Quatorze anos depois do lançamento da Rodada Doha, que tinha como meta criar um novo sistema comercial, ministros de todo o mundo se reúnem nesta semana com a possibilidade de um “enterro” da iniciativa lançada em 2001. Chamada de a “cúpula da última chance”, a conferência ministerial da OMC tem até o fim da semana, em Nairóbi, para chegar a um entendimento.
Mas a tarefa do brasileiro Roberto Azevedo, diretor da OMC, será das mais complexas. Os governos dos EUA, Europa e Japão alertaram oficialmente que não permitirão que a declaração final traga qualquer referência à Rodada Doha, lançada no Catar, nem mesmo um programa de trabalho para os próximos meses para definir como o processo negociador da Rodada poderia ser examinado.
Na prática, americanos, europeus e japoneses querem o fim da Rodada Doha e que a OMC passe a focar seu trabalho em “novos temas”: padrões trabalhistas, questões ambientais, comércio eletrônico, concorrência, investimentos e transparência em compras governamentais.
A iniciativa coincide com a decisão de Washington e Bruxelas de buscar novos caminhos para liberalizar seu comércio, com acordos regionais e bilaterais se expandindo.
A maioria dos países que faz parte da OMC quer a continuidade de Doha e, na África, vão manter essa postura. Mas a realidade é que, sem as três principais economias do mundo, o risco é de que a entidade seja simplesmente abandonada por Washington, Tóquio e Bruxelas, o que por si só seria o fim da OMC.
Ainda em julho, num discurso que causou mal-estar, o embaixador dos EUA, Michael Punke, alertou que seu país não aceitaria continuar a “repetir discurso e platitudes”. Nos meses que se seguiram, Punke endureceu o discurso ainda mais nos bastidores.
Ainda assim, Índia e outros emergentes vão deixar claro que a inclusão de novos temas na agenda internacional não significa que os “velhos temas” estejam solucionados, principalmente no que se refere às distorções criadas pelos subsídios para a agricultura e que continuam sendo dados por americanos e europeus.
Quando a Rodada Doha foi lançada em 2001, acabar com essa distorção era o principal objetivo dos emergentes.
Para manter o assunto vivo, chineses, indianos e africanos insistem que precisam manter a ideia de uma Rodada Doha viva. “Não aceitaremos prazos artificiais para fechar Doha”, alertou a ministra do Comércio da Índia, Nirmala Sitharaman.
Meio termo
Já o governo brasileiro desembarca em Nairóbi com uma posição intermediária. Precisa apoiar o diretor da entidade, o brasileiro Roberto Azevedo. Mas, para isso, terá de encontrar um meio termo entre o que países emergentes e ricos querem.
Ao jornal O Estado de S. Paulo, negociadores de alto escalão do País já indicaram que não vão “militar” nem pela opção dos EUA e nem pela posição da Índia sobre o futuro de Doha. “Nenhuma das duas extremidades é viável”, alertaram representantes do Itamaraty.
O objetivo é o de garantir a sobrevivência da OMC, mesmo que não haja uma referência explícita à continuação da Rodada Doha, um projeto que foi considerado como prioridade pelo Brasil por anos.
Agora, Brasília insinua que pode abandonar parcialmente a insistência por Doha, pelo menos em seu modelo original. Há um mês, um primeiro sinal do afastamento do Brasil de sua posição original ocorreu quando, de forma inesperada, o Itamaraty se uniu aos europeus para fazer uma proposta sobre subsídios agrícolas. A iniciativa irritou os indianos que, desde 2003, construíram ao lado do Brasil o G-20, grupo de emergentes designado para defender uma reforma na agricultura mundial.
O eventual enterro de Doha, porém, não poderia ocorrer em um momento mais simbólico para a OMC. A entidade usará a conferência em Nairóbi para marcar seus 20 anos de história. Neste período, as taxas de importação no mundo caíram de 15% para cerca de 8%. Quase 40 novos países aderiram à entidade e o comércio global dobrou. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.