A instrução 476 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) de esforços restritos de distribuição de títulos de renda fixa tem elevado o número de emissões de debêntures desde 2009, quando foi aprovada. Segundo dados da Associação das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), foram emitidas R$ 25,48 bilhões debêntures em 2009, 52% das quais por meio da instrução 476; R$ 49,29 bilhões em 2010, com 67% por meio da 476; e R$ 36,7 bilhões até setembro, 93% pela 476.
A elevação está sendo acompanhada, no entanto, da concentração desses papéis nas mãos de um pequeno grupo de investidores, algumas vezes de um único subscritor, levantando questionamentos sobre seu impacto no ainda minguado mercado secundário.
A eficiência da instrução para a abertura do mercado de capitais a um leque maior de empresas e no fortalecimento desse instrumento como opção de captação, ao tornar o processo de emissão mais rápido, é inquestionável entre a maioria dos agentes e participantes desse mercado.
A instrução CVM 476 dispensa a emissão de registro prévio na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) por se destinar a investidores qualificados, ou seja, que conhecem os riscos de mercado. A instrução também permite que empresas de capital fechado emitam o papel. A instrução CVM 400, por sua vez, exige que somente empresas de capital aberto emitam o papel, com registro prévio na CVM e, por ser direcionada também ao investidor de varejo, as empresas têm de conduzir uma série de ações relacionadas à informação dos investidores, especialmente sobre fatores de risco.
“A instrução 476 preenche uma lacuna, já que muitas empresas deixavam de utilizar a debênture como instrumento de captação quando havia somente a instrução 400”, disse o diretor executivo comercial e de produtos da Cetip, Carlos Ratto.
Mas entre os participantes do mercado de debêntures crescem comentários de que algumas boas emissões estão sendo mantidas na carteira de uma única instituição que coordena a operação, ou distribuídas a um grupo muito pequeno de investidores, algumas vezes, empresas da própria coordenadora da colocação. “Os bancos fazem a operação para comprá-la inteira, recebendo a remuneração de um emissor que é normalmente de primeira linha”, disse fonte de um banco que não quis ser identificada.
Bancos ficam com a maior parte
O vice-presidente da Anbima, Alberto Kiraly, disse que os bancos sempre absorveram grande parte das debêntures, mas que esse montante subiu de 50% antes da instrução 476 para 70% após a entrada em vigor da mesma. A Anbima tem liderado os esforços para dar liquidez ao mercado secundário, envolvendo-se principalmente na iniciativa de criação do Novo Mercado de Renda Fixa.
“Apenas um terço do que é emitido chega ao mercado secundário atualmente”, relatou Kiraly. “O mercado de debêntures sempre absorveu grande parte dos papéis. Os bancos têm interesse, precisam de bons créditos e sempre houve esse movimento de carregar em carteira as operações”, disse. Para ele, a questão do mercado secundário vai além e diz que quando for mais ativo, os bancos terão interesse em se desfazerem desses papéis.
O superintendente de distribuição do BES Investimento do Brasil, Jorge Simão, acrescentou que a própria natureza do mercado tende à concentração, citando que os fundos de pensão e as assets, por conta da característica suas operações, tendem a manter os papéis em carteira, se desfazendo dos ativos somente quando há algum resgate e necessitam realocar ativos.
Simão pondera também que parte da concentração está relacionada ao fato de que uma fatia das debêntures emitidas por meio da instrução 476 são de empresas de capital fechado e que outras não têm interesse em se adequar as exigências de transparência do mercado de capitais. “Algumas emissões jamais conseguiriam ser colocadas no mercado de varejo”, disse.
Para ele, o ponto importante de tal discussão é que desde 2010 o mercado está mudando, com o surgimento de novas casas de administração de recursos focadas em diversificar investimentos e aumento no interesse pelo crédito privado por fundações e pelas empresas de private equity. “No futuro, com o crescimento do mercado de capitais – com o ingresso de novas empresas, com as operações aumentando de volume e a ampliação do leque de investidores – teremos de repensar a limitação de distribuição da 476 para que não haja injustiça (de distribuição)”, disse. A instrução 476 prevê que a emissão seja mostrada a 50 investidores qualificados e distribuída para 20 deles.
O superintendente de registro de valores mobiliários da CVM, Felipe Claret da Mota, diz que a instrução 476 é anterior as discussões de fomento à liquidez do mercado secundário de renda fixa privada e que a subscrição por um único investidor está prevista inclusive na instrução 400. “A 476 tem várias vantagens e a principal é facilitar a vida da companhia em um momento de necessidade de recursos, ainda abrindo a possibilidade de também companhias fechadas acessarem o mercado de capitais, quem sabe, incentivando-a a abrir o capital”, diz Mota. “Para o secundário crescer, é preciso haver operações”, conclui.
O advogado José Eduardo Carneiro Queiroz da empresa de advocacia Mattos Filho, acrescenta que a debênture é um título de dívida e, por isso, tem característica de crédito, e que uma eventual baixa distribuição pode estar relacionada ao fato de o mercado ser ainda muito pequeno e pouco desenvolvido. “Uma distribuição maior, portanto, dependeria da evolução do mercado de debêntures, em termos de eficiência”, diz.