Celso Amâncio entrou nas Casas Bahia em 1976 para trabalhar na finalização do crédito. A rede tinha 13 lojas em São Paulo e ele visitava a casa dos clientes que, mesmo sem comprovante de renda, recebiam crédito. Quando saiu, em 2005, era diretor da área e a rede tinha 500 lojas no País.
Graças a essa experiência, tornou-se um dos maiores especialistas em financiamento para a base da pirâmide no Brasil. Presta consultoria para lojas, bancos e financeiras. Seu nome aparece com destaque nas três páginas do livro A Riqueza na Base da Pirâmide, do indiano C.K. Prahalad, um dos primeiros especialistas em estratégia empresarial a identificar o poder de consumo das classes emergentes. “Houve uma avalanche de crédito, mas sem educação financeira. armaram uma bomba relógio”, diz na entrevista que segue.
A inadimplência subiu muito, depois baixou e parece sob controle mesmo com a última alta em abril. Está tudo bem?
Não, não está. Essa classe emergente tem hoje pelo menos cinco cartões de crédito no bolso. Se não consegue pagar um, ela passa a dívida para outro cartão e para outro, e outro. A inadimplência não aparece e ninguém tem coragem de falar isso.
Por quê?
Formou-se uma bolha. Tanto é que várias acordos são feitos. Fizeram até feirões de negociação de dívidas, muitas vezes com perdão da dívida, com o pagamento do principal ou 50% do principal. Para chegar a essa situação, é porque o mercado ficou complicado.
As dívidas não foram quitadas. Foram sendo renegociadas e deixaram de constar como dívidas?
Exatamente. Centenas de milhares de pessoas entraram nesses programas e estão aí para comprar novamente. Mas é preciso entender uma coisa: houve uma mudança no perfil desses tomadores de crédito. A renda das classes C e também da D e da E está comprometida com coisas com as quais eles não tinham no tempo do carnê. Estes têm despesas com celular, com TV por assinatura, com internet. E eles têm os cartões de crédito. Não estou dizendo que o cartão é um vilão. Não. O crédito é muito importante. Mas precisa vir acompanhado de educação financeira. O problema é que houve indiscriminação na oferta de crédito sem a educação. Primeiro, as lojas e financeiras disputaram cadastros – e não clientes – para criar uma massa de tomadores de empréstimo. De 2000 para cá, deram crédito por telefone. Na rua, puxavam as pessoas pelo braço na calçada. Mais recentemente, o governo incentivou o consumo. Mas crédito é uma coisa e poder de compra é outro. O banco pode me dar um crédito de R$ 150 mil. Manda uma carta para você. Eu rasgo a carta. Mas essas pessoas não tiveram educação financeira. Aprendem na prática. Errando. Devendo. Sujando o nome. Pagando taxas de juros altíssimas.
A forma de conceder o crédito não é adequado, então?
Não. Nessas classes é preciso trabalhar com crédito familiar. Hoje, estão trabalhando com a inadimplência familiar. Porque os cartões, os nomes, as contas são compartilhados dentro das famílias. Depois que você paga um cartão com outro cartão, usando os seus cartões, você vai lá e roda com os cartões da sua esposa. A inadimplência é familiar.
Qual mecanismo identifica esse tipo de endividamento que o senhor está falando?
Não existe. O sistema pode identificar um devedor, mas não sabe que, de arrasto, ele comprometeu a renda da família inteira atrás dele. Sem educação financeira, armaram uma bomba relógio.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.