Mesmo que o cultivo de transgênicos seja liberado nos próximos dias, seja por medida provisória ou pela aprovação da Lei de Biossegurança na Câmara Federal, produtores do Paraná só deverão fazer a opção entre soja convencional ou geneticamente modificada na safra 2005/2006. Isso porque não há quantidade suficiente de sementes transgênicas para atender o mercado.
“Liberando a soja transgênica, nós vamos passar parte das sementes para os multiplicadores ainda nesta safra. Os agricultores só irão receber na safra que vem”, afirmou o gerente de pesquisa de soja da Cooperativa Central de Pesquisa Agrícola (Coodetec), Marco Antonio Rott de Oliveira. A Coodetec é uma das poucas no Estado a desenvolver sementes geneticamente modificadas, ao lado da Embrapa, Pioner e Monsoy. De acordo com Oliveira, a Coodetec tem aproximadamente 80 mil sacas de sementes para a Região Sul, que iriam para os multiplicadores com a liberação do plantio. Na safra 2005/2006, as sementes se transformariam em quase 2 milhões de hectares de soja transgênica. “Isso sendo conservador”, ressaltou. A Coodetec já desenvolveu quatro variedades de soja geneticamente modificada e está beneficiando outras. Segundo ele, a opção pela soja transgênica deve ser analisada pelo agricultor.
“A tecnologia tem mostrado uma flexibilidade maior para os agricultores. Para alguns, essa tecnologia é imprescindível, enquanto para outros, desnecessária”, ponderou. “Tem muita gente querendo plantar agora. Mas com o passar do tempo, as pessoas vão colocar na ponta do lápis e ver o que é melhor para elas”, afirmou. “O que precisamos no País é tomar decisões.”
Barreiras
Segundo o assessor econômico da Federação da Agricultura no Paraná (Faep), Carlos Albuquerque, no Paraná há três problemas relativos aos transgênicos: o Banco do Brasil não pode financiar, uma vez que o plantio ainda não foi liberado; o governo do Estado é contra, insiste em proibir e, enquanto a lei não sai, pode interditar a lavoura e, finalmente, a semente usada no mercado (conhecida como semente “Maradona”) é contrabandeada e apresenta baixa produtividade no Paraná.
“O que se usa hoje é a semente contrabandeada do Rio Grande do Sul, cuja produtividade é menor do que a convencional. Precisamos de uma semente que seja adaptada às nossas condições”, afirmou. “A Embrapa e a Coodetec já desenvolveram, mas precisam ser multiplicadas. Não servem para a safra atual, porque a quantidade que eles têm para distribuir é insuficiente”, acrescentou Albuquerque. Segundo ele, o risco é de que a semente de soja não seja distribuída ainda este ano. Nesse caso, o agricultor só poderia plantar a soja transgênica na safra 2006/2007.
De acordo com Albuquerque, a soja convencional produz cerca de 3 mil quilos por hectare, enquanto a “Maradona”, 2,5 mil. Para ele, mesmo que haja a liberação, o produtor deve optar em plantar em extensões pequenas. “Ninguém vai plantar grandes extensões de transgênicos. Querem experimentar, ver como é”, afirmou. “Por isso a MP para nós é importante. Vai permitir a produção de sementes para a próxima safra.” Segundo Albuquerque, a estimativa é que o custo de produção transgênica seja entre 10% e 15% menor do que a convencional, “mesmo pagando os royalties”.
Outro entrave para os agricultores nessa época, lembrou Albuquerque, é a greve dos bancários. O presidente da Faep, Ágide Meneguette, encaminhou ontem documento ao Tribunal Superior do Trabalho (TST) solicitando que se dê solução ao impasse ou resolva junto aos grevistas a abertura de carteiras de créditos agrícolas. Muitos agricultores não estão conseguindo liberação do financiamento para o plantio, por conta da paralisação no Banco do Brasil. “Muitas coisas podem esperar. O início do plantio não”, afirmou Albuquerque.
Contra
O presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Paraná (Fetaep), Ademir Mueller, reforçou que a posição política da entidade é contrária ao plantio de transgênicos. “Enquanto a comunidade científica não der parecer favorável aos transgênicos, dizendo que não fazem mal ao ser humano nem ao meio ambiente, somos contra o plantio”, afirmou.
Outra questão é o controle por parte de multinacionais. “A Fetaep não quer que o produtor se torne refém de multinacionais. Com o passar do tempo vamos perder sementes convencionais, e ficar reféns de um pacote fechado de sementes, herbicidas”, criticou. A Fetaep vem promovendo seminários junto aos agricultores para chamar a atenção quanto aos riscos da cultura geneticamente modificada. “Para o pequeno produtor não compensa”, arrematou Mueller.
“Solução está próxima”
Brasília – O ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, afirmou ontem que o governo está trabalhando para encontrar uma solução o mais rápido possível para o plantio de soja transgênica. Em plena época de plantio da safra, os agricultores estão parados porque a Lei de Biossegurança ainda não foi aprovada pelo Congresso Nacional. O ministro assegurou que algum dispositivo legal será adotado: “Posso garantir aos produtores que haverá uma condição de legalidade para todos. O governo sabe disso e não vai permitir que a ilegalidade persista. É uma questão de horas”, afirmou.
O Senado aprovou a lei de Biossegurança com modificações na quarta-feira e, por isso, o texto voltou para a Câmara, onde há 17 medidas provisórias trancando a pauta. Entre as alternativas estudadas pelo governo está a edição de uma nova MP específica sobre transgênicos. O governo também pode aproveitar uma das MPs que já estão tramitando na Câmara e incluir esse dispositivo. Se dependesse do governo, seria escolhida a de número 192, que trata de invasão de terras. No entanto, a bancada ruralista rejeita essa possibilidade por considerar que o texto desta MP precisa ser aperfeiçoado. “Há várias outras MPs no Congresso”, lembrou o ministro.
Rodrigues disse que o governo está atento ao assunto e contou ter conversado duas vezes com o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, sobre o tema – na noite de quarta-feira e ontem pela manhã. O ministro informou que tem conversado diariamente com o presidente Lula sobre a questão e destacou que a Lei de Biossegurança aprovada pelo Senado “é um importante referencial para o governo, porque traduz o sentimento da população”.
O ministro da Agricultura disse que um novo caminho para resolver a questão ainda não foi usado por causa do grande acordo firmado no Senado, que garantiu a aprovação da lei. “Todos os partidos concordaram e esperamos que o mesmo ocorra na Câmara. Mas o governo ou os produtores não têm culpa se a situação continua indefinida.” Rodrigues confirmou que o governo poderia aproveitar uma outra MP que não seja a 192, pedindo à bancada governista que apresente uma emenda com os artigos que regulamentam os transgênicos.
Requião diz que porto não tem como segregar
O governador Roberto Requião repetiu ontem que o Porto de Paranaguá não pode exportar soja transgênica porque o terminal não pode separar a soja convencional da geneticamente modificada. “Nossos cálculos apontam que 99,9% da soja que chega ao porto é soja pura, que encontra mercado e preços melhores no mundo inteiro. Por que vamos misturar essa soja com a transgênica e pagar royalties sobre toda a soja convencional?”
Segundo ele, a separação só seria possível se houvesse um grande investimento num cais separado e emendou: “Por que não usam o Porto de Santos ou os portos de Santa Catarina, que já exportam soja segregada, e deixam o Paraná manter a qualidade de seu produto?”. De acordo com Requião, se o Porto de Paranaguá misturar 1% ou 2% de soja transgência à soja convencional, o Paraná pagaria neste ano cerca de R$ 120 milhões em royalties para a multinacional Monsanto.
“A minha parte eu faço. Esse jogo da Monsanto é um absurdo. Nós temos 50 anos de desenvolvimento genético e de estudos da Emater, do Iapar e da Embrapa. Vamos jogar tudo isso fora para nos subordinarmos a uma multinacional? Eu prefiro que não.” O governador disse que não acredita no sucesso do produto geneticamente modificado. “A França não compra, a Inglaterra não compra, a China não compra para uso humano, a Índia não quer comprar. Portanto, é uma bobagem o monopólio da Monsanto tomar conta da agricultura brasileira.”
Requião lembrou palavras de Santo Inácio de Loyola, que dizia aos que desistiam das batalhas: “Façam tudo como se tudo dependesse de você. Espere tudo como tudo dependesse de Deus”. E emendou: “Eu faço tudo como se tudo dependesse de mim e do governo do Paraná. E espero tudo como se tudo dependesse do Congresso Nacional, do presidente da República e do Judiciário”.
Para Maggi, liberação dá competitividade ao País
Maior plantador individual de soja, o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi (PPS), que esteve em Curitiba para fazer uma palestra e visitar familiares, também foi ao Palácio Iguaçu, onde almoçou com Requião. “Conheço a posição do Requião. Ele tem entendimento de que a soja não transgênica tem um mercado garantido, que teria preço maior”, disse Maggi. “Eu já defendi esse ponto de vista num passado bem recente, mas os anos passaram e o Brasil perdeu competitividade.”
Segundo ele, a soja convencional sai do Brasil com um preço normal e ganha sobrepreço na distribuição na Europa. “O Brasil e os produtores não ganham nada com isso e eu mudei de posição aceitando os transgênicos nos últimos tempos”, afirmou. Maggi disse que, no Mato Grosso, não será possível plantar soja transgênica nesta safra, mesmo que seja liberada, em razão da dificuldade de conseguir semente.
Mas na próxima safra, calcula que 20% a 30% da soja em seu Estado será transgênica, em razão do custo menor – US$ 50 por hectare, em sua estimativa. Maggi disse que sua empresa mantém contratos com países europeus em que é garantido que não há soja transgênica. “Só que é muito fácil fazer isso agora porque não tem”, afirmou. “Com a liberação, os produtores vão optar, na maioria, pelo transgênico e não será mais possível dar essa garantia pelo mesmo preço que temos hoje.”
“Será necessário colher, transportar, armazenar, beneficiar, industrializar e distribuir a soja convencional de forma separada”, lembra. Maggi calcula que isso fará com que a produção da tonelada da soja convencional custe entre US$ 10 e US$ 15 mais. “O resultado disso é que na prateleira do supermercado terá um produto convencional custando US$ 2 e o transgênico custando US$ 1. O consumidor vai chegar lá, olhar e decidir”, acentuou.
Produtores do RS esperam MP
A aprovação pelo Senado do projeto da Lei de Biossegurança tranqüilizou os produtores gaúchos, que estão mais confiantes de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva editará uma medida provisória para autorizar rapidamente o plantio de soja transgênica. No Rio Grande do Sul o cultivo já começou, mesmo sem a legislação regulamentando a safra 2004/2005.
Segundo o secretário da Agricultura do Estado, Odacir Klein, essa é a melhor saída, diante da falta de consenso na Câmara, para incluir na MP 192 uma emenda sobre transgenia. O presidente da Comissão de Grãos da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Jorge Rodrigues, disse que os produtores se colocam ao lado do ministro da Agricultura.
O governador Germano Rigotto também comemorou a aprovação da Lei de Biossegurança pelo Senado Federal. Ele disse que agora o governo federal tem maiores condições para editar uma medida provisória.
Humberto Costa critica
O ministro da Saúde, Humberto Costa, considera a Lei de Biossegurança aprovada anteontem pelo Senado um “retrocesso” em relação ao que a Câmara dos Deputados havia aprovado há oito meses. “O que o Senado aprovou deixa os ministérios da Saúde e Meio Ambiente como meros registradores das decisões que a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) toma”, disse Costa. O ministro, entretanto, elogiou a lei no que diz respeito às possibilidades de pesquisa com células-tronco. “É o futuro da medicina. A lei vem como um avanço nesse aspecto.” A Lei de Biossegurança regulamenta o plantio e a comercialização de sementes transgênicas no País e autoriza a realização de pesquisas com células-tronco embrionárias por institutos de pesquisa.
O texto aprovado atribui à CTNBio as competências para decidir sobre as sementes transgênicas que poderão ser produzidas no País.