Belo Horizonte (AE) – O Brasil não é o único país a rejeitar a proposta argentina de adoção de salvaguardas. Os outros dois sócios no Mercosul, o Paraguai e o Uruguai, deixaram claro ontem, durante a 27.ª Reunião de Cúpula do Mercosul, que são contra o mecanismo, embora tenham tido o cuidado de não melindrar os representantes do país vizinho. A ministra de Relações Exteriores do Paraguai, Leila Rachid, comentou que as salvaguardas poderiam trazer insegurança jurídica e econômica à região. O chanceler do Uruguai, Didier Opperti, disse que não discutiria a proposta da Argentina especificamente, mas disse que as salvaguardas, em princípio, são instrumentos que criam obstáculos entre mercados, o que vai contra o espírito de integração do Mercosul.
O governo brasileiro, por sua vez, orientou seus funcionários a deixar o tema das salvaguardas em banho-maria. Avaliou-se que o clima está demasiado tenso.
Coube ao secretário de Comércio Internacional da Argentina, Alfredo Chiaradia, tentar defender a proposta durante a entrevista concedida pelos chanceleres. O ministro das Relações Exteriores argentino, Rafael Bielsa, não falou com a imprensa, embora tenha participado da reunião, mesmo chegando atrasado.
"A Argentina é uma fervorosa defensora do Mercosul, que é sua ferramenta de projeção internacional", disse Chiaradia. "Não poderia a Argentina isoladamente defender um mecanismo que retroage à criação do Mercosul, mas ocorre que a proposta não se limita às salvaguardas."
De fato, a proposta de salvaguardas contempla outros temas, como um "código de conduta" para investimentos. No entanto, ficou claro ontem que o Brasil não discutirá essa questão diretamente com a Argentina. O país vizinho quer regras que atrelem investimentos estrangeiros feitos no Brasil aos demais sócios no Mercosul e vice-versa. No entanto, um técnico informou que esse debate foi remetido para a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que já tem um código regulando o tema.
O técnico explicou que a proposta argentina continha regras semelhantes às da OCDE "e umas outras coisas" que, se adotadas, fariam com que o regulamento para investimentos no Mercosul ficasse muito diferente do restante do mundo. Isso poderia afastar os investimentos estrangeiros na região.
Nenhum desses dois temas, porém, foi parte da agenda oficial de ontem da Reunião de Cúpula, que contou com representantes dos quatro membros plenos (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai), os três associados (Bolívia, Chile e Peru) e mais três cuja associação deverá ser oficializada hoje: Equador, Colômbia e Venezuela. Havia também representantes da Índia e da União Aduaneira da África Austral (África do Sul, Botswana, Lesoto, Namíbia e Suazilândia), com quem o Mercosul concluiu ontem a negociação de acordos comerciais.
O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, não escondia sua satisfação com o grande número de países representados. Ele vem repetindo esta semana que há "uma fila" de países interessados em negociar com o Mercosul. O primeiro será o Canadá, com quem as conversas se iniciam em janeiro. O diretor do Departamento de Negociações Internacionais do Itamaraty, Regis Arslanian, disse que a primeira rodada ocorrerá na segunda quinzena do mês.
Bitributação
O encontro fechou ontem um acordo que permitirá eliminar a dupla cobrança de impostos de importação sobre mercadorias que chegam de fora do Mercosul e que circulam dentro do bloco. Em tese, o produto deveria ser tributado na entrada e a circulação deveria ser livre. No entanto, os países-membros, principalmente o Paraguai, cobram as tarifas uma segunda vez.
Ficou combinado então que, até 2008, serão acertadas regras que permitirão eliminar esse problema sem abrir um "rombo" no caixa paraguaio. Perto de 18% das receitas fiscais daquele país vêm da cobrança do Imposto de Importação.
A chanceler do Paraguai, Leila Rachid, disse esse é um tema "muito sensível". O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, reconheceu que o Paraguai poderia ser prejudicado com a eliminação da bitributação. Isso porque aquele país não tem porto. Por isso, em tese, o Paraguai praticamente não teria arrecadação do Imposto de Importação, pois as mercadorias ingressariam por outro país.