Brasília (AE) – Deputados da bancada ruralista querem ampliar por até 180 dias o prazo para comercialização da soja geneticamente modificada da safra 2004/05. A Medida Provisória 223, publicada na edição do dia 15 do Diário Oficial da União, autoriza o plantio de sementes de soja transgênica na safra atual, mas restringe a comercialização dos grãos até 31 de janeiro de 2006.
A MP prevê a prorrogação desse prazo por até 60 dias, dependendo de decisão do Executivo. Os deputados querem a prorrogação do prazo por até 180 dias. A proposta consta em emenda à MP apresentada pelo deputado Leonardo Vilela (PP-GO), que preside a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados. A emenda, contou o deputado, foi apresentada a pedido da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove).
O argumento da iniciativa privada é que se não houver uma lei regulamentando os transgênicos até janeiro de 2006, a soja transgênica terá que ser destruída. “Não podemos destruir alimentos. Acho muito coerente o argumento”, contou o presidente da comissão. Ele lembrou que outros deputados poderão apresentar emendas prorrogando em até 90 dias, a partir de 31 de janeiro de 2006, o prazo para comercialização da safra transgênica.
Responsabilização
O deputado João Grandão (PT-MS) defende que a empresa detentora da tecnologia das sementes de soja transgênica, a Monsanto, também seja responsabilizada por eventuais problemas resultantes do cultivo de transgênicos na safra 2004/05. “As empresas detentoras de eventuais direitos sobre a soja, amparadas na Lei de Proteção de Cultivares ou na Lei de Propriedade Industrial (Lei de Patentes), devem, também, ser responsabilizadas pelos eventuais danos que as lavouras provoquem a terceiros, dividindo a responsabilidade com o agricultor e com o comprador”, argumentou o deputado ao apresentar emenda à Medida Provisória 223.
“A empresa que está introduzindo um elemento novo e com potencial de contaminação na cadeia produtiva é que deve assumir o ônus de evitar que sua atividade prejudique a dos demais. Além disso, a lei deve garantir a integridade das lavouras e o direito dos agricultores que optarem por não plantar transgênicos”, informou o deputado, que integra o Núcleo Agrário do PT. O grupo é contra os organismos geneticamente modificados.
Segregação
Grandão também propôs que a empresa que detém a tecnologia garanta a segregação das lavouras transgênicas e não transgênicas. A idéia é viabilizar o cultivo de soja convencional, sem custo adicional para os produtores. A responsabilidade será compartilhada com a União.
Em outra emenda apresentada à MP 223, Grandão propõe que a empresa detentora da tecnologia dos organismos geneticamente modificados e o estabelecimento comercial sejam obrigados a fornecer todas as informações necessárias aos consumidores para que as medidas de isolamento de cultivos transgênicos sejam cumpridas, de forma a evitar a mistura ou o cruzamento entre espécies.
Semente convencional
A exemplo de outros parlamentares do Núcleo Agrário, o deputado sugeriu, nas emendas apresentadas à MP 223, que a União, por meio da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, fica obrigada a garantir a oferta de semente convencional de soja, em percentual não inferior a 30% da demanda projetada para a safra.
Marina defende substitutivo
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, reiterou ontem que defende o substitutivo do deputado Renildo Calheiros (PCdoB-PE) à Lei de Biossegurança. “A posição do ministério é de conhecimento público em favor do substitutivo que está tramitando na Câmara dos Deputados e que já foi aprovado. O Ministério do Meio Ambiente não concorda com o substitutivo aprovado no Senado”, afirmou.
O texto aprovado pelos senadores dá mais poderes à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) nas deliberações sobre os transgênicos. Segundo Marina Silva, essa decisão contraria a posição do Ministério do Meio Ambiente, de dar mais poder a órgãos como o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) para decidir sobre o uso de produtos geneticamente modificados.
Biotecnologia não se restringe à comida
Joyce Carvalho
A confusão em torno dos transgênicos e da biotecnologia está deixando a população insegura. Mas não há nada com o que se preocupar, segundo os especialistas que participaram ontem, em Curitiba, do seminário “Desenvolvimento Sustentável: tudo começa na semente”, que faz parte do projeto BioBrasil, organizado pelo Instituto para o Desenvolvimento Socioambiental (Idesa). O objetivo foi informar a sociedade com debates sobre o assunto.
A palestrante Ruth Helena Bellinghini, jornalista e knight fellow (espécie de bolsista) do Massachusetts Institute of Technology (Estados Unidos) em 2002 e 2003, explica que as pessoas estão confundindo transgênicos com a biotecnologia. Esta já modificou muito a vida da população, mesmo sem que tenha percebido. Ela cita a insulina para o tratamento aos diabéticos como exemplo de resultados da biotecnologia.
Quanto aos produtos geneticamente modificados, Ruth acredita que “as pessoas não estão parando para pensar e esquecendo que transgenia é mais do que isso. É preciso sair um pouco da discussão da soja e emplacar nas discussões outros avanços. Transgênicos não estão apenas em coisas para comer. Na Europa, se veste roupas com algodão transgênico e na Austrália existem as flores transgênicas”. Ruth avalia que não se pode pensar em modificação genética somente para a questão de herbicidas.
Os questionamentos dos cidadãos são saudáveis, de acordo com ela. “É bom ter medo do novo. A familiaridade faz com que se perca o medo. Acho que será a mesma coisa com os transgênicos. Aos poucos estão entrando e acredito que as pessoas vão se surpreender cada vez mais”, afirma. “Criou-se um mito em cima dos transgênicos. As pessoas acham que são deformados, mas não. São normais. Hoje seus derivados já são usados abertamente, mas sem constar esta informação no rótulo. É errado, pois a pessoa tem o direito de escolher”, considera. Ela informa que desde 1994 já foram plantadas 38 trilhões de plantas transgênicas nos Estados Unidos e que nenhuma conseqüência adversa foi detectada. “Já temos um grande campo de testes e bases suficientes para dizer que os transgênicos não fazem mal para a saúde e não causam grandes impactos ambientais. Se tem vários órgãos, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização das Nações Unidas (ONU), sendo favoráveis, podemos acreditar.”
Segundo a jornalista, a partir do momento em que as pessoas sentirem as vantagens diretas dos transgênicos, ficarão mais sensíveis ao tema. Ela justifica que, quando surgir no mercado um morango mais carnudo, um tomate menos ácido, um óleo com menos gordura, as discussões se tornarão mais amenas. A jornalista ressalta que, como toda tecnologia, a modificação genética pode ser usada para o bem ou para o mal. Assim, fica a cargo da sociedade bem informada em saber o que quer.
Falta de informação
O presidente da Associação Brasileira de Sementes e Mudas, Ywao Miyamoto, que também proferiu palestra ontem, concorda que realmente existe a falta de informação sobre os transgênicos. “Já misturam fantasia, religião, ideologia e radicalismo. Uma coisa simples está sendo distorcida.” Ele comenta que o consumidor não tem com que se preocupar, pois quando os produtos geneticamente modificados são liberados, passam por uma série de pesquisas e regras para tal. “Nenhuma empresa vai vender de qualquer jeito. Pode ser penalizada e tem um nome a zelar. Existem riscos, mas é o mesmo o que acontece com os remédios. Faz parte e os produtos são estudados e aprovados antes de irem para o mercado”, aponta. De acordo com ele, no Brasil existem vários tipos de soja, mas somente a RR foi liberada.
Miyamoto explica que a modificação genética acontece quando são incorporados alguns genes de outros seres vivos. Foi descoberto, por exemplo, que algumas bactérias são resistentes a pragas que atingem a soja. “A bactéria foi estudada e os genes dela foram colocados na soja. Mantém as mesmas características e ainda acaba sendo resistente”, indica. Para ele, seria ideal ter somente os produtos orgânicos no mercado, mas eles são caros e a produtividade é baixa. Com a transgenia, é possível aumentar o volume e, conseqüentemente, a produtividade. “Os orgânicos precisam continuar, pois há público para eles”, observa Miyamoto.