Aproximadamente R$ 16 bilhões usados pelo governo federal no ano passado para pagar o serviço da dívida pública, o chamado superávit primário, vieram de fundos e contribuições que têm recursos carimbados para projetos educacionais, culturais e tecnológicos. Dados compilados pelo ‘Broadcast Político’, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado, mostram que cerca de 20% dos R$ 75 bilhões apresentados pelo governo central como superávit vieram do represamento desses fundos.

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Isso não significa que o Executivo deixou de fazer os aportes nas áreas mas, segundo especialistas, é um indicativo do adiamento das despesas para o ano seguinte, o que, na prática, ajuda na meta fiscal.

O governo efetivamente cumpriu as metas fiscais desde a chegada de Dilma Rousseff à Presidência. Economistas e investidores, no entanto, criticam os resultados, especialmente dos últimos dois anos, por não conter economia de recursos e sim manobras contábeis para atingir os resultados.

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“Os dados da contabilidade evidenciam que nem tudo que foi arrecadado foi aplicado. Ou seja, se depura que não foram destinados para os fins previstos na legislação”, argumentou o economista José Roberto Afonso, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre). “Na prática, parte do arrecadado ficou no caixa.” Segundo números do Sistema de Acompanhamento Financeiro (Siafi), o banco de dados do orçamento federal, o governo engordou o superávit com verbas de ao menos sete fundos, contribuições ou receitas carimbados. A prática não é nova e, de acordo com especialistas, é utilizada desde antes dos governos petistas.

“O que pode ser considerado é o uso intensivo ou extremo dessa prática, como se verificou ao final do ano passado e foi confirmado pela explosão dos gastos em janeiro deste ano – ou seja, muito compromisso do ano passado foi transferido para este”, acrescenta Afonso. Ele ressalta, no entanto, que a prática por si só não configura a chamada “contabilidade criativa” que abalou a credibilidade da equipe econômica no mercado nos últimos anos.

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Educação

Os números do Siafi revelam que o governo incluiu na conta do resultado primário cerca de R$ 1,3 bilhão do total arrecadado pela contribuição do salário educação, uma fonte adicional de financiamento do ensino fundamental público. Esse dinheiro vem da cobrança de 2,5% sobre a folha de salários do comércio e da indústria e, por lei, deve ser repartido entre os Estados e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

Da mesma forma, não foram gastos R$ 609 milhões de receitas obtidas pelas loterias federais, cujo direcionamento é para o Fundo Penitenciário Nacional, Ministério do Esporte, e Fundo de Financiamento ao Estudante de Ensino Superior (Fies), entre outros. Também pelos dados, apenas R$ 131 milhões dos mais de R$ 800 milhões arrecadados pela Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional foram efetivamente para o custeio da Agência Nacional de Cinema (Ancine) e para o Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Cinema Nacional (Prodecine) em 2013, como previsto em lei.

Pelo resultado da compilação, a maior contribuição de uma única fonte para o pagamento dos juros da dívida pública vem dos recursos de concessões e permissões (R$ 6,7 bilhões de R$ 19 bilhões arrecadados), o que inclui, por exemplo, o bônus originário do leilão do Campo de Libra, na área do pré-sal.

O economista Felipe Salto, especialista em finanças públicas da Tendências Consultoria Integrada, tem opinião diferente da apresentada por Afonso. Para ele, o expediente configura, sim, a prática de “contabilidade criativa”. “Postergar pagamentos é uma forma de fazer isso. Como a execução de despesas tem várias etapas, o governo pode liquidar mas não necessariamente fazer o pagamento no exercício, o que permite fazer caixa”, argumenta. “Fazem isso em vez de revisar a meta do superávit e explicar que o compromisso não cabe mais na capacidade de arrecadação”, diz. No levantamento, não foram consideradas as tradicionais ordens bancárias de último dia, que têm impacto sobre o exercício financeiro seguinte. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.