Por 53 votos a favor, dois contra e três abstenções, o plenário do Senado aprovou na tarde de ontem o substitutivo do senador Ney Suassuna (PMDB-PB) que cria a Lei de Biossegurança, regulamentando o plantio e a comercialização de sementes transgênicas no País. Como o texto foi modificado pelos senadores, com a adição de quatro emendas, a matéria (PLC 09/04) ainda vai ter que retornar à Câmara dos Deputados para ser votada em segundo turno. Apesar da votação, não está descartada a possibilidade de o governo editar medida provisória disciplinando a produção e comercialização de produtos transgênicos no País. É que o plantio da soja começa no próximo dia 10.
Os senadores discutiram a proposta por mais de quatro horas. A Lei de Biossegurança, que tramita há oito meses no Senado, também autoriza a realização de pesquisas com células-tronco embrionárias por institutos de pesquisa. O texto aprovado prevê, entretanto, que os embriões devem estar congelados até o dia da publicação da lei e devem ter, no mínimo, três anos de estocagem.
O relator do projeto da Lei de Biossegurança, senador Ney Suassuna (PMDB-PB), sustentou na defesa de seu substitutivo que a “soja transgênica ajuda o meio ambiente, pois exige menos agrotóxico”. Ele informou que a soja tradicional recebe até seis aplicações de agrotóxicos, enquanto a transgênica é colhida tendo recebido apenas um herbicida. “Há muita desinformação sobre esse assunto. Quem é contra os transgênicos se aproveita da desinformação das pessoas para propagar mitos equivocados sobre o assunto”, sustentou.
Votaram contra o projeto os senadores Heloísa Helena (PSOL-AL) e Flávio Arns (PT-PR). Apesar da aprovação, a bancada ruralista já anunciou que vai pressionar o governo para transformar o capítulo referente à liberação de transgênicos em medida provisória, o que legalizaria o plantio da soja transgência no Rio Grande do Sul de forma mais rápida.
“Havia a expectativa de que a lei fosse votada, o que de fato aconteceu. Agora, o produtor vai poder decidir entre a soja convencional e a transgênica”, apontou o superintendente da Ocepar, José Roberto Ricken. “Há uma alternativa para os produtores e uma decisão para não ficarem fora do mercado.” Para o economista do Departamento Econômico Rural (Deral), Norberto Ortigara, “os agricultores precisam de um marco regulatório. “Só não sei se haverá tempo hábil para aprovação na Câmara”.
Inevitável
O presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), descartou a possibilidade de o Congresso concluir ainda em outubro a votação do projeto da Lei de Biossegurança, mesmo com a aprovação no Senado ontem. João Paulo lembrou que quando voltar à Câmara para nova votação, o projeto entrará em uma fila em que 18 medidas provisórias já estão trancando a pauta.
Com isso, afirmou ele, será inevitável a edição de uma MP autorizando os produtores a utilizarem sementes de soja transgênica nesta safra. “Não sei qual é o prazo limite que os produtores têm para o plantio. Se for outubro, será inevitável editar uma medida provisória porque senão os produtores trabalharão na ilegalidade”, disse.
“O governo agora tem o amparo institucional para tomar a decisão”, disse o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP). Com as 18 MPs trancando a pauta de votações da Câmara, e os parlamentares envolvidos nas campanhas do segundo turno das eleições municipais, o líder acha “difícil” que a proposta seja aprovada até o início do plantio de soja.
O relator da Lei de Biossegurança no Senado, Ney Suassuna (PMDB-PB), também disse que agora o presidente Lula está “tranqüilo” para editar a MP. “O presidente agora tem votado na Câmara sim e no Senado sim. Logo, ele está muito tranqüilo para fazer uma medida provisória. Embora eu seja contra a MP, eu acho que nesse caso tem a urgência, tem todas as condições para ser aprovada”, disse.
Greenpeace alerta para riscos da liberação
O Greeenpeace condenou ontem a aprovação da Lei da Biossegurança. “Da forma como foi aprovada pelo Senado, a Lei de Biossegurança coloca o Brasil na desvantajosa condição de produtor transgênico, que apóia os interesses corporativos, ignora a opinião da população brasileira e atropela o princípio da precaução”, afirmou o grupo ativista, em nota. O Greenpeace alertou ainda que “as consequências da liberação irrestrita de OGMs no meio ambiente são imprevisíveis e podem ser irreversíveis, pois não existe consenso nem mesmo na comunidade científica sobre sua segurança.” Entre os riscos que representam para o meio ambiente, aponta o grupo, estão a poluição genética, a perda de biodiversidade, o surgimento de ervas daninhas resistentes a herbicidas, o aumento do uso de agrotóxicos e a perda da fertilidade natural do solo.
Para o grupo, a concessão do poder de decisão à CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) para a liberação comercial dos transgênicos é outro grave problema do texto aprovado, que desfigurou completamente a lei apresentada inicialmente pelo governo. “Segundo o texto que agora retornará à Câmara dos Deputados, a CTNBio passará a ter mais poderes do que os ministérios, impondo suas decisões aos ministérios da Saúde e do Meio Ambiente. Isso é absolutamente inconstitucional, já que são os ministérios que possuem a competência técnica para a avaliação de riscos dos transgênicos”, afirmou Ventura Barbeiro, da Campanha de Engenharia Genética do Greenpeace.
90% das sementes no RS são modificadas
O presidente da Federação da Agricultura no Rio Grande do Sul (Farsul), Carlos Sperotto, defendeu ontem a inclusão, em uma das medidas provisórias que encabeçam a lista de votação na Câmara Federal, de um artigo prorrogando os prazos da lei que garantiu a safra passada. “Se não for isso, o presidente Lula terá de emitir uma medida provisória. Não tem jeito”, disse Sperotto.
Falando em nome de 100 mil pequenos produtores gaúchos que cultivam soja transgênica, o presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura gaúcha (Fetag), Ezídio Pinheiro, reiterou a necessidade de uma MP regulando o plantio.
O presidente da Federação das Cooperativas de Agronegócio do Estado (Fecoagro), Rui Polidoro Pinto, disse que espera uma decisão rápida para que o produtor tenha certeza de que os financiamentos bancários estarão cobertos.
O Rio Grande do Sul já iniciou o plantio de aproximadamente 4,1 milhões de hectares de soja da safra 2004/2005. Desse total, 90% estariam usando sementes modificadas. A produção está estimada em cerca de 8 milhões de toneladas.
R$ 13 milhões para células-tronco
Brasília – O Ministério da Saúde vai investir cerca de R$ 13 milhões em pesquisa sobre técnicas alternativas ao transplante de coração e outras cirurgias cardíacas. Quatro instituições estarão envolvidas num estudo nacional sobre a eficiência do uso das células-tronco do próprio paciente para o tratamento de doenças cardíacas graves. O estudo será coordenado pelo Instituto Nacional de Cardiologia de Laranjeiras (INCL), instituição vinculada ao Ministério da Saúde e considerada centro de referência. As outras instituições serão selecionadas por edital.
Cada instituição será responsável pelo estudo do uso de células-tronco no tratamento de uma das quatro enfermidades cardíacas a serem pesquisadas: cardiopatia chagásica, infarto agudo do miocárdio, cardiomiopatia dilatada e doença isquêmica crônica do coração.
A pesquisa vai envolver 1.200 pacientes, em estudos que terão variação de 18 meses a três anos de duração. O coordenador de ensino e pesquisa do INCL, Antônio Carlos Campos de Carvalho, disse que esse será o maior número de pacientes envolvidos numa mesma pesquisa sobre o assunto, no País.
Os pacientes serão divididos em quatro grupos, com 300 pessoas cada, de acordo com a doença cardíaca que possui. Em cada um dos grupos, a metade receberá o tratamento tradicional com medicamentos e, a outra parcela, injeções de células-tronco retiradas da medula óssea do próprio paciente.
“O objetivo desse estudo é investigar se a terapia celular é uma alternativa viável para esses pacientes com essas quatro cardiopatias”, explicou Carvalho. Segundo ele, se a pesquisa demonstrar a eficiência dessa terapia, o Sistema Único de Saúde (SUS) vai passar a usar essa nova modalidade terapêutica.
De acordo com Antônio Carlos, uma das vantagens dessa terapia com células-tronco do próprio paciente é evitar a rejeição imunológica já que o material transplantado é do próprio paciente. Como as doenças estudadas são graves e o tratamento, em geral, é o transplante, a nova terapia também vai resolver o problema de falta de órgãos.
“Certamente, a terapia celular é uma alternativa em termos de custo muito mais barata, e será muito mais barata do que a realização de um transplante cardíaco”, acrescentou. Nos tratamentos que não envolvem transplante, a terapia celular será usada em conjunto com as cirurgias de revascularização para ajudar na melhora do desempenho cardíaco dos pacientes.
O estudo sobre a terapia celular é parte de uma parceira firmada, em setembro, entre os ministérios da Saúde e da Ciência e Tecnologia para incentivar pesquisas na área de saúde. O acordo prevê investimentos de R$ 57 milhões, este ano, do orçamento do Ministério da Saúde que serão destinados a pesquisas científicas que possam melhorar as condições de saúde da população brasileira. Os recursos vão incentivar cerca de 350 projetos de pesquisa.
As células-tronco são células primitivas, que guardam a capacidade de se especializarem em diversos tipos de tecidos, entre eles, o coração. Elas existem naturalmente em reservatórios do corpo humano, como a medula (parte central) do osso da bacia. A técnica consiste em aplicar uma anestesia local e, em seguida, aspirar com agulha parte do conteúdo do osso. Esse material é processado em laboratório e injetado dentro do órgão doente que, no caso do tratamento de doenças do coração, é feito através de cateterismo cardíaco.
Confira os principais pontos da nova lei
O texto
– Autoriza a produção e a comercialização de sementes transgênicas de soja tolerante ao glifosato, registradas no Registro Nacional de Cultivares (RNC) do Ministério da Agricultura.
– Permite também o plantio, na safra 2004/2005, do grão da soja modificada geneticamente que tenha sido reservado pelos produtores rurais, mas veda a comercialização da produção na forma de semente.
– Caberá à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), composta por 27 membros designados pelo ministro da Ciência e Tecnologia, autorizar a utilização de transgênicos, em prazo a ser fixado em regulamento.
– O Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), integrado por 11 ministros, poderá avocar para si a decisão final sobre a liberação. Terá que fazê-lo também quando se tratar de recurso apresentado por órgãos de registro e fiscalização que discordarem da decisão da CTNBio. O prazo para apresentação de recurso é de 30 dias.
– A rotulagem de alimentos e ingredientes alimentares produzidos a partir de organismos geneticamente modificados (OGMs) ou derivados passa a ser obrigatória.
– O substitutivo proíbe a clonagem humana, mas assegura a utilização de células-tronco de embriões obtidos por fertilização in vitro, para fins de pesquisa e terapia, desde que transcorridos três anos do congelamento, sendo sempre necessária a autorização dos genitores.
Penas
– Quem utilizar embrião humano em desacordo com as regras estabelecidas poderá ser preso por até três anos; a prática de engenharia genética com embrião humano pode resultar em detenção de até quatro anos. Para a clonagem humana, a reclusão pode variar de dois a cinco anos. Os infratores estarão sujeitos ainda ao pagamento de multa.
– A liberação de organismo geneticamente modificado no meio ambiente, sem obediência às regras da CTNBio e dos órgãos de registro e fiscalização, também resultará em prisão de até quatro anos; já a produção e comercialização de transgênicos em discordância com as normas levará o infrator a até dois anos de prisão.
