A Medida Provisória 808 – que prevê ajustes na reforma trabalhista – perde a validade nesta segunda, 23. Para virar lei, o texto precisaria ser aprovado pelo Congresso, mas o prazo não foi cumprido. Com a queda da MP haverá uma série de alterações nas regras trabalhistas novamente, avaliam advogados com atuação intensa na área.
O advogado Carlos Eduardo Dantas Costa, por exemplo, diz que uma das principais mudanças versa sobre a aplicação das regras da reforma trabalhista nos contratos de trabalho.
“Na época da reforma trabalhista, houve uma série de posições defendendo que sua aplicação só se daria para contratos novos. Embora não houvesse necessidade, a MP previu expressamente a aplicação da reforma trabalhista para contratos vigentes. Com a queda da MP, esses questionamentos voltarão e, agora, com um argumento novo: o de que era a MP que assegurava a aplicação da reforma aos contratos vigentes”, detalha Dantas Costa, sócio do Peixoto & Cury e professor da FGV-SP.
O advogado também menciona a obrigação de o empregador entregar ao empregado os comprovantes de recolhimento de FGTS e INSS. “A MP criou essa obrigação que, até então, não existia. Na prática, isso é muito difícil de ser operacionalizado pelas empresas. Com a MP caindo obrigação deixa de existir”, diz.
Carlos Eduardo Dantas Costa aponta, ainda, a questão da jornada de trabalho 12×36. “Pela MP, a jornada deveria ser pactuada necessariamente por acordo ou convenção coletiva, salvo para empresas do setor de saúde. Com a queda da MP, o acordo 12×36 volta a ser admitido por acordo individual, ou seja, diretamente entre empresa e empregador.”
A advogada Paula Santone Carajelescov, do Rayes & Fagundes Advogados Associados, afirma que a MP era vista como uma forma de apaziguar parte das críticas à reforma trabalhista, atenuando aspectos considerados prejudiciais ao trabalhador. Paula considera que a perda da validade da MP “certamente reforçará a insegurança jurídica e as controvérsias que se instalaram no âmbito da Justiça do Trabalho a partir da reforma”.
De acordo com a advogada, entre os aspectos mais polêmicos está a alteração introduzida para as grávidas e lactantes. “A redação original da CLT, advinda da reforma trabalhista, estabelece que a mulher pode trabalhar em locais de insalubridade média ou mínima, a menos que apresente um atestado prevendo o contrário. Por sua vez, a MP inverteu a situação, proibindo o trabalho insalubre a menos que o atestado médico libere.”
Outro ponto mencionado por Paula Carajelescov é sobre a indenização por danos morais. “O texto original da CLT previsto com a reforma vinculava o valor da indenização ao salário percebido pelo trabalhador. A morte de um médico, por exemplo, valeria mais do que a morte de um auxiliar de limpeza laborando no mesmo local. Pela MP, o valor era vinculado ao teto do INSS, entre 3 e 50 vezes esse limite, dependendo da gravidade do caso.”
Luis Fernando Riskalla, sócio do Leite, Tosto e Barros Advogados, aponta que a não conversão da Medida Provisória nº 808 em lei pode significar considerável obstáculo no avanço e aperfeiçoamento das normas trabalhistas. “Teremos outra alteração nas normas e práticas trabalhistas em 6 meses de vigência da reforma. Além de gerar insegurança jurídica aos empregadores e empresários, essa alteração certamente gerará incertezas aos empregados.”
Riskalla observa que entre as alterações mais significativas com a queda da Medida Provisória está a possibilidade de fixação da jornada 12 x 36 por meio de acordo individual e não mais por acordo coletivo. Também a possibilidade de gestantes trabalharem em ambiente insalubre com eventual afastamento somente por pedido médico e a base de cálculo de indenizações por danos morais, que deixa de ser o teto da previdência e volta a ser o salário do trabalhador.
Ele acrescenta, ainda, que “esclarecimentos e conceitos importantes, como, por exemplo, a definição do que é prêmio, caem com a Medida Provisória”.
Segundo Wilson Sales Belchior, sócio do escritório Rocha, Marinho e Sales Advogados, com o fim da vigência da MP, os pontos que foram alterados da reforma trabalhista voltam a valer de acordo com as regras anteriores.
“A incerteza e insegurança jurídicas são nítidas”, entende Belchior. “Afinal, o conteúdo da reforma trabalhista já vem sendo aplicado pelos tribunais. O Tribunal Superior do Trabalho ainda não se pronunciou sobre questões específicas do direito intertemporal na Lei nº. 13.467/2017.
Na prática, deixou a tarefa de entendimento sobre o que é válido ou não no caso concreto à interpretação individual dos magistrados. Dessa forma, para empregadores e empregados não há certeza sobre o conteúdo e a forma de aplicação dessas normas jurídicas, mesmo sabendo que a referida lei permanece constitucional e deve ser aplicada na sua integralidade”, analisa.
“Empregadores e empregados certamente sofrerão com insegurança jurídica estabelecida, pois suas relações de trabalho voltarão a ser disciplinadas por um texto legal carente de diversas previsões”, afirma a advogada Renata Chiavegatto Barradas, da área trabalhista do Costa Tavares Paes Advogados.
Segundo Renata, “não há dúvidas de que a Lei 13.467/17 deve ser integralmente aplicada a todos os contratos de trabalho formalizados após a sua vigência, mas o texto legal deixou muitas dúvidas a respeito da aplicabilidade imediata e integral da nova legislação aos contratos de trabalho formalizados antes da vigência da nova legislação e que tinham continuidade a partir dessa”.
Ela destaca que o Artigo 2.º da MP 808 “disciplinava justamente tal questão, deixando expresso que a lei tinha aplicação imediata e integral aos contratos que, embora formalizados antes de sua vigência, estavam em curso quando do início de sua validade”.