estado. Um dos responsáveis pelo programa econômico da candidata derrotada Marina Silva (Rede), Giannetti pondera que talvez o programa de Guedes não chegue a ser implantado, dado o histórico nacionalista e corporativista do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL). A seguir, os principais trechos da entrevista.

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Como o sr. vê o programa de Bolsonaro?

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É genérico. Há pontos positivos, como a abertura econômica. Eles têm ciência da gravidade da situação fiscal, mas subestimam a dificuldade de implementação. Quando vejo essa equipe dizendo que vai zerar o déficit primário em um ano, fico muito incrédulo. Isso é improvável, tangenciando o pensamento mágico. A ideia de usar receitas excepcionais, como de privatizações, para cobrir rombos é vender a prata da família para jantar fora. O problema essencial do Brasil é que os gastos obrigatórios estão crescendo em um ritmo acima do PIB, é insustentável. Temos seis meses para apresentar um programa fiscal crível. Caso contrário, vamos entrar em uma situação de inadimplência do Estado e colapso financeiro. Aí, há duas alternativas, ambas péssimas: calote ou inflação. Essa ancoragem fiscal depende de medidas que vão ter de ser tomadas no início do mandato. A reforma da Previdência é a primeira.

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Em relação à agenda liberal do novo governo, o sr. acredita que ela será realmente implementada? Bolsonaro já desautorizou Paulo Guedes…

Tenho dúvidas, porque ela é totalmente inconsistente com a trajetória do Bolsonaro durante sete mandatos na Câmara. Ele sempre votou ao lado dos corporativistas, dos nacionalistas e dos estatizantes. É muito estranha essa conversão (de Bolsonaro) às vésperas da eleição ao ideário neoliberal radical. Em relação ao Paulo Guedes, eu me lembrei de uma frase: ‘Os economistas podem ser mais ingênuos sobre a política do que os político sobre a economia’. As intenções dele são boas, mas temo que não saiba onde está se metendo.

Há uma onda internacional crescente do populismo de direita. O que explica isso?

Sem dúvida, Bolsonaro é parte de um processo que tem tomado conta de muitas democracias. Domesticamente, um elemento importante foi que, tanto PT quanto PSDB, cujos programas são, a grosso modo, social-democratas, nunca cooperaram um com o outro. Cada um, no poder, preferiu se aliar ao que há de mais sinistro na política brasileira (o Centrão) a conversar para enfrentar a desigualdade e obter crescimento sustentável. Isso abriu espaço para aventureiros. Também beneficiou o Bolsonaro a força do sentimento antipetista, a raiva da população diante do establishment político e o medo que a insegurança gera. Bolsonaro tem parentesco com o que aconteceu nos EUA, com Donald Trump. É um tipo de populismo de direita que funciona muito bem nas mídias sociais. Ele tem um parentesco no seu lado autoritário e meio autocrático com democracias de fachada, como Rússia e Turquia.

Há riscos para a democracia?

Uma definição estreita de democracia é a renovação periódica dos governantes pelo voto universal e secreto. Isso não está em risco. Uma definição mais abrangente de democracia inclui o império da lei, o respeito à divisão de poderes, a liberdade de imprensa e de expressão, o respeito aos direitos das minorias e o respeito às oposições. Esses elementos suscitam dúvidas quanto a essa aventura na qual o Brasil está entrando.

Nenhum desses componentes havia sido ameaçado antes?

Algumas propostas do PT ameaçavam também. Por exemplo, a liberdade de imprensa e de expressão e mesmo a autonomia dos poderes. Agora, a ameaça é maior com Bolsonaro. O Brasil vai viver duas coisas. Primeiro, um teste das instituições democráticas. O segundo ponto é uma aventura da sociedade em uma agenda ultraconservadora nos costumes, que ameaça direito de minorias, e que, se materializada, vai ser um retrocesso. Há uma outra aventura nessa agenda neoliberal radical que a equipe econômica está propondo. Uma agenda com pouca sensibilidade para questões ligadas à equidade, a grupos sociais vulneráveis e que me fez lembrar uma história da Revolução Russa. (À época), Max Weber era professor de Georg Luckács, filósofo marxista do século 20. Weber disse a ele: ‘Temo que os russos arruínem a reputação do marxismo por um século.’ Eu temo que essa aventura neoliberal radical, se não tiver o mínimo de sensibilidade social e de compromisso com a ideia de justiça, arruíne a reputação do liberalismo no Brasil por muito tempo.

Com base nessa análise, Bolsonaro pode ser considerado de ultradireita?

Não tenho a menor dúvida.

O sr. tem estudado sociedades fortemente polarizadas, inclusive a República de Weimar, que deu origem ao regime nazista. Há paralelos com o Brasil de hoje?

Eu me interessei em entender como uma sociedade se divide e chega ao tipo de polarização raivosa que o Brasil chegou. Há muitos precedentes na história. A França teve a Revolução Francesa; a Espanha, a Guerra Civil; a Alemanha, a República de Weimar. Há muitos paralelos, mas não estou dizendo que isso deve ser ipsis litteris aplicado ao Brasil. Quando essa polarização estabelece, não permite nada que não esteja em um dos polos. Isso destrói o processo democrático eleitoral e a possibilidade de diálogo. Na Alemanha, você era bolchevique ou nazista. E a elite financeira e industrial alemã, com medo do bolchevismo, topava qualquer aventura. Encontrei declarações de banqueiros e industriais alemães dizendo que Hitler não era problema porque, depois de eleito, eles o domesticariam.

O que aconteceu com a Marina, que começou a corrida eleitoral bem, mas terminou na lanterna?

Fixou-se na imaginação do eleitorado brasileiro a ideia de que ela é frágil. E essa polarização raivosa exclui o surgimento de uma força que prega o diálogo e a convergência. Ela foi vítima dessa dinâmica. Foi por isso que fui estudar essa popularização raivosa que tomou conta da sociedade. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.