Há quase dez anos sem qualquer registro de foco de febre aftosa – o último caso foi verificado em maio de 1995, na região de Umuarama -, o Paraná se prepara agora para um novo desafio: tornar a carne bovina mais competitiva no mercado externo. Segundo dados do Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados no Paraná (Sindicarnes-PR), de janeiro a setembro o Estado participou com apenas 3,9% da exportação brasileira de carne bovina. Para quem conta com um rebanho de aproximadamente 10 milhões de cabeças e produz cerca de 500 mil toneladas de carne por ano, trata-se de uma participação muito pequena.
Em 2000, o Paraná foi reconhecido internacionalmente como área livre de aftosa com vacinação. Para o secretário da Agricultura, Orlando Pessuti, esse reconhecimento feito pela OIE (Organização Internacional de Epizootias) foi importante para a conquista de novos mercados, principalmente para o da carne bovina e suína, que passou a ser aceita pelos países que já estão livres da doença, além de obter melhor valor de mercado.
Para o presidente do Sindicarnes-PR, Péricles Salazar, a possibilidade de vender ao mercado externo realmente aconteceu, mas ele tem dúvidas sobre o aumento do valor de mercado. “O fato de o Paraná ser considerado área livre de aftosa com vacinação fez com que pudesse ter participação no mercado internacional, embora, acredito eu, o preço do produto não subiu por conta disso”, afirmou Salazar. “O inverso, no entanto, é verdadeiro: se surgir algum foco de febre aftosa no Paraná, não teremos preço nem mercado para quem vender. Estaríamos fora do mercado internacional”, ponderou.
Para Salazar, o Paraná precisa aumentar sua participação no comércio internacional, para fugir da vulnerabilidade do mercado interno. “Faltam estímulos para os produtores, para que as propriedades se modernizem para atender o mercado externo”, apontou Salazar, citando a necessidade de contar com um plantel de bovinos maior e mais eficiente, com animais de bom cruzamento. Para o presidente do Sindicarnes-PR, também há deficiência no setor industrial. “É preciso ampliar e melhorar a instalação de frigoríficos. A questão é que a modernização requer investimentos, que não são menores do que R$ 2 milhões. De onde tirar isso, se o setor é pouco rentável?”, questionou. Para ele, faltam programas de financiamento a longo prazo que incentivem a modernização das indústrias.
Rastreabilidade
Salazar também é favorável à rastreabilidade bovina, e não apenas identificação do animal. “Como o produtor tem que pagar por isso, ele prefere não fazer o registro no Banco de Dados do Ministério da Agricultura. A questão é que o produtor tem que se conscientizar que terá dupla vantagem: a remuneração diferencial de R$ 2,00 a mais por arroba, paga pelo frigorífico, e será uma ferramenta de gestão da sua propriedade”, explicou. A criação de uma agência que envolvesse o setor privado e o público e que fosse voltada exclusivamente para o mecanismo de exportação, identificando oportunidades de mercado lá fora, também é bem-vinda, segundo Salazar.
De janeiro a setembro, o Paraná exportou 35.361 toneladas de carne bovina, o que representou cerca de US$ 82,9 milhões. No ano passado, no mesmo período, foram 21.547 toneladas de carne (US$ 42,8 milhões). Os principais compradores do Paraná foram a Rússia, Holanda, Hong Kong e Espanha.
Já o Brasil exportou, de janeiro a setembro, 886.109 toneladas de carne bovina, o que representou US$ 1,665 bilhão – faturamento quase 73% maior do que o registrado no mesmo período do ano passado, quando foram exportadas 615.374 toneladas (US$ 1,075 bilhão). Os números foram repassados pelo Sindicarnes-PR.
Vacinação atinge 118 milhões de animais
Começou no dia primeiro, em 15 unidades da federação, a última etapa da campanha de vacinação contra febre aftosa do ano, envolvendo mais de 118 milhões de animais, o que representa aproximadamente 62% do rebanho nacional, de 191,2 milhões. Até o dia 30 de novembro, deverão imunizar seus rebanhos os criadores dos estados do Acre, Amapá, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, parte centro-oeste de Minas Gerais, Pará, Paraná, Piauí, Rondônia, São Paulo, Sergipe, Tocantins e o Distrito Federal.
No caso do Paraná, a segunda etapa da vacinação deverá atingir 99% do rebanho, estimado em 10 milhões de cabeças de bovinos e bubalinos, segundo previsão do secretário da Agricultura, Orlando Pessuti.
Atualmente, segundo a Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, 84% do rebanho brasileiro têm reconhecimento internacional como área livre de febre aftosa com vacinação. Graças a essa condição, o País está ampliando mercados para as exportações do setor. No ano passado, as vendas externas de carne bovina somaram cerca de US$ 1,5 bilhão.
Combate
O combate à febre aftosa no País, de forma organizada e oficial, começou há 39 anos, no Rio Grande do Sul. Depois, o programa foi estendido aos estados de Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso, Goiás, Rio de Janeiro e Sergipe. Em 1968, o Brasil obteve junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) um empréstimo para financiar o Projeto Nacional de Combate à Febre Aftosa, desenvolvido até 1982.
Os esforços evoluíram até chegar à atual configuração de cinco circuitos pecuários (Sul, Centro-Oeste, Leste, Norte e Nordeste), com 15 unidades federativas reconhecidas pela OIE com livres da febre aftosa.
Para quantificar os esforços do Ministério da Agricultura, governos estaduais e do setor privado em favor da sanidade animal, é preciso lembrar alguns números: 531 fiscais federais estão envolvidos com a defesa animal em todo o País – há ainda 2.336 veterinários nos estados, 5.506 auxiliares técnicos e 3.609 auxiliares administrativos, segundo dados do Relatório Anual do PNEFA de 2003. Essa estrutura garantiu a aplicação de mais de 313,5 milhões de doses de vacina contra aftosa em 2003, numa população superior a 180,9 milhões de bovinos, correspondente a 92,82% do rebanho brasileiro. Sem dúvida, esses dados têm reforçado a credibilidade do Brasil nos principais mercados importadores de carne bovina, cada vez mais exigentes.
A aftosa reduz de 25 a 30% a produção de carne ou leite e a eventual ocorrência de um só foco provocaria prejuízos incalculáveis. Recentemente, houve a descoberta de casos isolados no Estado do Amazonas, distante mais de 3.000 km do Paraná. Foi o suficiente para a Rússia suspender as importações de carne bovina de todas as regiões do Brasil.
Meta é chegar a área livre sem vacinação até 2009
Mesmo sem apresentar qualquer foco ou suspeita de febre aftosa desde maio de 95, seria precipitado suspender a vacinação do rebanho do Paraná. A conclusão é do assessor de pecuária da Federação da Agricultura no Estado do Paraná (Faep), Alexandre Antônio Jacewicz. “Santa Catarina já tentou fazer isso, e não deu certo. A aftosa voltou a aparecer”, citou. Segundo ele, o Paraná correria o mesmo risco caso adotasse a medida.
“Só depois da garantia de que o Paraguai, a Bolívia e a Argentina estejam com estrutura de defesa sanitária boa, vigilante, é que vamos poder suspender a vacinação no Paraná. Caso contrário, a febre aftosa volta”, sentenciou Jacewicz.
“A palavra de ordem, portanto, é erradicar a febre aftosa na América do Sul, e chegar num status de área livre sem vacinação até 2009”, afirmou Jacewicz. Na América do Norte e América Central, lembrou, o rebanho já não precisa mais ser vacinado. “No Peru, na Venezuela, nos estados do Amazonas e Pará, a doença ainda não foi erradicada, assim como na região do Chaco (Bolívia, Paraguai e Argentina). É preciso eliminar esses últimos redutos”, reforçou.
Jacewicz lembrou que durante reunião realizada em Houston (EUA), recentemente, foi criado um grupo internacional de erradicação da febre aftosa, com a participação de representantes de diversos países. “Estão trabalhando hoje para ajudar outros países a monitorar o sistema de vigilância e combate à doença. Estão quebrando a cabeça para formar fundos emergenciais, com a iniciativa privada e o governo, para atuar nos os últimos lugares onde aparece a febre aftosa”, explicou.
Fundepec
No Paraná, um fundo emergencial de combate à aftosa já foi criado: o Fundo de Desenvolvimento da Agropecuária no Paraná (Fundepec-PR), constituído em 1995 por 11 entidades privadas. “Quando o Paraná ‘perdeu o bonde’ de conseguir o certificado de livre com vacinação, a exemplo de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, os produtores se articularam. A partir daí, houve uma reação que culminou com a certificação internacional em 2000”, afirmou.
Em 2001 e 2002, foram arrecadados R$ 0,25 por cabeça de gado. O valor, que somava R$ 8 milhões na época, foi aplicado no mercado de capitais e hoje, segundo Jacewicz, chega a R$ 12,3 milhões. “É proibido gastar este dinheiro. É uma espécie de reserva que só será utilizada em eventual erradicação de focos de febre aftosa, peste suína”, explicou. Os recursos só podem ser utilizados, lembrou, mediante aprovação do Conselho Estadual de Sanidade Agropecuária, composto por mais de 30 entidades. De acordo com Jacewicz, com os recursos do Fundepec-PR, o Estado está pronto para erradicar a febre aftosa, caso surja algum foco inesperadamente. (LS)
Pecuarista que não vacinar será multado
Os pecuaristas do Paraná estão mobilizados para vacinar seus rebanhos bovinos e bubalinos contra a febre aftosa. A segunda etapa da campanha foi lançada oficialmente na última sexta-feira. Principal pólo da pecuária de corte do Paraná, a região de Umuarama deverá vacinar 1,34 milhão de bovinos e bubalinos de todas as idades e ambos os sexos. E até o dia 30, os criadores comparecerão às unidades veterinárias para comprovação.
O rebanho paranaense é de 10 milhões de bovinos e bubalinos. Segundo a Defesa Sanitária Animal do Núcleo Regional da Secretaria da Agricultura e do Abastecimento, 13.993 propriedades dedicam-se à criação de gado para corte e produção de leite em 32 municípios vizinhos a Umuarama. Na campanha passada, nessa região, o índice de imunização foi de 99,44%. A complementação se deu pela intervenção direta de técnicos e extensionistas governamentais. Foram lavradas 17 multas contra criadores que não fizeram a vacinação compulsória.
Na região de Campo Mourão, 654.818 bovinos e bubalinos de todas as idades, distribuídos entre 10.173 propriedades de 25 municípios, deverão ser vacinados. A exemplo de outras regiões, criadores, entidades públicas e privadas integrantes das cadeias produtivas da pecuária de corte e leite já começam a se mobilizar para a imunização atingir 100%. Em Paranavaí, a expectativa do Núcleo Regional da Seab é que, nos 29 municípios da região, sejam imuniza 1,15 milhão de cabeças.
Conscientização
Existe um alto grau de conscientização dos produtores. Mesmo assim, o médico veterinário Jesus Pereira Camacho, coordenador regional da DSA, adverte que quem não vacinar o gado terá que pagar multa de R$ 68,00 por bovino. Proibição de comercialização legal dos animais e suspensão de financiamentos junto aos bancos oficiais são outras punições previstas.
Segundo o médico veterinário Carlos Costa, coordenador regional da Defesa Sanitária Animal (DAS) da Seab, em Paranavaí, os produtores devem efetuar o quanto antes a imunização. “É uma forma de evitar contratempos por causa de eventuais chuvas”, explicou. Segundo ele, as condições de tempo e de temperatura são favoráveis, o que facilita o processo para o produtor. Na campanha de maio, o prazo de vacinação teve que ser prorrogado por 10 dias, em função das chuvas, que dificultaram o trabalho no campo.
Costa acredita em vacinação de 100% dos rebanhos existentes em 8.887 propriedades rurais da região de Paranavaí, tal como aconteceu na primeira etapa da campanha, em maio último. No Estado, o índice de imunização chegou a 98,40% em relação ao rebanho de 10,5 milhões de bovinos e bubalinos. “Os pecuaristas paranaenses estão conscientes sobre a importância da manutenção da alto nível de sanidade bovina e bubalina. É uma questão econômica porque, se surgisse um só foco, todos seriam prejudicados”, acrescentou.