Superávit primário precisa ir para 2% do PIB, diz Delfim

Elevar o superávit primário para 2% do PIB em 2014 – e cumprir a meta, sem truques – é condição sine qua non para que o Brasil evite o rebaixamento de sua nota de risco pelas agências internacionais, segundo o economista e ex-ministro da Fazenda, Delfim Netto. Em entrevista ao Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado, ele diz que esse compromisso deve ser assumido publicamente pela presidente Dilma Rousseff, “a única que tem credibilidade” e que pode honrar essa promessa, mesmo em ano eleitoral.

A melhora das contas públicas, sem truques, frisa Delfim, pode ajudar a retomar a harmonia entre as políticas fiscal e monetária, que existia em 2011. Nesse contexto, ele acredita que os agentes econômicos passarão a acreditar no governo e vão diminuir de forma expressiva o pessimismo com a administração federal, que para ele é exagerado. O resgate da credibilidade do Poder Executivo, diz, vai ajudar a diminuir as expectativas de inflação, a ponto de devolver em dois anos o IPCA para uma marca próxima do centro da meta, de 4,5%.

“Mas, se o fiscal não der uma arrumada, esquece. Nós vamos pegar a tempestade perfeita. E aí vai ser difícil convencer as agências de rating de não rebaixar o Brasil”, advertiu. A seguir, os principais trechos da entrevista:

O que o governo deveria fazer para recuperar a confiança dos agentes econômicos?

A percepção é muito pior do que a realidade. A dívida bruta a 60% do PIB não é um desastre. Um déficit nominal de 2,5% do PIB não é uma tragédia. O que está causando essa perturbação é que as medidas que estão sendo tomadas pelo governo são na direção de que pode aumentar essas relações. Quando é decidido refinanciar as dívidas estaduais, é dado margem para ter dúvida. Quando o Congresso decide que vai ter Orçamento impositivo sem ter uma regra de fixação da receita, isso vai transformar a receita na variável de ajuste.

O que seria uma política fiscal adequada?

A política fiscal tem de ser aquela que diz o seguinte: eu vou fazer um superávit primário para que a relação dívida bruta X PIB se reduza lentamente. Isso seria 2% do PIB. E tal taxa leva em consideração um crescimento do País ao redor de 2% e juro real de 4% ao ano. O Brasil não precisa ter juro real acima de uma marca entre 3% e 4%.

Mas, para 2013, o sr. estima que o superávit primário será menor do que 2% do PIB, certo?

Se neste ano o superávit primário chegar a 1,5% do PIB será muito. Então, o governo precisa passá-lo para 2% do PIB em 2014.

E como esse superávit pode ir para 2% do PIB?

O importante é dizer que será 2% do PIB e quando chegar no fim do ano entregar os 2%, sem truques. Eu tenho a impressão que as últimas manifestações do ministro da Fazenda são nessa direção.

E o sr. acredita que o governo elevará o superávit primário para 2% do PIB num ano eleitoral?

Eu espero. A melhor coisa que o governo poderia fazer para pôr ordem nisso é dizer que a despesa primária da União não vai crescer mais que dois terços da taxa de expansão do PIB. A única que tem credibilidade e pode fazer isso é a presidente Dilma. É preciso dizer claramente o seguinte: eu determinei, e nós vamos fazer um superávit primário de 2% do PIB. E ponto. O mercado vai acreditar. As pessoas dizem o seguinte: se ela decidir, acontece. Isso dá condição para o Banco Central calibrar as taxas de juros e esquecer o lado fiscal. O BC está calibrando os juros, com o superávit estrutural. Isso é uma coisa duvidosa, pois depende da estimativa do PIB potencial.

Muitos agentes econômicos têm a impressão de que o governo Dilma não gosta das empresas lucrando muito, que ela é contra o mercado. O que o sr. acha?

A ideia de que a presidente Dilma não gosta de lucro (das empresas) é um absurdo. Mas é a impressão. Se você olhar direito, essas impressões indicam o seguinte: que ela acha que os empresários são um bando de egoístas e monopolistas, sempre prontos para assaltar a sociedade, e o setor privado acha que ela é uma trotskista enrustida. Os dois estão errados. Ela talvez esteja um pouco mais certa do que o setor privado.

Se o governo entregar um superávit primário de 2% do PIB em 2014, isso ajudará a levar o IPCA para perto da meta de 4,5% em dois anos?

Provavelmente sim, pois vai conseguir ancorar as expectativas de inflação. É preciso reduzir o nível de incerteza. E a grande incerteza hoje é a possibilidade de o País ser envolvido pela tempestade perfeita.

E o que o governo deveria fazer para evitar que o Brasil seja vítima dessa tempestade?

As agências de rating têm dúvidas em relação ao Brasil porque o crescimento do PIB é um pouco menor do que a gente gostaria, não há certeza sobre a evolução da dívida bruta. Quando gerar o superávit primário de 2% do PIB, combinado com os efeitos positivos das concessões, desde a de Libra, de rodovias e aeroportos, o País acelera o crescimento. Se você maneirar a parte fiscal, vai ajudar a reduzir a taxa de juro real. E com isso desmonta a ameaça de um rebaixamento do Brasil. As próximas concessões terão muito mais sucesso do que as que já aconteceram.

O sr. não acredita no rebaixamento do Brasil por agências de rating em 2014?

Não acredito. Se o governo der condições objetivas, que é a combinação de uma pequena aceleração do crescimento econômico, com a manutenção da taxa real de juros de 3% a 4% ao ano, isso dará às agências de rating um pouco mais de conforto. E esse é o cenário mais provável.

O sr. acredita que no último ano de governo, com um resultado melhor de superávit primário, a presidente Dilma será mais pragmática e menos ideológica?

Não tem posição ideológica nenhuma. Eu ouço dizer que ela é brizolista, como se isso fosse um negócio grave. A Dilma é uma tecnocrata pragmática. Tudo o que ela propõe está na direção certa.

Muitos empresários e investidores também reclamam que não conseguem ver um horizonte de longo prazo na política econômica da presidente Dilma.

Cada um tem o direito de reclamar. A situação que se criou é que a perspectiva não é boa. E essa perspectiva tem de ser mudada, e ela é única que pode modificar isso.

Mesmo em ano eleitoral?

Não tem isso. Temos o andar de cima da sociedade, que somos nós, que ficamos tristes que a bolsa caiu, o juro está menor, porque os nossos salários não estão crescendo tanto. E tem o andar de baixo, que está muito melhor. Não adianta querer negar que a sociedade brasileira melhorou nos últimos anos. E evidente que não foi só com o Lula. Ele sabe que foi ajudado pela arrumação que vinha do Fernando Henrique, com a evolução do mundo, com a introdução da China, e com a melhora das relações de troca, que tomou US$ 280 bilhões emprestado e distribuiu como consumo, e não investiu. É ridículo imaginar que isso não teve efeito nenhum para a população.

A volta da coordenação da política fiscal com a monetária em 2014 daria condições para que o PIB no próximo ano suba 3%?

Eu não tenho dúvida nenhuma. Eu acho que com Libra, as outras concessões e na hora que desmontar um pouco essa perspectiva pessimista, que é muito superior à realidade, vai dar para crescer 3,5%. Eu não sei quando isso vai ocorrer, mas quando inverter tudo isso, vai funcionar na direção de afastar o grande risco para o primeiro semestre de 2014, que é o rebaixamento do rating. Tudo isso vai na direção de nos livrar da tempestade perfeita. Ela pode vir, mas temos grande estoque de reservas, somos experimentados com a crise de 2008.

E voltará a harmonia da política fiscal com a monetária?

Isso mesmo. É impossível o Banco Central aceitar a dominância fiscal, senão ele vai para a esculhambação. Ele teve de inventar um truque de construir um superávit primário estrutural, que envolve uma variável que ninguém conhece, que é o PIB potencial.

Como o sr. avalia a gestão de Alexandre Tombini na presidência do Banco Central?

Muito boa. Provou que sabe mais que o mercado e que tem mais informações que ele.

Quando ocorrer o tapering (redução dos estímulos à economia) nos EUA, para onde irá o câmbio?

O câmbio deve dar um overshooting, mas depois se estabiliza. A intervenção do Tombini, com o programa de leilões de câmbio diário até o final do ano, deu certo. A única crítica que se pode fazer é a seguinte: ele indicou que iria fazer até dezembro, não tinha nenhuma condicionalidade. Cada vez que faz isso corre um risco de não acontecer o que você estava esperando e a tua medida dar errado. Ele tem tido sorte até agora, está funcionando.

Mas com a perspectiva de ocorrer o tapering no primeiro trimestre de 2014, o BC deveria estender esse programa de venda de dólares além do final deste ano?

Como ele não pode dizer que quer a taxa de câmbio em algum lugar, vai levar o programa até dezembro. Mas vamos supor que o câmbio atingisse R$ 1,95. Como é que ele se arranja? Ele tomou o risco. Quando faço uma guidance (orientação) condicionada, eu tenho escape. Mas no caso do Tombini, o risco vai se eliminar naturalmente, que é muito mais arriscado do que uma guidance que tem condicionalidades. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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