economia

Suíça inicia desmonte do sigilo bancário

Pressionada, a Suíça começa a desmontar seu esquema de segredo bancário que, por décadas, deu ao país uma reputação de aceitar dinheiro de qualquer origem e contribuir para a evasão fiscal e a corrupção. Desde o dia 1º de janeiro, as autoridades suíças passaram a aderir à Convenção Internacional de Troca Automática de Informação Bancária, desenhada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Pelas novas regras, a Suíça terá de compartilhar de forma automática os dados de contas bancárias de estrangeiros com as autoridades fiscais dos países de origem.

Num primeiro momento, os suíços vão apenas coletar os dados e, em 2018, a troca de informações vai começar a ser feita. Até hoje, os bancos da Suíça apenas forneciam informações se solicitados por países que tinham acordos de cooperação com Berna. Mas, ainda assim, uma transferência total de dados não era garantida.

Tudo começou a mudar em 2008. Com a crise financeira nos Estados Unidos, o governo de Barack Obama passou a buscar recursos de americanos escondidos pelo mundo. O alvo principal foi a Suíça que, em troca de continuar a operar no mercado dos EUA com seus bancos, entregou os nomes de 50 mil correntistas. O FBI passou a investigar a atuação dos bancos suíços e bilhões de dólares em multas foram aplicadas.

As multas, os escândalos e a mancha na reputação do país levou os líderes políticos a mudar o tom em relação ao segredo bancário. O resultado foi uma transformação importante nas regras e novos padrões estabelecidos pelos bancos.

Nessa primeira etapa, as instituições financeiras farão um levantamento de todas as contas de estrangeiro. Os dados não serão tornados públicos. Mas servirão para ajudar terceiros países a coletar impostos não pagos pelos correntistas. No total, 38 países fazem parte do acordo da OCDE. Mas a Suíça já começou a ampliar o número de parceiros, com acordos com Brasil, Argentina e Índia.

‘Necessidade’

Banqueiros que conversaram com a reportagem admitiram que a nova realidade era uma “necessidade”, diante da reputação negativa que o país havia acumulado ao longo dos anos. Para a diplomacia suíça, não faz sentido promover o desenvolvimento e boa governança pelo mundo e, ao mesmo tempo, não ajudar na luta contra a evasão.

Mas a Associação de Bancos Suíços, ainda que tenha aceito o entendimento, quer garantias de que todos os demais países também vão adotar as novas leis. “Vamos implementar as leis. Mas esperamos que centros financeiros que competem com o nosso façam a mesma coisa para garantir condições justas de competições”, indicou a entidade. O temor dos bancos suíços é de que o dinheiro simplesmente migre para outros locais que ainda mantêm o segredo bancário.

Resistência

Apesar das importantes mudanças, o combate contra o dinheiro sujo na Suíça não é ainda uma batalha vencida. No fim do ano passado, o Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi) alertou que os bancos locais não têm informado de forma suficiente as atividades suspeitas de seus clientes e apontou falhas no controle de operadores e intermediários.

Depositário de mais de US$ 6 trilhões, os bancos suíços ainda não estariam agindo de forma suficiente para lidar com a lavagem de dinheiro. O Gafi é quem elabora padrões globais de combate à corrupção, adotados por 180 países e periodicamente avalia a luta de diferentes países contra a lavagem de dinheiro e até mesmo o financiamento do crime.

Ao longo dos anos, a punição contra lavagem de dinheiro na Suíça tem se limitado a multas aplicadas aos bancos, e raramente seus diretores são responsabilizados diretamente.

A instituição também apontou falhas no controle dos bancos para identificar clientes que possam estar cometendo crimes, assim como um controle limitado sobre operadores e intermediários de contas, justamente o mecanismo usado pelos ex-diretores da Petrobras e da Odebrecht para pagar propinas. No total, mais de mil contas relacionadas com a Lava Jato foram bloqueadas em 42 bancos suíços, com movimentações que chegaram até 2015.

Falha

Para o Gafi, os bancos têm tomado cuidado com novos clientes. Mas não adotam o mesmo controle em relação aos mais antigos. “Bancos não fazem uma revisão suficiente e não atualizam dados sobre clientes existentes”, alertou o Gafi. “Isso pode levar a falhas para identificar clientes que possam ter transações suspeitas”, constatou. “A implementação de medidas de due diligence com clientes já existentes não é sempre satisfatória.”

Outro alerta da entidade internacional é que bancos têm relatado às autoridades um número ainda baixo de transações suspeitas. As instituições financeiras, segundo o Gafi, têm entregue os nomes de suspeitos apenas depois que casos são públicos ou foram descobertos pela Justiça. Pela lei, os bancos são obrigados a relatar transferências suspeitas.

Outra constatação é de que os suíços tampouco têm obtido bons resultados no controle de beneficiários de trusts, mecanismo usado pelo ex-deputado Eduardo Cunha para camuflar recursos na Suíça.

O governo suíço reconheceu que precisa melhorar. Já os bancos têm uma visão diferente sobre a recomendação do Gafi por um maior número de comunicações de suspeitas. “Na avaliação dos bancos, simplesmente aumentar o número de relatórios de atividades suspeitas não vai necessariamente resultar num aumento da eficiência em prevenir a lavagem de dinheiro”, declarou a Associação de Bancos Suíços. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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