Depois de quase três anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve retomar na tarde desta quarta-feira, 24, julgamento que impacta diretamente no modelo tributário relativo à Zona Franca de Manaus e que opõe, de um lado, empresas e o Estado de Amazonas, contra a União e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Através de dois recursos apresentados pela União, os ministros irão decidir se empresas têm direito ao creditamento de IPI em insumos isentos provenientes do polo industrial localizado no Amazonas.

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Ou seja, o STF vai responder se as empresas de fora da ZFM que compram insumos isentos do imposto da região podem contabilizar como crédito tributário o valor do IPI, como se o tributo tivesse sido pago. Em um dos processos, cuja discussão foi iniciada em 2016, já há três votos favoráveis ao pedido das empresas. Como há repercussão geral no caso, o que os ministros entenderem deve ser seguido em todo o Brasil.

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Se perder, a PGFN estima um impacto financeiro negativo de R$ 49,7 bilhões para cinco anos. Por outro lado, empresas e o Estado do Amazonas defendem a medida, entendida por eles como um atrativo econômico para a região.

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“As empresas que produzem componentes na Zona Franca de Manaus perderiam vantagem comparativa que deveriam ter em relação ao resto do País, o que importaria a saída de muitas empresas daquela região”, disse ao Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) o procurador Carlos Alberto de Moraes, da Procuradoria-Geral do Estado do Amazonas, sobre o cenário em que o STF decida pelo não creditamento. A instituição sustenta que o entendimento atual do STF – de que operações isentas não geram créditos de IPI – deve abrir uma exceção ao caso da ZFM.

Em voto lido em 2016, a relatora de um dos processos, ministra Rosa Weber, seguiu o mesmo raciocínio. À época, Rosa afirmou que os créditos relativos às mercadorias da Zona Franca constituem “exceção à regra” geral do STF, que conclui pela ausência de direito ao creditamento no caso de o produto estar sujeito à alíquota zero de IPI. No julgamento, Rosa citou o artigo 40 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que constitucionalizou a previsão da Zona Franca de Manaus e a promoção do princípio da igualdade – por meio da redução das desigualdades regionais.

Os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso também votaram para negar o recurso da União, mas o julgamento foi interrompido pelo pedido de vista (mais tempo de análise) do ministro Teori Zavascki – que morreu em 2017. A cadeira foi ocupada pelo ministro Alexandre de Moraes, que deve ser o primeiro a votar na sessão desta quarta.

A discussão tem relação com outra antiga polêmica envolvendo a região e as vantagens concedidas em crédito tributário para a indústria de refrigerantes da ZFM. No ano passado, ainda na gestão Temer, o governo federal tentou reverter o quadro de incentivo fiscal ao setor, mas acabou recuando após forte pressão. O ex-presidente restabeleceu de 4% para 12% a alíquota do IPI no primeiro semestre de 2019. No segundo semestre, a alíquota cai para 8% e volta a ser de 4% só em 2020. Com a alíquota mais alta, as empresas têm também o crédito tributário maior, que pode ser abatido em outros tributos.

As benesses relativas à região foram alvo de comentários recentes do ministro da Economia, Paulo Guedes. “Não vou mexer na Zona Franca de Manaus, está na Constituição. Agora e se os impostos caíssem todos para zero? Eu não mexi na ZFM (se referindo a situação hipotética)”, disse Guedes em entrevista à GloboNews na última semana.

Prejuízo

O impacto bilionário para os cofres públicos não é a única preocupação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional em relação ao julgamento desta quarta. A área jurídica da Fazenda entende que, a médio e longo prazo, a prática do creditamento deve empobrecer a variedade produtiva da região, já que, com o incentivo, as grandes empresas tenderiam a sair da região e manter na ZFM somente uma parte da produção – a de insumos.

É o mesmo entendimento do consultor legislativo do Senado, Marcos Mendes, que também enxerga na medida um estímulo a fraudes. Segundo ele, a prática do creditamento incentiva a que uma mesma empresa crie subsidiárias em Manaus para produção de insumo, que é vendido então para a matriz por um valor superfaturado, gerando assim um crédito maior de IPI para o negócio. “Ele joga o preço lá para cima para ter um crédito maior. Isso já é o que acontece na indústria de refrigerante”, alerta, lembrando que quem arca com essa conta são os cofres públicos.

Outro problema, para Mendes, é a criação de um desequilíbrio competitivo na economia, já que apenas grandes empresas conseguiriam manter essa logística. “A empresa menor que vai concorrer não consegue ter essa logística, e vai ter que comprar um insumo perto da onde está produzindo, e não vai ter o crédito do IPI”, exemplifica o consultor do Senado, que compara a situação de benesse à política dos “campeões nacionais” que eram subsidiados através do BNDES.

“A aprovação (do creditamento) vai transformar a Zona Franca de Manaus, que hoje é um polo industrial, em um polo de produção de crédito tributário”, disse Mendes. À reportagem, o procurador do Estado do Amazonas afirmou que as fábricas de insumos são apenas setores da ZFM, e que não há risco da região restringir-se à produção de tais produtos. “A retirada dos incentivos é que vai prejudicar a curto prazo tal segmento”, disse.

Mendes rebate este argumento de que a política seria saudável para o desenvolvimento da região. “Os políticos podem até achar que isso é uma vantagem para o Amazonas, mas vai ser um vantagem no curto prazo, vão atrair três ou quatro empresas produtoras de insumo que não produzem lá ainda mas vão espantar outras que já estão consolidadas lá. Tem muito interesse específico, de indústrias específicas contra o interesse coletivo”, pontuou.