A indústria foi, pelo segundo ano consecutivo em 2003, o setor da economia a dar mais dor de cabeça à Receita Federal. O relatório interno da Receita com o resultado das ações de fiscalização entre janeiro e novembro deste ano mostra que 1.790 empresas, especialmente de alimentos, cigarros e bebidas, foram autuadas em R$ 6,714 bilhões, valor que inclui impostos, multa e juros. No total, a Receita Federal autuou e abriu processos contra 15.210 pessoas jurídicas envolvendo R$ 35,770 bilhões até o fim do mês passado. No mesmo período de 2002, este valor foi de R$ 23,945 bilhões para 12.425 pessoas jurídicas. Ou seja, a sonegação cresceu.
No caso das pessoas físicas, os maiores sonegadores de 2003 foram os proprietários ou dirigentes de empresas. Foram autuados 1.333 contribuintes no valor total de R$ 998,1 milhões. Em segundo lugar, ficaram os profissionais liberais, com R$ 584 milhões para 2.155 contribuintes, seguidos pelos profissionais de ensino, com R$ 217 milhões em autuações até novembro para 1.120 contribuintes.
No total, a Receita autuou 7.317 pessoas físicas em R$ 2,6 bilhões entre janeiro e novembro deste ano. Em 2002, este valor foi de R$ 1,7 bilhão para 7.509 pessoas físicas no mesmo período.
De acordo com o secretário-adjunto da Receita, Paulo Ricardo Cardoso, os setores que estão mais propensos a sonegar são os que apresentam carga tributária mais pesada. Ele afirmou que o aumento no número de autuações neste ano aconteceu porque o Fisco tem conseguido identificar com maior precisão os setores mais problemáticos via cruzamento de informações.
? O Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), por exemplo, é muito alto para os fabricantes de cigarros e bebidas, o que tende a aumentar a sonegação ? afirma o secretário.
No ano passado, a indústria também foi a campeã nas autuações, que chegaram a R$ 7,213 bilhões para 2.203 contribuintes entre janeiro e novembro. O valor das autuações em 2003 está mais baixo porque, segundo a Receita, quando um setor é muito autuado num ano, costuma fazer ajustes e corrigir informações para evitar problemas no ano seguinte.
? Quando um setor é muito fiscalizado, as empresas começam a regularizar sua situação para evitar problemas no futuro ? disse Cardoso.
O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro, justificou a situação afirmando que a indústria é um setor altamente organizado e muito onerado por impostos, o que torna mais visível a ocorrência de problemas na hora da arrecadação.
? O setor industrial, seguramente, é o mais organizado da economia, que trabalha mais na formalidade e onde o mecanismo da substituição tributária ocorre de forma muito concentrada e muito forte. Portanto, seria natural que esse setor, que é o mais organizado e, sobre o qual recai fortemente a base da arrecadação, pudesse eventualmente apresentar problemas. Evidentemente, os problemas não poderiam ocorrer no chamado mundo informal, porque nesse não há problema desse tipo ? disse Monteiro.
O segundo setor econômico mais autuado até novembro foi o comércio. O valor das autuações chegou a R$ 6 bilhões para 2.609 contribuintes, sendo R$ 3,7 bilhões no setor atacadista e R$ 2,3 bilhões no setor varejista. Na semana passada, o empresário Abílio Diniz, da rede Pão de Açúcar, afirmou que a sonegação no setor de supermercados era grande no país, especialmente no Rio de Janeiro. A Receita ainda não detalhou os números da sonegação por setor para cada estado, mas em geral, o maior número de autuações aplicado este ano foi em São Paulo. O Rio está em segundo lugar.
O setor de serviços financeiros aparece como o terceiro setor mais autuado até novembro. O valor de impostos, juros e multas aplicados chegou a R$ 4,730 bilhões para 320 contribuintes. Segundo Cardoso, o setor financeiro costuma apresentar problemas porque os bancos são responsáveis pelo recolhimento de impostos de vários segmentos.
? Os bancos têm que fazer o recolhimento de uma quantidade muito grande de impostos e também de um número muito grande de contribuintes, como é o caso da CPMF. Isso pode criar alguma confusão na hora de prestar contas à Receita ? disse Cardoso.
Entre os métodos que mais têm ajudado a Receita a identificar os setores que mais sonegam está o cruzamento das declarações de imposto de renda com a movimentação da CPMF. A Receita também vem recorrendo à análise de informações sobre a movimentação dos cartões de crédito dos contribuintes, imóveis e outros bens.
? Conseguimos descobrir mais ilícitos tributários apesar de o número de auditores continuar o mesmo. Isso está sendo feito porque o processo de seleção eletrônica está cada vez mais preciso. Os auditores têm um arsenal de dados com muito mais segurança ? afirmou Cardoso.
Ele antecipou que a Receita já está se preparando para apertar a fiscalização sobre setores como a construção civil e instituições de ensino a partir de 2004. No primeiro caso, o problema é que a Receita tem identificado que muitos contribuintes não declaram rendimentos com aluguel.
? Vamos fiscalizar quem constrói, compra, vende e aluga imóveis ? disse Cardoso.
Já no caso das instituições de ensino, o problema é que os auditores identificaram que as declarações não são coerentes com o faturamento das empresas.
? Existem hoje muitas regras para caracterizar uma instituição de ensino como isenta da cobrança de tributos e muitos contribuintes se aproveitam disso ? afirmou o secretário.