O risco de o Brasil ter um racionamento neste ano quase dobrou. Com as chuvas abaixo do esperado para março, a probabilidade de o País ter de decretar um corte superior a 4% da demanda de energia subiu de 24% para 46%, segundo cálculos da consultoria PSR, do especialista Mario Veiga, apresentado em evento interno para clientes. Uma redução dessa dimensão significaria desligar 12 milhões de residências.
No primeiro relatório elaborado pela consultoria, no início de fevereiro, o risco de racionamento era de 17,5%. De lá pra cá, a situação dos reservatórios do subsistema Sudeste/Centro-Oeste, responsável por 70% do armazenamento do País, não apresentou melhora significativa. As represas fecharam março com 36,3% – distante da previsão inicial de 41,3%.
Para abril, o cenário não é muito animador já que o volume de chuvas tende a ser menor que o de março. “O risco aumenta na medida que chegamos ao fim do período úmido”, afirma o diretor da Comerc Energia, Cristopher Vlavianos. Segundo ele, para janeiro, a expectativa de chuva em megawatts médios (MW) era de 56 mil. Em fevereiro, subiu para 59 mil MW médios; em março, caiu para 55 mil MW médios; e abril, para 41 mil MW médios.
O governo demorou para admitir que a situação não era tão confortável como fez parecer em janeiro e fevereiro. No fim do mês já admitiu algum risco no setor elétrico. Em audiência pública na Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados, o presidente da Empresa de Planejamento Energético (EPE), Maurício Tolmasquim, afirmou que o País passa pelo pior evento climático da história, se forem consideradas em conjunto as regiões Nordeste, Sudeste e Centro-oeste. “Essa é a terceira pior (estiagem) desde 1931, quando se têm as medidas da hidrologia”, disse ele,
“Mas, se pegarmos o conjunto, talvez seja o pior evento que já aconteceu – ter hidrologia ruim concomitantemente nas três regiões.” Ele acrescentou que os reservatórios dessas regiões receberam no período recente metade do volume usual de água. “A situação hidrológica que temos hoje não tem nada a ver com a de 2001. É muito pior, é um evento extremo.”
Atenção
Esse quadro, porém, não leva o governo ao pavor, disse ele. “É um quadro que merece atenção, mas não desespero.” Isso porque o País conta hoje com uma capacidade instalada maior do que a de 2001 e uma matriz energética mais diversificada. “Isso quer dizer que estamos blindados para qualquer evento climático? Não. Mas estamos em situação que permite à gente poder dizer que o risco do racionamento é muito baixo”, comentou.
“É claro que tem de ficar acompanhando, ver o que acontece no período daqui em diante. Pode ter um evento continuado de pouca hidrologia.”
Campanha
O governo tem dito que é preciso aguardar abril, quando ainda podem ocorrer chuvas em maior volume, para ter uma medida mais clara do impacto da estiagem sobre os reservatórios das hidrelétricas. O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, chegou a admitir ao Wall Street Journal que pode pedir à população para economizar energia, mas descartou a hipótese de racionamento.
Na avaliação do professor da UFRJ, Nivalde Castro, essa seria a decisão mais correta neste momento. “O governo tem de adotar medidas de redução de demanda, a começar por uma campanha de corte voluntário do consumo, como já está ocorrendo em São Paulo no abastecimento de água.” Para ele, não fazer nada representa um risco energético muito alto.
“Até quando o governo pode ficar sem fazer nada? Nesta trajetória, o sistema não se sustenta até o fim do período seco.” A resposta, segundo cálculos de executivos do setor, que preferem não se identificar, é que sem uma campanha de redução de consumo, o sistema suportaria até a Copa do Mundo mas não chegaria até as eleições.
Modelo
Apesar do aperto no armazenamento e do risco de um desabastecimento, Tolmasquim disse que o setor hoje é mais robusto comparado a 2001. No período entre 1996 e 2001, a taxa de crescimento do consumo de energia foi 7% maior do que a expansão da capacidade de geração. Já entre 2001 e 2013, a oferta cresceu 47% acima da demanda.
O desempenho foi atribuído por ele à mudança do marco regulatório do setor elétrico efetuada em 2004, na gestão de Dilma Rousseff à frente do Ministério de Minas e Energia. “Havia falhas que afugentavam o setor privado e a Eletrobrás era proibida de investir.”Era arriscado investir em geração porque o empresário não tinha garantia de compra da energia, explicou.